Nasceu na China e cresceu na rede social TikTok. Hoje o “quiet quitting”, ou demissão silenciosa, é um fenómeno espalhado pelo mundo ocidental, sobretudo entre os trabalhadores mais jovens.
Está, por isso, a preocupar patrões e responsáveis políticos. Não se trata de pedir a demissão da empresa onde se trabalha, mas de cumprir apenas o que está na letra do contrato, seguindo à risca os horários e afastando qualquer vínculo emocional com o empregador.
Um estudo norte-americano revela que o problema afeta mais de 30% dos trabalhadores. Embora feito nos Estados Unidos, a psicóloga Teresa Espassandim admite que as conclusões poderiam ser as mesmas, se tivesse sido feito em qualquer país da Europa e, nomeadamente, em Portugal.
“Não é um fenómeno que fica do outro lado do Atlântico, isto está no nosso país, 32% da população ativa tem níveis muito baixos, aquém do que seria esperado, de envolvimento e compromisso com a empresa. Isto significa que em muitas circunstâncias, em muitas realidades de trabalho, não existe um incentivo ao desenvolvimento de carreiras, não existem oportunidades de aprendizagem, não existe um contacto próximo das chefias, procurando saber como é que aquela pessoa se sente, como é que ela está”, afirma Teresa Espassandim, no programa Em Nome da Lei da Renascença.
O líder da Juventude Socialista (JS), Miguel Costa Matos, reconhece que em Portugal não faltam razões para que os jovens trabalhadores não estejam dispostos a “vestir a camisola”.
Miguel Costa Matos admite que “um em cada seis dos jovens que procuram emprego não o encontram. E, quando o encontram, dois em cada três tem um contrato a termo. E, depois, três em cada quatro jovens têm um salário abaixo dos 950 euros. E a percentagem daqueles que trabalham mais de 40 horas duplicou nos últimos 10 anos. Ou seja, nós temos contratos cada vez mais precários, menos remunerados, e com mais horas de trabalho.”
Semana de quatro dias pode ser uma solução?
O líder da JS admite responsabilidades dos governos socialistas na precariedade laboral, no entanto, defende que o “quiet quitting” “não é um problema generalizado. Mas focado em alguns setores de elevado crescimento”.
Miguel Costa Matos diz que estudos confirmam que a questão central para os jovens é a carga horária. Defende, por isso, que a semana de quatro dias é uma boa aposta.
“Não é uma legislação, para já, é uma experiência-piloto que vai assegurar que algumas empresas, para as quais possa fazer sentido, possam experimentar este modelo de organização do tempo de trabalho que está já demonstrado em algumas partes do planeta pode aumentar a produtividade: com menos horas, produzir mais. E não é algo que ponha em causa a inflação, a recessão, o emprego. É algo que pode potenciar mais crescimento, menos inflação, melhor emprego”, argumenta o líder da JS.
O Governo propôs aos parceiros sociais uma experiência-piloto da semana de quatro dias, a arrancar em junho do próximo ano, nas empresas privadas que queiram aderir. Mas o especialista em Direito do Trabalho, Luís Gonçalves da Silva, entende que reduzir os dias de trabalho não deve ser uma prioridade, num momento em que a Europa vive sob a ameaça de recessão e o teletrabalho não está ainda estabilizado.
“Eu tenho muitas dúvidas que seja uma prioridade, quando estamos a discutir tantos e tantos assuntos que são prévios, e que seja este o momento, por causa do problema da recessão, da inflação, do teletrabalho não estar ainda estabilizado, por causa de uma Agenda para o Trabalho Digno que vai mudar não sei quantas dezenas ou centenas de artigos da lei”, defende Luís Gonçalves da Silva.
Chefes menos qualificados que os trabalhadores
O especialista em Direito do Trabalho afirma que para a desmotivação do trabalhador contribui o facto de frequentemente não reconhecer competências a quem lhe dá ordens.
Luís Gonçalves da Silva diz que temos, em média, mais trabalhadores qualificados do que empregadores. E a consciência disso tem-se agravado nos últimos anos.
“Nós temos em média trabalhadores mais qualificados do que os empregadores. Isso deve-nos fazer refletir. Temos muitas pessoas a dirigir empresas que não têm nem formação nem qualificação nem preparação para o fazer. E, portanto, esse divórcio entre quem gere e quem é gerido, que muitas vezes não reconhece legitimidade a quem gere, é um problema real. E é um problema que nas últimas décadas se tem acentuado, porque se ganhou consciência do problema.”
Para captar e reter talentos, a primeira coisa que as empresas devem fazer é ouvir os trabalhadores e perceber os seus limites, defende Luís Gonçalves da Silva.
“A saúde mental é saúde”
Nas universidades há graves problemas de saúde mental que depois passam para as empresas, quando os jovens entram no mercado de trabalho. Intervir a esse nível é fundamental.
“Tal como há 50 ou 100 anos, os empregadores tinham dificuldade em perceber a diferença entre um trabalhador perder um braço e uma máquina avariar, foram décadas de luta para que se compreendesse isso, agora chegou a uma altura de se passar a outro nível da compreensão que é muito simples: a saúde mental é saúde. Uma depressão é tão grave ou mais do que partir uma perna. E, portanto, os empregadores, e os responsáveis da gestão em geral, têm de estar sensibilizados e os trabalhadores também, para os seus limites”, afirma o especialista em Direito do Trabalho.
Teresa Espassandim defende que” para construir locais de trabalho mais felizes e seguros, é preciso colocar psicólogos nas empresas para poderem avaliar quais são os riscos que trazem agravamento da saúde e do bem estar”.
A psicóloga lembra que “um em cada cinco portugueses tem problemas psicológicos. Dados do único estudo epidemiológico feito em 2009, muito anterior à pandemia. Diversos estudos parciais apontam já para que estes valores estejam muito agravados”, conclui Teresa Espassandim.
Declarações ao programa Em Nome da Lei, que esta semana foi gravado no Web Summit e é transmitido todos os sábados, na Renascença, logo a seguir ao meio-dia e pode ser ouvido no Popcasts e noutras plataformas digitais.