Numa altura em que se começa a discutir o novo pacote financeiro da Política Agrícola Comum (PAC), o ministro da Agricultura mostra-se confiante de que Portugal conseguirá o mesmo envelope do quadro anterior – quatro mil milhões de euros. Se a floresta vai conseguir aceder a mais do que os actuais 14% do total do bolo será uma opção política do próximo Governo. Mas para o fazer, noutro lado terá de cortar, alerta.
O cadastro da terra foi finalmente aprovado com o apoio do PSD. O que é que isto significa?
Significa que mais um importante instrumento da reforma da floresta fica disponível. Não tendo a propriedade rústica de metade do país cadastrada, torna-se impossível concretizar qualquer programa de médio e longo prazo de gestão florestal. Ao fim de muitas décadas, iremos ter dentro de quatro anos o país cadastrado, de forma gratuita para os proprietários e com isenção de impostos nos dez anos seguintes. O que o não for cadastrado, será registado como terras sem dono conhecido cuja gestão será entregue à Empresa Pública Florestal. Durante os 15 anos seguintes, se um eventual proprietário surgir e demonstrar que é dono dessa terra, ela ser-lhe-á restituída. Ao fim de 15 anos, o Estado exercerá o usucapião.
O que é que os proprietários devem fazer?
Tal como aconteceu no projecto piloto que abrangeu dez municípios à volta de Pedrógão, e que durou um ano permitindo registar 50% dos 600 mil prédios existentes, a iniciativa terá de ser dos proprietários. O processo será integralmente gratuito e aqueles que registarem o seu património ficam isentos de impostos nos dez anos seguintes.
Disse que as terras sem dono passarão para o Estado. Isso significará que o Estado ficará com propriedades pulverizadas pelo país inteiro. Para dar dimensão à gestão, o Estado terá de se juntar aos outros proprietários. Como?
Não sabemos quantos serão os terrenos sem dono. Fala-se em 20%, o que a Norte do Tejo são 190 mil hectares. Criámos uma empresa pública que, para além de gerir o património que já é do Estado, tem como missão principal a junção dessas propriedades, juntando Estado e proprietários.
Mas a Empresa de Gestão Florestal irá assumir a gestão ou delega-la?
Pode gerir directa ou indirectamente. Haverá situações em que se houver uma boa ZIF, ou uma associação florestal, o Estado pode delegar nelas a gestão desse património.
Apontam-se dois grandes culpados dos fogos, que são o eucalipto e o cadastro. O cadastro é assim tão fundamental? Ele existia em Mação e ardeu na mesma...
Não há nenhuma solução mágica para acabar com os fogos florestais. Mas o primeiro culpado dos fogos é o homem. Mais de 90% dos fogos são por negligência. Depois há um outro conjunto de factores: factores naturais - as trovoadas secas, por exemplo - e questões estruturais como uma floresta mal gerida, caótica.
Para ser gerida é preciso investir e isso não está a acontecer.
O Ministério da Agricultura tem milhares de projectos florestais aprovados e tem uma dotação de 570 milhões de euros de que já executou cerca de um terço e até 2023 executará o restante. Portanto, essa afirmação não tem aderência à realidade.
Mas esses 570 milhões são suficientes?
Não, nunca ninguém dirá, em nenhum sector, que os meios são suficientes. É o que dizemos no sector da saúde, da educação.
Mas os fundos para a agricultura vêm sobretudo de Bruxelas. Estamos no fim de um quadro comunitário e na altura de negociar outro. No próximo haverá uma maior fatia para as florestas?
Estamos a lutar por isso. O envelope financeiro português para o desenvolvimento rural, o chamado segundo pilar da PAC, para 2014 - 2021, é de 4,1 mil milhões, dos quais 540 milhões foram alocados à floresta.
Uma pequena fatia face à agricultura...
Estamos a negociar e não obstante o orçamento agrícola da União Europeia sofrer uma redução de 10%, estamos convictos que Portugal manterá o seu envelope. O que agora está em cima da mesa só propõe 5% de corte para Portugal e nós pensamos que até ao fim da negociação conseguiremos reverter esta situação e teremos no próximo quadro um montante semelhante - 4,1 mil milhões de euros. A questão será se se vai alocar mais à floresta ou menos? Essa vai ser a opção política que caberá ao próximo Governo pois é a história da manta: Vai dar mais à floresta para tirar mais aonde? Ao regadio? Ao investimento nas explorações? Às agro-ambientais? Ou se mantém um quadro com uma chave de redistribuição parecida com a actual - 500 milhões em quatro mil milhões - ou terá de fazer cortes noutros sectores, e todos reclamam aumentos.
Em termos de negociação da PAC, o que já está garantido?
Há aspectos já conseguidos para Portugal muito positivos. No primeiro pilar da PAC, que são as ajudas directas aos agricultores independentemente do que produzam, conseguimos um aumento do envelope financeiro na ordem dos 160 milhões de euros a mais num quadro em que há uma redução global do orçamento da UE. Temos um objectivo por cumprir que é anular o corte no segundo pilar, o apoio ao investimento por superfície no âmbito do Plano de Desenvolvimento Rural (PDR).
