Cónego Paulo Franco. “Neste contexto de Natal há muita coisa que precisa de ser purgada”
16-12-2024 - 11:16
 • Maria João Costa

O pároco do Parque das Nações, em Lisboa, lembra qual a essência da celebração do Natal, desafia a estar mais presente e a não nos deixarmos levar pela voragem económica. É nas “coisas simples” e humildes que está a essência do Natal, aponta o Cónego Paulo Franco.

Mais do que ter uma lista de presentes para o Natal, devemos fazer-nos “presente”. Este é um dos desafios do cónego Paulo Franco. O pároco do Parque das Nações, em Lisboa, lamenta que se tenha perdido “a valorização” das “coisas simples” e considera que “há muita coisa que precisa de ser purgada” no Natal, sobretudo o acessório.

Em entrevista à Renascença, lembrando a simplicidade e humildade do dia do nascimento do filho de Deus, o cónego Paulo Franco interroga-se porque hoje não nos deixamos influenciar mais pela palavra de Jesus e dá dicas práticas para viver o Natal.

Nesta quadra em que divide a sua vida entre a família e a sua comunidade, o também presidente do conselho de administração do Grupo Renascença Multimédia desafia todos a olharem ao lado, para os mais pobres, e ter um gesto de caridade. “Não deixar passar o Natal sem esta atenção àqueles que estão à nossa volta”, pede o pároco.

O dia inicial, a origem do Natal, reveste-se de grande simplicidade. Que momento fundador foi esse que ainda hoje celebramos?

Antes de mais nada, é um prazer e uma alegria estar aqui, tão perto desta festa tão importante para todos nós, a conversarmos um bocadinho sobre isso.

De facto, nesta celebração que nos marca tanto, porque está carregada de tanta força e energia, é importante que não se perca aquilo que ela significa. E para nós, que acreditamos nisso, é bom que nos lembremos sempre do que é que de facto comemoramos, qual é que foi esse momento fundador, como perguntava.

É um momento de grande riqueza e, ao mesmo tempo, de grande humildade?

É verdade, o nascimento de Jesus, filho de Maria. Nós acreditamos que Maria Virgem concebeu no seu seio Jesus, como um milagre de Deus, que lhe foi anunciado pelo anjo Gabriel. O seu noivo, José, aceitou viver também esse momento da história e comprometeu-se também, juntamente com Maria, nessa tarefa da educação e da criação do filho de Deus, Jesus.

E, portanto, a riqueza está aqui, neste Deus connosco que encarna como ser humano e que vem à vida das pessoas, num ambiente muito humilde, como dizia.

De facto, este nascimento aconteceu naquela gruta que abrigava pastores com os seus animais, em Belém, da Judeia, atual território palestiniano, e que, com este gesto, afirma claramente que Deus se quer fazer presente exatamente nessas coisas simples e pequeninas da nossa vida.

É aí que este mistério da vida e do amor, fundados por Deus, acontece e hoje pode continuar a acontecer. Esta é a grande riqueza que nós, que acreditamos, que somos cristãos e que celebramos o Natal, também queremos lembrar em cada ano que celebramos esta festa.

Mas a cada ano parece que, no fundo, essa tradição se vai perdendo. O que é que perdemos com isso? O que nos distancia desse momento fundador?

Eu acho que perdemos a valorização destas coisas simples. Às vezes parece que o importante é só aquilo sobre o qual os holofotes incidem e que tem muito, desculpem o termo, “show-off” à volta.

Às vezes desvaloriza-se a essência que é a razão de tudo o resto, e que dá importância à imagem que às vezes cria. A imagem é uma forma de anunciar ou de mostrar qualquer coisa, mas essa qualquer coisa é aquilo que está por trás disso.

Tem de ter fundamento?

Exatamente. Dá-se mais importância à imagem do que à razão de ser das coisas. Eu acho que, às vezes, esta imagem, estes holofotes, disfarçam um bocadinho a mentira e o erro. É isso que temos que combater.

