De acordo com os economistas nós – consumidores – devemos ser frios, racionais que sempre sabemos o que comprar e aquilo que nos dá maior benefício económico. São os agentes económicos (famílias e empresas) egoístas, sem emoções, sem paixões ou impulsos. Richard Thaler, cujo livro “Comportamento Inadequado” foi lançado este ano em Portugal, é um dos pioneiros da economia comportamental.
Preguiçoso confesso, este professor da Universidade de Chicago Booth, nos Estados Unidos, apresenta uma concepção diferente dos modelos matemáticos da Economia: os agentes económicos nem sempre fazem escolhas racionais que optimizam o benefício. E para utilizar um a expressão da economia, esta entrevista é uma espécie de “spinoff” da rubrica “A Economia das Coisas”.
Porque temos um comportamento inadequado?
Nós comportamo-nos mal porque somos humanos. A culpa não é nossa. O problema não são os humanos, o problema é a ideia que os economistas têm dos seres humanos, que é irrealista. Diria idealista, mas a melhor palavra é uma concepção idealizada sobre pessoas que são realmente inteligentes, sem emoções sem problemas de autocontrolo. Eu não conheço ninguém assim. Todas as pessoas que conheço comportam-se de forma inadequada, ao contrário da concepção dos economistas.
Nem os economistas?
Não, nem mesmo os economistas.
Mas o Richard Thaler é um economista...
Eu sou do pior… [risos]
A sério?
Tal como a maior parte das pessoas, não faço tanto exercício físico como deveria, como mais do que devia, tomo decisões impulsivas...é isso que significa a expressão "ser humano".
Mas na faculdade aprendemos que os agentes económicos são racionais, egoístas e, até certo ponto, míopes. Os manuais de economias estão todos errados?
Míopes talvez não. A não ser que as taxas de juro estejam muito altas (é um tema demasiado obscuro para esta conversa). Mas os modelos que aprendemos na universidade são irrealistas e como resultado fazem más previsões. Por exemplo, os modelos nunca previram uma crise financeira como a de 2008. Nunca poderia existir. Porquê? Porque as pessoas não iriam fazer empréstimos que não conseguiriam pagar e ninguém emprestaria dinheiro a essas pessoas. Ou os veículos de securitização que as agências de “rating” nunca poderiam avaliar com triplo A. Tudo isso não poderia acontecer.
O que propõe é utilizar as fraquezas das pessoas para as ajudar a atingir objectivos. Isso não pode ser considerado antiético?
Quando alguém me pede para autografar o livro "Nudge" escrevo sempre "nudge for good" ("incentivar/impulsionar para o bem"). Porque as ferramentas podem ser usadas para o bem ou para o mal. Gosto de pensar que este processo é uma espécie de GPS. Eu tenho o pior sentido de orientação que pode haver. Se eu seguir uma aplicação como o Google Maps, normalmente chego ao destino que quero, a não ser que eu próprio insira a morada errada. Mas, eu não sou obrigado a seguir aquelas direcções. É essa a beleza do "empurrão": as pessoas podem sempre sair. De certa forma, pode ser utilizado de forma pouco ética. Há tempos, escrevi uma coluna de opinião no “New York Times” sobre algumas práticas comerciais que considero pouco éticas. Mas as pessoas têm estas práticas de "dar um empurrão" há muito tempo. Costumo dizer muitas vezes que a Eva "deu um empurrão" a Adão, portanto...
No seu livro descreve uma história que se passou na altura em que começou a leccionar na universidade...
Quando comecei a leccionar, fiz um exame e os estudantes acharam que era muito difícil. A média de notas foi de 72%, na verdade muito baixa. As notas estavam dentro do considerado normal, mas os alunos ficaram muito aborrecidos. Então, no exame seguinte subi a escala de notas para 137 pontos, em vez de 100. A média nesse exame foi ligeiramente mais baixa, cerca de 70%, mas, como a escala estava aumentada, a média apresentada na tabela entrou na casa dos 90%. Os alunos ficaram radiantes – gostaram mais das notas na casa dos 90. Passei de vilão a bom professor num abrir e fechar de olhos.
Mas não estava a iludir os alunos?
Na verdade, não! Disse-lhes claramente que a escala era de 137 pontos. E, nos anos seguintes, para garantir que ninguém me acusava de enganar, coloquei na página da disciplina que a avaliação seria feita com uma "escala de 0 a 137 pontos só com o objectivo de fazer os alunos felizes".
E eles ficavam felizes?
Sim!
E foi acusado de ser paternalista por alguns colegas seus?
Sim! Nós acabámos por encontrar uma expressão: "paternalismo libertário" que se assemelha a um oxímoro (palavras de sentido contrário). Parece contraditório, mas na realidade não é. Retomando o exemplo do GPS, não existe nenhuma regra que obrigue as pessoas a seguirem as instruções. A questão é: quer um GPS que o leve ao lugar errado? Ou que siga pelo caminho mais lento? O que significa ser paternalista? Significa ajudar as pessoas a alcançarem os seus objectivos e eu gosto quando o GPS me indica o percurso mais rápido. Não escolhe o percurso aleatoriamente – seria isso que me aconteceria se fosse eu a escolher o caminho a seguir.
Ajudou a criar a Behavioral Insight Team (BIT) no Reino Unido. E eles conseguiram alguns resultados bastante surpreendentes. A economia comportamental está mais focada em políticas públicas? Ou pode ser usada para quase tudo?
Julgo que pode ser usada para quase tudo. Muitas empresas estão a tentar aplicar estas ferramentas. Na realidade, este ano iniciei um novo curso na Universidade de Chicago Booth em que os alunos estão a trabalhar com seis empresas privadas e apenas uma é pública. Estão a estudar a organização dessas empresas e a tentar encontrar formas de as melhorar.
Isto leva-me à próxima pergunta: a vitória de Donald Trump pode ser explicada pela economia comportamental? Temos presentes os conceitos de "identificação", "utilidade" e "aversão à perda".
Acho que nada pode explicar Donald Trump. Julgo que Donald Trump revela as fraquezas de todas as ciências sociais. Internamente e para o resto do mundo é impensável que alguém vote nesta pessoa: não tem experiência e parece que apenas se propõe a "fazer coisas". É natural que as pessoas se sintam zangadas, mas se estamos zangados não vamos pegar num martelo e bater com ele na cabeça! Julgo que todas as ciências sociais, e não apenas a economia comportamental, vão ter de repensar sobre o que está a acontecer. O mesmo se aplica ao "Brexit"...
Estava precisamente a pensar no "Brexit". Afinal, não conhecemos as preferências dos votantes?
Nos dois casos os eleitores comportaram-se baseando-se nas emoções. E foi algo do género: "estou zangado e vou dizer não ao ‘status quo’ sem pensar bem nas alternativas que estão à minha disposição".
Para terminar. Como se define Richard Thaler?
[risos] O melhor é ir buscar a minha mulher! Não, não. É má ideia [risos]. O título do livro [“Comportamento Inadequado”] refere-se às pessoas que eu estudo e ao próprio autor.