Os produtores florestais não estão incluídos no primeiro pilar. Isso poderia mudar?
Não porque na UE não há uma política comum florestal, há uma política agrícola comum. Nós só conseguimos pôr os apoios à floresta no PDR. Não é possível mudar porque na generalidade dos estados membros, em que nós somos uma excepção, a floresta é do Estado e sendo a maioria da floresta pública não faz sentido ter uma política que é essencialmente para apoiar o sector privado.
Então não haverá corte nas ajudas directas?
Pelo contrário, vai haver um ligeiro aumento. Temos no primeiro pilar cerca de 4 mil milhões de euros para os sete anos, cerca de 600 milhões por ano, e vamos ter um acréscimo de 160 milhões para o período. Portugal e a UE atribuem aos agricultores quatro milhões de euros por dia nos dois pilares da PAC.
Este PDR está a chegar ao fim. Que balanço é possível fazer?
Considero bem-sucedido. O programa de desenvolvimento rural tem uma taxa de execução de 53 por cento (estão pagos mais de 2,1 mil milhões de euros). Fruto do dinamismo do sector, as verbas estão comprometidas a 90% e por isso negociei com o BEI um outro instrumento de apoio financeiro que entrará agora em Julho e que vai permitir disponibilizar mais 190 milhões de euros para investimento na agro-indústria. Terá três anos de carência e 11 para amortização e com garantia do Estado a 70%.
Um dos sucessos agrícolas tem sido olival, que está sob grandes críticas. Justas?
É acusado sem provas. Tenho ouvido acusações ao olival completamente estapafúrdias, sem nenhum fundamento mas que vão colando na opinião pública. O olival é uma cultura milenar em Portugal, não ocorre a ninguém que faça mal à saúde, antes pelo contrário.
Mas anunciou que não vai haver apoios a novos olivais.
Não anunciei isso porque o olival faça mal. Mas em Alqueva estão a ser regados 90 mil hectares e, entre estes, 57 mil são de olival. Não quero que o perímetro seja uma monocultura. Não faz sentido quando temos no resto do país enormes potencialidades para o olival e que devem ser aproveitadas.
Mas deixe-me desmontar essa calúnia contra o olival. Diz-se que o olival faz mal à saúde. O que faz mal são algumas indústrias associadas aos olivais que podem não cumprir normas ambientais e aí tem de ser fechados. Dizem que prejudica o solo com os adubos. E antes do olival havia cereais e estes também levavam adubos. O olival é ferti-irrigado. Isto é, é posto gota à gota ao é de cada árvore de acordo com as necessidades. Isto é uma mistificação.
Outro dos argumentos é que modificava a paisagem. É evidente. Onde havia uma paisagem de sequeiro há agora regadio e isso muda a paisagem. Mas mesmo assim, o olival regado tem 50 mil hectares num Alentejo que tem 3 milhões de hectares. O Estado, os contribuintes, investiram ali 2500 milhões de euros precisamente para mudar a paisagem.
Depois há o mais ridículo argumento: o de que olival é mau para a biodiversidade mas depois criticam porque a colheita nocturna mata milhares de pássaros. Então num dia não havia pássaros e no outro havia mortes de pássaros aos milhares?
Há uma campanha que tenho dificuldade em entender que cola no eleitorado.
Pensa que há uma campanha?
Sempre houve inimigos do Alqueva. Como nos últimos 15 anos se comprovaram que as críticas não acertaram, agora surgem novos argumentos. Por isso, mandei o Instituto de Investigação Agrária proceder a um estudo exaustivo sobre os impactos do olival nos solos, no clima a na natureza. Há uma campanha lamentável, infundada e alarmista contra um dos maiores sucessos da agricultura portuguesa. Somos agora grandes exportadores de azeite, que é sujeito a todos os controlos de qualidade.
Outra zona que tem estado sob os holofotes é o perímetro de rega do Mira e as estufas. Aí há outros problemas, nomeadamente sociais.
É um problema difícil. Naquela zona de Odemira temos uma das maiores riquezas para a agricultura: é uma estufa ao ar livre. É possível ali fazer um conjunto de produtos que noutros sítios só com estufas forçadas, aquecidas. A dificuldade tem sido conciliar um conjunto de restrições ambientais introduzidas pela sobreposição de um parque natural onde já existia um perímetro de rega. Portugal já abastece 40% do mercado europeu no que diz respeito aos frutos vermelhos. Isso tem trazido uma agricultura intensiva e provocado aumento de necessidade de mão-de-obra que não existe na região. Há de facto uma Torre de Babel naquela zona com trabalhadores de todas as partes do mundo. Reconheço que tem acontecido alguns problemas de alojamento...
...e educação e saúde.
Isso é uma questão que tem a ver com as políticas sociais do Governo e não do Ministério da Agricultura. Não defendo o progresso da agricultura a todo o custo. Isto só é possível com condições de dignidade e integração. Estes trabalhadores são sazonais. Reconheço que há algumas situações de falta de dignidade no alojamento. Mas esse é um problema que compete resolver aos operadores privados e às autoridades que têm que verificar se as condições de acolhimento são compatíveis com os direitos humanos.