E que dicas práticas dá? Sobretudo porque hoje as famílias vivem esta quadra muitas vezes no stress dos presentes, a correr entre a família do lado da mãe e depois a do lado do pai. Como podemos voltarmos a esse momento simples e humilde e celebrá-lo?

Agora vou falar um bocadinho mais para quem se afirma e se sente cristão. Acho que há coisas muito simples que podem, de facto, dar um mote nos momentos em que estamos reunidos em família.

Por exemplo, o ter uma figura do menino Jesus junto à mesa da refeição da noite de Natal e, se calhar, no início dessa refeição, ter uma breve referência a esse mesmo momento.

Ou acender uma vela, ou uma coroa de velas, lembrando também que esse menino que nasce e continua a nascer, quer ser luz para nós.

Lembrar os mais pequeninos do que é que estamos a celebrar. Se não às tantas, passam os anos, eles vão crescendo e sabem que há um jantar ou que há um almoço de Natal, mas nem sabem o que é que estamos a celebrar.

Lembrar também quem é que são os nossos vizinhos mais pobres e tentar ter um gesto de caridade para com eles, até em família.

E não deixar passar o Natal sem esta atenção àqueles que estão à nossa volta.

E já agora, no final da noite, podemos sempre ir à Missa do Galo. Que é sempre um momento também que muitas famílias ainda têm a tradição de viver, em família.

Falou dos mais pequenos, muitos deles prendem-se ao Natal por causa dos presentes. Na verdade, o presente tem a ver também com a tradição dos Reis Magos. Mas há um lado consumista. Estamos a desvirtuar essa tradição?

Podemos estar, mas também podemos não estar. É verdade que esta tradição, quer dos Reis Magos, porque ofereceram também presentes ao Menino Jesus, mas também a tradição que vem de São Nicolau, que depois acabou por desembocar na figura do Pai Natal, acho que todos podemos também impedir que esta azafama dos presentes desvirtue-o.

Se nós, de facto, nos fizermos presente, ou seja, se a nossa própria vida for um presente, porque o nome presente é isso mesmo, é porque eu me quero fazer presente. E, portanto, eu também me posso fazer presente de muitas outras maneiras.

Posso me fazer presente na vida dos outros, não apenas com uma coisa que lhe ofereço, mas com a minha própria vida que se lhe oferece, ou a maneira como eu o sirvo, a maneira como estou atento.

Acho que levar, sobretudo os mais pequeninos, como dizia, a perceber que o presente é muito mais que uma coisa material, pode ser também uma coisa humana. Acho que isso é um gesto que é bom que seja recordado, que seja manifesto e que não seja esquecido.

Muitas casas têm a tradição de ter um presépio, mas há também quem se agarre a esses símbolos e não tenha depois qualquer prática religiosa. Como é que vê esta divisão, entre o símbolo e o simbolismo?

Não é mal de todo.

É um caminho?

Exatamente. Ter esse símbolo é uma coisa boa. E, portanto, agora o que é importante é fazer esse caminho, como dizia, para passar do símbolo ao simbolismo, ao seu significado.

Vou dar aqui uma dica prática, e costumo muitas vezes dá-la, até na minha comunidade, que é desafiar os pais a fazerem o presépio com os seus filhos. E, à medida que vão fazendo o presépio, aquelas figurinhas todas bonitas, aproveitar esse momento como formativo, explicando aos mais pequenos o significado de cada uma das figuras.

Quem nos está a ouvir diz assim: “Como é que eu sei isso?”. Bem, o Google ou o chat de GPT também podem dar uma ajudinha e tirar algumas dúvidas e aproveitar, de facto, esse momento para continuarmos a ter presente que aquele símbolo tem uma razão de ser por trás.

Há hoje uma transformação da festa católica também numa festa pagã, empurrada muitas vezes por esta voragem económica e publicitária de vender. Já falou aqui de São Nicolau, vou falar agora do “Pai Natal”. Como é que isto também deve ser redirecionado?

O “Papai Noel”! Talvez isso aconteça, mas acho que está também nas mãos de todos nós e de cada um de não deixar que o caminho vá por aí.

