A Casa Branca clama “missão cumprida”, mas a Rússia e a Síria aludem a “estragos menores”. Russos alertam para “consequências” e produzem referências a um “acto de agressão” contra um estado soberano. Apesar do aumento da tensão, Washington e Moscovo acentuam que não estiveram em confronto directo na madrugada de sábado.
Mas o ataque contra alvos militares sírios, nos arredores de Damasco e Homs, foi um sucesso absoluto nos termos e objectivos? Antes ainda da acção militar o especialista em geopolítica José Pedro Teixeira Fernandes sustentou que despejar mísseis na Síria não resolve qualquer problema humanitário e que o comportamento do ocidente é errático.
“É preciso contextualizar convenientemente a guerra na Síria. Temos de um lado um regime autoritário e secular.É o caso de Assad com os seus aliados a Rússia, o Irão e o Hezbollah no terreno”, afirma o professor do ensino superior no "Conversas Cruzadas".
“Mas não temos do outro lado, como muitas vezes nos foi dito na Europa, grupos que combatem pela instalação da democracia ou liberdade. Esse é um equívoco total. Esse é um relato distorcido. É um dado fundamental para perceber o que está em análise, a violência em jogo e as alternativas” prossegue José Pedro Teixeira Fernandes.
Teixeira Fernandes: “Só os curdos merecem algum crédito”
“Só salvaria desta análise os curdos, os únicos que merecem algum crédito. Na luta contra Assad tivemos o Estado Islâmico, por um lado, e, por outro, vários grupos ramificações jiadistas, apoiados por países sunitas, uns mais próximos da Turquia, outros da Arábia Saudita, outros ainda do Qatar. O confronto de sábado que infelizmente apanha a população civil é entre as forças sírias e os seus aliados russos e iranianos contra um grupo jiadista, o Jaysh al-Islam que, no início da guerra, tinha no seu programa limpar Damasco dos aluítas e shiitas, portanto, fazer uma limpeza étnica”, sustenta o cientista político.
“É este grupo que vamos defender? Porque lançar mísseis na Síria não vai resolver problema humanitário algum. Temos de perceber que estamos frente a dois lados que usam a violência indiscriminada e este episódio de sábado nem sequer é o episódio mais grave da guerra da Síria. O comportamento ocidental é completamente instrumental e errático nesta crise”, afirma José Pedro Teixeira Fernandes.
“De cada vez que Trump é pressionado pela investigação das relações da campanha com o Kremlin o presidente parece querer demonstrar que é firme nestas questões de política internacional. Infelizmente também vejo más razões no caso britânico e francês. No caso britânico por razões de política interna (Brexit) e mais uma ramificação do caso espião duplo Skripal”, prossegue o professor do ISCET.
“No caso francês, Macron procura afirmar-se como líder europeu no plano global e este é mais um pretexto. Porque dizer que tem provas quando não veio nada a público - o que são essas provas? - é dizer um 'confiem em mim'. A este nível em política em assuntos tão sérios um líder tem que apresentar mais argumentos”, remata José Pedro Teixeira Fernandes.
Nuno Botelho: “Não se consegue isolar os maus”
Já o jurista Nuno Botelho rejeita uma lógica binária na análise da crise e prioriza a questão humanitária. “Este episódio de tensão, um conflito que em tudo remete para a guerra fria, a todos deve preocupar, desde logo, pela calamidade humanitária que provoca. Essa é a nota que aqui gostava de sublinhar”, observa.
“A análise desta crise não consegue isolar bons e maus em lados bem definidos. A dificuldade aqui está em sentar os líderes à mesma mesa e encontrar uma solução diplomática. É por aí que este conflito se pode resolver. Tendo os russos capacidade de ceder e tendo os norte-americanos a possibilidade de aliviar um pouco as sanções a Moscovo mantendo essa margem negocial”, sublinha o presidente da ACP.
Luís Aguiar-Conraria: “Preço do petróleo? Há margem para não haver pânico”
E pode o agudizar da crise ter consequências na economia mundial?
“Claro que se o petróleo subir há vários estudos a demonstrar que as consequências serão negativas. Desaceleração do crescimento económico global e para países em concreto. Portugal é dos países que será prejudicado”, responde, por seu turno, o economista Luís Aguiar-Conraria.
“Os preços do barril, neste momento, nos 67 dólares, não são ainda do outro mundo. Apesar de tudo há aqui ainda uma margem para não se entrar em pânico”, acentua o professor da Universidade do Minho. “No caso de um conflito aberto não sabemos sequer planear o ‘worst-case scenario’. É tudo imprevisível”, diz Luís Aguiar-Conraria.
“Não sei dizer mais que isto, porque gosto muito daquela máxima de Donald Rumsfeld: ‘há as coisas que sabemos e há as coisas que não sabemos. Dentro das coisas que não sabemos há aquelas que sabemos que não sabemos, mas há aquelas que não sabemos que não sabemos”