A reabertura das fronteiras luso-espanholas, após três meses e meio de encerramento, devido à pandemia da Covid-19, é vista com grande expectativa por comerciantes da raia fronteiriça. E não é para menos. Habituados a uma relação de proximidade, comercial e afetiva muito intensa, viram-se afastados uns dos outros e a acumular prejuízos de que não sabem se vão recuperar.
“Este tempo sem espanhóis foi difícil. Estamos a sentir essa falta, porque parou tudo. Estamos numa fronteira, dependemos muito deles, porque são compradores cá em Portugal e estamos sem clientes”, conta à Renascença António Bessa, empresário do ramo imobiliário.
O empresário com dois estabelecimentos comerciais a poucos metros da fronteira de Vila Verde da Raia afirma que está ansioso pelo regresso dos clientes espanhóis e confessa que até vai “deitar uma lágrima, ao passarem os carros na estrada” e ao “ver as pessoas entrarem no estabelecimento”.
O encerramento da fronteira significou para António Bessa um prejuízo na ordem dos 50%. “Estamos a trabalhar 50% para Espanha e 50% para Portugal e esses 50% fazem-nos falta”, explica.
“Todo o mundo está esperando ansiosamente. A gente vai a um restaurante, a qualquer negócio que vá, toda a gente fala no país vizinho que está a fazer muita falta para ajudar o nosso país. São pessoas que compram e nós precisamos dessas pessoas”, diz.
À espera dos clientes espanhóis está também Cristina Borges, proprietária de um restaurante na avenida da Galiza, em Chaves, que viu as receitas reduzirem “drasticamente”. “Sentimos muito a falta dos espanhóis, aqui. São pessoas muito simpáticas, afáveis, a nível de clientes e a nível de tudo”, conta à Renascença.
Cristina aguarda, já nesta quarta-feira, a chegada de alguns galegos, porque “alguns já têm telefonado e estão ansiosos por saborear o bacalhau, o arroz de marisco ou a posta especial da casa”.
“Sem eles [os espanhóis], foi um prejuízo muito grande. Agora, só se trabalha praticamente com o prato do dia. Reduzimos metade das mesas e, depois, além disso, os gastos ainda são superiores por causa das medidas de segurança e de higiene”, desabafa.
A esperança da empresária reside agora na chegada dos vizinhos galegos e também na dos emigrantes, embora ressalte que “é preciso ter cuidado e algumas restrições para não deitar tudo a perder”.
Já o empresário João Osório, com um grande armazém na cidade de Chaves e uma empresa multifacetada com diversos produtos na área da hotelaria e restauração, do vestuário e da decoração, refere a “necessidade dos espanhóis, nomeadamente ao nível da restauração”.
“Eles vêm cá muito comer. Não vindo, a restauração fica particamente parada. Por essa situação, temos um bocado de quebra nas vendas, porque a restauração não tem necessidade de adquirir artigos. Estamos à espera que a restauração recupere para nós recuperarmos também”, conta.
“30% dos clientes deste estabelecimento são espanhóis e como não vieram a casa, fez-se menos 30%. Também estivemos fechados. De março até junho foi um bocado complicado. Não há receitas. Não há entrada de dinheiro”, assinala.
O empresário diz não ter “grande esperança com a vinda massiva dos espanhóis”, antevendo que “vão vir muito pausadamente, porque o vírus não desapareceu”. “As pessoas têm certas restrições em estarem-se a movimentar, não querem sair de casa. Vai ser difícil recuperar a confiança e a faturação”, vaticina.
“Estou à espera que regressem e vão regressar”
Do lado de Espanha, na localidade de Feces de Abaixo, os efeitos da reposição de fronteiras também se fizeram sentir com os galegos a falarem de “grandes prejuízos” e de “tempos nunca vistos”. É o caso de Juan Feijoó, do posto de abastecimento de combustíveis, e em que os clientes são maioritariamente portugueses.
“Foi uma quebra económica muito grande, porque 90% dos nossos clientes são portugueses, principalmente de Chaves e das aldeias vizinhas”, conta à Renascença, acrescentando que “durante este tempo, poucos foram os clientes, porque os muitos camiões que passavam não paravam para abastecer, porque abasteciam nas suas próprias bases”.
