A semana que agora terminou foi um autêntico pesadelo para Donald Trump. Não por ter acontecido algo inédito, dentro da “anormalidade” em que funciona o presidente americano.
Mas porque houve uma série de desaires que acentuaram o seu isolamento e desgaste político e pessoal.
Mesmo os amigos mais próximos admitem que a semana foi desastrosa e receiam que os desaires agravem a crónica instabilidade emocional do presidente e o levem a reagir de forma ainda mais imprevisível e a cometer ainda mais erros.
Para essa instabilidade muito irá contribuir a anunciada saída da Casa Branca da diretora de comunicações Hope Hicks. Uma colaboradora fiel, Hicks era das poucas pessoas em quem Trump confiava plenamente e que maior influência exercia sobre ele. Vai abrir um vazio na entourage de Trump que dificilmente será preenchido.
A saída foi anunciada depois de ter admitido numa comissão do Congresso que já tinha dito algumas “mentiras piedosas” ao presidente. A candura com que o terá admitido não é lisonjeira para Trump, retratado como alguém a quem é preciso esconder algumas coisas para evitar reações indesejáveis.
Com a sua saída, Trump confessou a amigos que havia cada vez menos gente na Casa Branca em quem podia confiar. Uma sensação que pode agravar-se a curto prazo com a eventual saída do genro e da filha.
Uma hipótese levantada com credibilidade agora que se soube que Jared Kushner, o genro, foi despromovido nas suas credenciais de acesso à informação. A decisão foi tomada pelo chefe de gabinete de Trump, John Kelly, e não foi contrariada (pelo menos até agora) pelo presidente. Kushner teve durante um ano acesso a informação ultra-secreta e agora passa a ter acesso apenas a informação secreta, o que o priva de muito conhecimento decisivo para contactos internacionais.
Mas o mais importante é que ela se baseia em informações altamente comprometedoras para Kushner. Os conflitos de interesse entre o seu império empresarial e a função de conselheiro do presidente abundam e terão estado na origem da despromoção.
Centenas de milhões em empréstimos
As suas empresas tiveram empréstimos de centenas de milhões de dólares depois de ele se ter encontrado com os respetivos presidentes na Casa Branca. A Apollo Global Management emprestou à Kushner Companies 184 milhões de dólares para refinanciar a hipoteca de um arranha-céus em Chicago. Um montante que é o triplo da média de empréstimos que a Apollo Global costuma fazer. E o Citigroup, um dos maiores bancos americanos, emprestou 325 milhões para financiar um complexo de escritórios em Brooklyn.
Em abril de 2017, o pai de Jared, que gere a companhia, tentou um empréstimo para um empreendimento na Quinta Avenida de Nova Iorque junto do ministro das Finanças do Qatar. Um mês depois, na ausência do empréstimo, Jared apoiou um bloqueio ao Qatar decidido pela Arábia Saudita e outros países da região e tentou sabotar as diligências do secretário de Estado, Rex Tillerson, para mediar o conflito entre aqueles países.
Já este ano, responsáveis do governo do Qatar em visita a Washington ponderaram narrar o que tinha acontecido ao procurador especial Robert Mueller, expondo o comportamento de Kushner no caso.
Também na primavera de 2017, pouco antes de uma visita a Israel, as empresas de Kushner receberam um investimento de 30 milhões de dólares proveniente do Menora Mivtachim, um dos maiores grupos financeiros israelitas. Jared tem na Casa Branca o dossier do conflito israelo-palestiniano.
Israel é precisamente um dos países cujos responsáveis têm discutido formas de aproveitar as fragilidades de Kushner para aumentar a sua influência na Casa Branca. Os outros são a China, o México e os Emiratos Árabes Unidos. Dirigentes destes quatro países foram escutados pelos serviços secretos americanos a definir estratégias próprias para tirar partido da inexperiência política e desconhecimento das questões internacionais por parte de Jared. Além da sua vulnerabilidade por via dos negócios, naturalmente.
O objetivo de cada um desses países é manipular o jovem conselheiro de modo a que ele se torne um defensor dos seus interesses junto do presidente e de outras instâncias de poder em Washington. Ou colocá-lo numa situação em que possam chantageá-lo.
Estas preocupações foram, obviamente, transmitidas pelo FBI ao chefe de gabinete, John Kelly, e ao conselheiro de segurança nacional, McMaster. E foi a sua ponderação que acabou por levar à despromoção de Kushner e poderá levar mesmo ao seu afastamento da Casa Branca. Isto sem esquecer que todas estas situações estão a ser objeto de investigação por parte do procurador especial Robert Mueller, cuja ação criminal tem um âmbito cada vez mais alargado.
A gravidade da situação apontaria para uma demissão imediata, mas Jared é genro de Trump, a sua saída implicaria a saída também de Ivanka, a filha do presidente, e isso é algo que desestabilizaria ainda mais o já instável Trump. No entanto, também na semana que findou o New York Times publicou um artigo em que dá conta de um eventual interesse de Trump em afastar o casal. O assunto terá sido discutido com o chefe de gabinete e o presidente terá dito a Kelly que tratasse de os afastar.
