Adivinha-se uma longa maratona judicial e das seguradoras para cobrir os prejuízos causados pelo porta-contentores Ever Given, que durante uma semana bloqueou, por completo, a navegação no Canal do Suez.
O Ever Given foi finalmente libertado na segunda-feira, e a navegação retomada ao final do mesmo dia, mas de acordo com os cálculos divulgados, o prejuízo terá ultrapassado os 300 milhões por hora, durante seis dias. Quem vai pagar a fatura, é a grande questão agora.
Para o determinar, é preciso primeiro apurar as causas do acidente, mas será também determinante saber quem foi realmente prejudicado, e em que montante, para poder calcular a indemnização a que terá direito. Uma tarefa complicada pelo facto de o bloqueio ter deixado 400 navios à espera durante 6 longos dias, dos dois lados do canal.
Pedro D'Avillez, corretor de navios na empresa britânica Howe Robinson tem uma grande certeza: Estas dúvidas podem levar anos a responder.
“É um caso interessante e vai manter muitos advogados ocupados durante muitos anos, porque vai haver muitos pedidos e veremos quantos é que vão ser aceites".
A primeira equação a resolver é saber o que causou este acidente. Um erro humano, uma falha técnica ou terá sido a consequência - insistentemente apontada, mas rejeitada pelos especialistas - de uma tempestade de areia ou de uma rajada de vento mais forte? “A investigação para determinar os factos é a primeira coisa que vão fazer, e vai ser muito importante. Dentro da indústria temos muitas teorias, há pouca gente que acredita na explicação que se tem visto nos jornais e na televisão, de que foi uma rajada de vento ou uma tempestade de areia. A mim parece-me muito pouco provável que seja essa a explicação", diz o corretor Pedro d’Avillez.
De todas as causas possíveis, a que ganha mais força entre os especialistas é a de que o navio terá tido um problema mecânico na direção. “Há várias possibilidades. Uma das que circula e que parece ter mais probabilidade é que houve um problema mecânico com o navio, talvez com o sistema de direção do navio, e que isso tenha ocorrido centenas de metros, ou mais, antes do acidente. O navio teve um problema com a direção, não conseguiu entrar bem numa curva do canal, por consequência entrou na próxima curva ainda pior e foi dar depois ao encalhamento no lado do canal”.
Mas, se porventura, se chegar à conclusão de que o “Ever Given” encalhou devido a uma falha humana, aí também se levantam algumas incógnitas. É que durante a travessia do Canal do Suez há sempre um piloto do próprio canal que sobe abordo do navio para o guiar. É ele quem dá as instruções por conhecer todos os detalhes do trajeto, a largura e profundidade do canal, a cada momento, e também as curvas. Por isso, a haver falha humana, a culpa poderá ter sido do piloto, mas isso não iliba o comandante, diz Pedro d’Avillez.
“Há um piloto que está a bordo e que dá instruções para o navio seguir, mas o capitão do navio tem sempre a responsabilidade máxima. Se houve um erro da parte do piloto isso pode alterar a forma como a responsabilidade é repartida. Normalmente em casos de acidentes marítimos há uma divisão das responsabilidades e, portanto, a investigação vai ser um muito importante para saber se foi um erro humano, do piloto, ou se foi um problema mecânico.”
São, por isso, muitas as incógnitas para resolver, e particularmente complexas. Mas há uma outra dimensão deste acidente que não pode ser esquecida, e serve para memória futura, diz este especialista. Há cada vez mais navios gigantes, como este. São verdadeiras cidades navegantes que se multiplicaram na última década. O acidente no Canal do Suez serve de alerta.
Pedro d'Avillez diz que o sector não está preparado para dar uma resposta eficaz, caso aconteça um naufrágio de um porta-contentores com esta dimensão. “É uma coisa brutal. Tem uma capacidade de vinte mil contentores, tem 400 metros de comprimento e 60 de largura e há cada vez mais deste tipo de navios.”
“O que é que isto quer dizer? Que todos os dias estamos à espera que aconteça uma coisa deste género, e nunca tivemos, por enquanto, graças a Deus, um acidente em que um navio destes tenha afundado, mas parece-me lógico que vai acontecer e a indústria não está preparada para isso, em termos de seguros, em termos de recuperação de navios, de carga. Aliás, o acidente no Canal do Suez mostrou-nos isso. Durante bastante tempo ninguém sabia o que é que iam fazer para resolver aquilo”, conclui.