Se cada um de nós fizer a sua parte nesta luta, eu acredito que a gente consegue resistir a esta voragem económica de vender a imagem do Natal.

Isto só é vendido se alguém aceitar comprar. Eu acho que se não aceitarmos comprar, podemos resistir e podemos usar o que isto tem de bom e resistir ao que isto tem de mau, porque às vezes também nem tudo é bom, e nem tudo é mau.

Às vezes naquilo que à primeira vista pode parecer mau, podemos retirar alguma coisa de bom, e, aquilo que às vezes pode parecer bom, também se calhar tem alguma coisa de mau.

Saber fazer essa distinção e purgar isso, acho que é muito importante.

Neste contexto de Natal, há muita coisa que precisa de ser purgada, prescindir do que não interessa e valorizar o que vale a pena.

Nesta matéria concreta do Pai Natal, das prendas, da parte mais comercial há coisas também boas e positivas. Às vezes faz-se um drama do Pai Natal, mas o Pai Natal não é mau. O Pai Natal tem coisas boas. Ele nasceu com um velhote, o São Nicolau a ter atenção às crianças pobres e a distribuir-lhe presentes

Se nós tivéssemos atenção aos pobres à volta da nossa casa e tivéssemos até de forma discreta, sem ninguém saber, de lhes proporcionar algo de bom, isso não é bom?

Como é que podemos viver em família, mas também olhar ao lado, para quem passa o Natal só, para quem não tem com quem partilhar a ceia de Natal. Como é que podemos, ou devemos como católicos, dar esse passo?

Agora vou fazer uma provocação! Se cada família convidasse para a sua mesa um pobre ou uma pessoa que está só talvez nós conseguíssemos que ninguém ficasse sem celebrar o Natal. Se calhar até não havia que chegasse para as famílias todas!

Não podemos estar sempre a identificar os problemas, sermos os primeiros a apontar o dedo, e nunca nos comprometermos em resolvê-los e às vezes uma coisa muito simples basta.

Gostamos muito de ser disruptivos, excêntricos e fora da caixa, em determinadas coisas, mas acho que podemos começar por aqui.

É também essa uma mensagem do Natal para um católico? É uma forma de renascer na fé? Como é que o podemos fazer?

Aceitar que este Jesus nasce, aceitar que ele nasça em mim, ou seja, aceitar recebê-lo na minha vida. O que é que isto significa? Que a palavra que ele me dá e que ele é, porque ele é a palavra encarnada, aquilo que ele me diz me influencia, me condiciona nas minhas escolhas.

Se muitas vezes a opinião de um amigo me condiciona, se muitas vezes uma moda me condiciona, porque é que aquilo que Jesus diz não me condiciona? Eu acho que começa por aí, nas minhas escolhas, decisões, atitudes perante a sociedade que a palavra de Jesus tenha alguma influência. Pode começar por aí!

Padre Paulo Franco, como é que será o seu Natal?

O meu Natal? Com algum trabalho, porque faz parte da minha vida, mas também com algum momento em família. Normalmente janto, na consoada, com a minha família, os meus pais, o meu irmão. Tenho um irmão casado, com cinco filhos, portanto juntamo-nos todos, com algumas pessoas da família mais próxima. Normalmente fazemo-lo em casa dos meus pais, que ainda estão vivos graças a Deus.

Depois saio um bocadinho mais cedo, por volta das dez da noite, porque depois faço 100 quilómetros para vir para Lisboa, onde celebro com a minha Comunidade Paroquial do Parque das Nações a Missa do Galo.

Depois no dia de manhã, volto a celebrar a Missa de Natal com a minha comunidade e depois, a seguir, saio para voltar para ir almoçar com a família que continua reunida, e faço mais 100 quilómetros para ir ter com eles. É assim a minha vida de Natal, sempre foi assim, desde que eu sou padre. Uma parte com a família, e a parte também religiosa com a minha Comunidade Paroquial

Com a sua outra grande família.

É verdade, também é a minha família. Votos de um Santo Natal para todos, que seja de facto um momento de novidade de vida, e de partilha dessa mesma vida.