Aparentemente, não querendo assumir a decisão, Trump veria agora como uma vantagem desembaraçar-se de Ivanka e Jared, permitindo que eles se dediquem a tempo inteiro aos respetivos negócios. Alguns amigos estarão também a aconselhá-lo nesse sentido, dado o embaraço da situação e a inutilidade do casal na Casa Branca.
A projeção pública que já adquiriram será certamente uma mais-valia para os negócios e isso é, afinal, aquilo que os move. A atuação de Ivanka em relação a um negócio do grupo em Vancouver, no Canadá, suscitou agora suspeitas ao FBI, e o seu nível de acesso à informação pode também baixar, como o do marido. E as empresas de Kushner não estão em boa situação financeira, sobretudo devido a investimentos megalómanos que correram mal. A dívida global ronda 1,2 mil milhões de dólares.
Uma coisa é, porém, certa. Se Ivanka e Jared saírem, a juntar à saída anunciada de Hope Hicks, as pessoas em quem Trump confiará na Casa Branca serão cada vez menos e isso agravará a sua instabilidade.
Guerra comercial à vista
Mas as saídas podem não ficar por aqui. Várias fontes ouvidas pelos media americanos descrevem o ambiente na Casa Branca como o mais sombrio desde a tomada de posse e o descontentamento de responsáveis-chave tem aumentado. Estarão neste caso o conselheiro de segurança, McMaster, e o conselheiro económico, Gary Cohn.
A tensão entre McMaster e Trump já dura há algum tempo e há dias o presidente desautorizou-o publicamente a propósito da questão da Rússia, como noticiámos. Mas em relação a Gary Cohn, o anúncio das tarifas sobre as importações de aço e alumínio pode motivar a sua saída. O conselheiro económico, um antigo quadro da Goldman Sachs, sempre se opôs às ideias protecionistas de Trump e até agora tinha conseguido evitar que elas se concretizassem.
No entanto, na quinta-feira, no final de um encontro com responsáveis daquelas indústrias, Trump resolveu anunciar que iria mesmo avançar com as tarifas. O que provocou descontentamento e perplexidade nas hostes republicanas, com muitos congressistas a virem a público criticar a decisão presidencial.
Por tradição e doutrina, o Partido Republicano é pelo comércio livre e pela livre concorrência sem constrangimentos fiscais, além de que os seus responsáveis anteveem no anúncio de Trump o início de uma guerra comercial internacional que pode ter consequências desastrosas para a economia americana e para o mundo. Acresce que o país visado com as tarifas seria, em teoria, a China, que Trump acusou na campanha eleitoral de beneficiar da “ingenuidade” americana. Mas na prática o país mais afetado será o Canadá, que exporta mais aço para os EUA, e que já exigiu isenção da medida sob pena de retaliar fortemente.
Para alegadamente relançar as indústrias do aço e do alumínio, Trump vai pôr em risco inúmeras outras indústrias que empregam muito mais gente, como a indústria automóvel, aeronáutica, construção civil e todas as que usam aqueles dois produtos em abundância. O seu secretário do Comércio considerou os aumentos de preços que podem derivar das novas tarifas irrelevantes para o bolso dos americanos, mas a administração tem propagandeado o seu plano de cortes nos impostos como uma grande devolução de dinheiro à classe média. E nalguns casos isso significa uma poupança de 1,50 dólares por semana…
Trump garantiu não temer as guerras comerciais, até as considerou “boas” e “fáceis de ganhar”, mas não é essa a opinião da maioria dos republicanos, nem do seu conselheiro económico. Como o seu anúncio oficial está marcado para esta semana, ainda pode haver evolução no caso. Gary Cohn espera ainda demover o presidente, mas se tal não suceder pode bater com a porta.
Armas: tudo na mesma?
As mudanças de posição de Trump já são proverbiais, como sabemos. E a semana finda deu outro exemplo flagrante. Na quarta-feira, Trump reuniu com vários congressistas na Casa Branca e deixou as televisões filmar o encontro. Foi uma espécie de reality-show à sua moda em que quis mostrar ao povo americano que não receava o lobby das armas, a NRA (National Rifle Association), e até acusou alguns dos seus pares republicanos de estarem paralisados nas suas decisões pelo medo que tinham da associação.
Defendeu várias medidas de controlo das armas, incluindo melhorar o escrutínio de quem as compra, impedir a compra por quem tenha problemas mentais, subir a idade de acesso à compra de 18 para 21 anos, e acabar com os dispositivos que transformam uma arma semiautomática numa automática. Foi ao ponto de dizer que era favorável a que se confiscassem as armas a quem suscitar suspeitas e só depois se processe a pessoa em causa.
Afirmações que deixaram perplexos os republicanos que estavam na reunião e sorridentes os democratas que defendem tais medidas, exceto a última, vista como um atentado ao estado de direito. Mas mais perplexa ainda ficou a NRA, embora por pouco tempo. No dia seguinte, alguns dos seus dirigentes estiveram na Casa Branca e, no final, um deles twitou que o presidente era contra o controlo das armas e honrava os seus compromissos de respeitar a segunda emenda constitucional — a que garante o porte de armas aos civis. Trump corroborou o twit, dizendo que tinha sido um encontro “muito bom”.
Tudo como dantes afinal? Uma pergunta a que nem Trump saberá responder…