José Eduardo dos Santos, o ex-presidente de Angola entre 1979 e 2017, morreu esta sexta-feira em Barcelona, onde estava há duas semanas ligado às máquinas e onde era acompanhado devido a problemas de saúde.
O anúncio foi feito pela Presidência de Angola, que em comunicado destacou "a figura de um estadista de grande dimensão histórica, que regeu durante muitos anos com clarividência e humanismo os destinos da nação angolana, em momentos muito difíceis".
Pouco depois, em nova publicação, o Presidente angolano, João Lourenço, decretou um período de luto nacional de cinco dias, com início este sábado, descrevendo o seu antecessor como uma "figura ímpar da pátria angolana, à qual se dedicou desde muito cedo, tendo tido relevante participação na luta contra a colonização, na conquista da independência nacional, na consolidação da nação, na sua afirmação no contexto das nações, na conquista da paz e reconstrução e reconciliação nacionais".
Tchizé, uma das filhas do antigo presidente angolano, foi uma das primeiras pessoas a reagir ao seu falecimento, deixando várias publicações na sua página pessoal do Instagram.
"Os pais nunca morrem porque são o amor mais verdadeiro que os filhos conhecem em toda a vida. Eles vivem para sempre dentro de nós", escreveu.
A filha de Zedu, como era conhecido, deixou também críticas ao atual chefe de Estado angolano: "Apagar a luz do outro não vai fazer com que a sua brilhe mais", indicou noutra publicação, visando João Lourenço e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que José Eduardo dos Santos dirigiu durante décadas.
O MPLA também reagiu em comunicado à morte do seu ex-líder, anunciando o cancelamento de todas as ações até ao final do luto nacional, dizendo-se "consternado" com a notícia da morte do ex-Presidente.
Em declarações à Renascença, o escritor e ativista angolano José Eduardo Agualusa disse que o antigo presidente ficará na memória do país por causa da corrupção. “Podia ter sido um ditador não corrupto, mas não foi. Não há volta a dar.” Ainda assim, também será recordado por, quando tomou posse em 1979, "ter colocado fim à vaga de repressão que se seguiu à independência de Angola”, ter libertado a maioria dos presos políticos e ter acabado com a pena de morte.
Emídio Fernando, diretor da Rádio Essencial, em Angola, antecipa vários problemas até que o funeral de José Eduardo Santos ocorra. Tchizé e Isabel dos Santos receiam que, se forem até Angola para as cerimónias fúnebres, acabem detidas. Alegadamente, há mandados de captura nesse sentido.
“Esta não é uma situação normal. Elas têm dito que são perseguidas”, diz à Renascença.
Marcelo: "Um protagonista decisivo"
Em Portugal, o Partido Comunista Português (PCP) anunciou ter enviado condolências ao MPLA, destacando a contribuição de José Eduardo dos Santos "para a conquista da paz pelo povo angolano e a reconstrução do país".
Marcelo Rebelo de Sousa disse que a morte de José Eduardo dos Santos representa o desaparecimento de um "protagonista decisivo" de Angola desde o final dos anos 70 até ser substítuido por João Lourenço, em 2017. Já o antigo Presidente português Cavaco Silva lembra um “artífice decisivo na construção da paz”.
A ex-embaixadora Ana Gomes considerou que José Eduardo dos Santos chegou a ser “uma promessa de transição para a democracia” em Angola, mas optou pelo “desenvolvimento de uma cleptocracia a favor de uma elite”.
“José Eduardo dos Santos chegou a ser uma promessa de transição para a democracia e tornar uma Angola mais desenvolvida e mais justa, mas essa promessa esboroou rapidamente”, disse à Lusa a ex-candidata à Presidência da República Portuguesa.
O ex-primeiro-ministro português Durão Barroso lembrou "com saudade" o antigo Presidente angolano, destacando "o patriota" e "o estadista" que ficará na História do seu país e de África.
"Recordo alguém de excecional inteligência, que foi capaz de garantir a unidade nacional angolana num contexto geopolítico extraordinariamente difícil, que ficará indelevelmente na História de Angola, de África e também das relações de Angola com Portugal", escreveu o ex-presidente da Comissão Europeia e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português, numa declaração enviada à agência Lusa.
O antigo ministro e líder do Banco BIC, Luís Mira Amaral, recordou o antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos como uma pessoa com um "comportamento bastante sereno e frio". Contactado pela Lusa, Mira Amaral respondeu que apenas esteve com José Eduardo dos Santos uma vez: "Apenas o cumprimentei uma vez, quando ele veio em visita oficial a Portugal, numa receção no Palácio da Ajuda [Lisboa] a convite do então Presidente da República, Cavaco Silva, (...), mas nunca conheci o senhor".
No entanto, o economista recordou a "longa duração" do mandato do antigo chefe de Estado angolano e reconheceu-lhe um "comportamento bastante sereno e frio".
Na leitura de António Martins da Cruz, José Eduardo dos Santos ganhou a guerra e, a seguir, ganhou a paz. São estas as duas marcas essenciais da longa presidência de José Eduardo dos Santos, com quem esteve dezenas de vezes, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro.
Em declarações à Renascença, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros considera, por outro lado, que a longa presença de Eduardo dos Santos no poder não fica ensombrada pela corrupção, porque diz: Angola tem que ser comparada com outros países africanos e não com a Dinamarca ou Suécia. É evidente que havia , para os nossos parâmetros, corrupção, mas "Angola tem que ser comparada com países africanos e não com países nórdicos".
Também o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Zacarias da Costa, realçou através de um comunicado a “grande perda para Angola e, também, para o mundo da língua portuguesa."
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