O empresário, que garante nove postos de trabalho, alguns a portugueses, acredita no regresso dos clientes habituais, os portugueses, e acena com “um produto de alta qualidade, porque os nossos combustíveis são todos com aditivo” e, por isso, confia “que as pessoas retomem o hábito de vir abastecer”.
Para António dos Santos, do Supermercado Tóni, “era inimaginável passar por uma situação como esta”. “A nível económico isto foi catastrófico, porque 95% do nosso negócio depende dos portugueses e como não vieram, estivemos completamente parados”, observa.
O empresário confessa-se “um otimista” e afirma querer “ver a coisa cada vez menos negra até que se normalize”. “Vai levar tempo, mas pouco a pouco esta união com Portugal vai dar frutos e vamos fazer de novo negócio”, acredita.
Também para Puri Regueiro, do Supermercado Coviram, a situação vivida em consequência das fronteiras fechadas “foi trágica”, na medida em que “cortou um fluxo muito importante de clientes” que ali se abasteciam de produtos alimentares e até de gás ou produtos para os animais.
“Estou à espera que regressem e vão regressar, porque vários têm ligado a dizer que vão vir e que já têm saudades”, conta à Renascença.
“Abertura importantíssima, mas com controlo fronteiriço”
O presidente da ACISAT – Associação Empresarial do Alto Tâmega afirma que, sendo a região do Alto Tâmega “uma região de fronteira”, que vive muito com vizinhos espanhóis e que “ocupam uma importante percentagem da economia local, esta paragem foi sofrível para a maior parte do pequeno comércio”.
“O setor da restauração e o setor do pequeno comércio viu a sua faturação descer mais de 70%, o que é preocupante”, adianta Vítor Pimentel, acrescentando que “ainda é mais preocupante, se não tivermos uma retoma rápida nestes próximos meses e se esta situação não estabilizar”.
O presidente da ACISAT considera que “a abertura das fronteiras é importantíssima, porque o pequeno comércio não se aguenta mais tempo com as fronteiras fechadas”, mas defende “um controlo fronteiriço”.
“Pelo menos, que haja um controlo da temperatura e alguns mecanismos de segurança para quem atravessa a fronteira para o lado de cá”, defende o dirigente associativo, argumentando que, sem regras, “podemos estar a estragar todo o trabalho feito até aqui e os dois ou três meses que as fronteiras ficaram fechadas vão acabar por não servir para absolutamente nada, a não ser para afundar a economia local”.
Vítor Pimentel realça que “é fundamental a abertura das fronteiras”, mas entende que “não se pode exigir só às instituições e só aos empresários medidas de segurança” e que “o próprio Estado tem que ter medidas de segurança, para garantir que as pessoas que atravessam a fronteira não vão por em risco todo o trabalho que está a ser feito do lado de cá”.
“Abrir a fronteira por si só, por muito que me agrade a ideia em termos económicos, preocupa-me em termos de futuro e em termos de saúde pública”, reitera Vítor Pimentel.
Para o presidente da ACISAT, “a prevenção continua a ser a palavra de ordem”, deixando elogios ao “comportamento excecional das pessoas que vivem e trabalham na região”, onde “há menos casos de Covid-19 por habitante”.
O empresário e dirigente associativo espera ainda “que algumas das medidas que são tomadas de ânimo leve pelo Poder Central não venham estragar o trabalho que localmente está a ser feito”.
“Nós precisamos das pessoas, queremos que as pessoas venham cá, porque nós precisamos delas e gostamos de receber bem, e temos uma série de ofertas de valor para o turismo e para quem nos visita. Agora, queremos que elas venham em segurança, que venham cá e se sintam seguras. E isso só se consegue, se garantirmos também que quem vem, não vem trazer nenhum problema, que vem também de forma segura”, conclui Vítor Pimentel.
O controlo das fronteiras terrestres com Espanha começou às 23 horas do dia 16 de março, em nove pontos de passagem autorizada, sendo um deles em Vila Verde da Raia, em Chaves.