O ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande considerou esta quarta-feira que “algumas das irregularidades e ineficiências” detetadas nos apoios dados após os incêndios de junho de 2017 podem dever-se a “alguma ausência do Estado no território”.
“Essa carência no terreno de organismos do Estado pode, indiretamente, ter contribuído para que algumas coisas não tivessem corrido tão bem”, disse João Marques, na Assembleia da República, retirando a responsabilidade às populações e aos técnicos da câmara e de outras instituições.
Durante a audição presencial na comissão de inquérito à atuação do Governo no processo de atribuição de apoios na sequência dos incêndios de junho de 2017, João Marques disse que o facto de a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) ter estado “por algum tempo” no terreno, “não foi suficiente para conseguir evitar que acontecessem algumas dessas irregularidades”.
“A ausência do Estado no território pode ter contribuído para esses acontecimentos. O que eu tenho a certeza é de que essa responsabilidade não pode ser atribuída às pessoas”, disse o também deputado do grupo parlamentar do PSD, que foi presidente da autarquia durante quatro mandatos (entre 1997 e 2013).
Segundo João Marques, que ocupou o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande até fevereiro de 2018, as pessoas seguiram as orientações que lhes foram dadas.
“As orientações eram para declararem todos os prejuízos que tiveram e declararam desde o porco e a galinha, à instalação agrícola, à casa (principal), à casa de segunda habitação, à casa que era dos pais. Declararam tudo”, explicou, acrescentando que “competia a essas entidades fazer a avaliação para depois procederem à respetiva intervenção ou não”.
Neste âmbito, disse não entender o porquê de o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) ter saído do terreno.
“Se fez o levantamento das casas ardidas, porque é que não participou na decisão de quais é que deveriam ser apoiadas?”, questionou.
João Marques contou que a Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande recebeu donativos financeiros superiores a 200 mil euros – 134 mil euros dos quais de uma linha telefónica criada pela RTP – e que, tendo conhecimento da realidade, escolheu três casas para recuperar, nas freguesias de Pedrógão, Graça e Vila Facaia.
No entanto, “foi-lhe comunicado que não podia escolher e que teria que aguardar que a Câmara Municipal ou a CCDR lhe atribuíssem as obras a realizar”, o que aconteceu, acrescentou.
Segundo João Marques – que comprovou o que disse apresentando os respetivos ofícios – inicialmente a CCDR atribui-lhe três casas para reconstruir (no valor de 80 mil euros, 29 mil euros e 25 mil euros) e, “como o valor dos donativos era maior do que o valor que representavam estas três obras”, posteriormente a câmara atribuiu-lhe mais algumas pequenas obras.
O ex-provedor garantiu que “as obras foram todas publicitadas em editais afixados nos locais próprios” e enviados a todas as entidades.
“Divulgámos o mais possível para garantir transparência e clareza em todo este processo”, frisou.
O incêndio, que deflagrou em 17 de junho de 2017, em Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou depois a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.
O início do julgamento do processo sobre a reconstrução das casas de Pedrógão Grande que arderam no incêndio de 2017 foi adiado para dia 26 de outubro após pedido de prorrogação de prazo por parte da defesa.