Santos Cabral, antigo diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), classifica de extrema gravidade a indicação de que antes ainda de terem começado as buscas, na Madeira, já estariam posicionados em pontos estratégicos diversos jornalistas do continente.
Em declarações à Renascença, o juiz conselheiro considera que as fugas de informação de matéria em segredo de justiça, além de serem "extremamente graves", configuram uma prática recorrente.
Como antigo diretor nacional da Polícia Judiciária, como interpreta esta aparente fuga de informação sobre diligências que estariam sob segredo de justiça? Aparentemente, quando os inspetores da PJ chegaram aos locais das buscas, na Madeira, já lá estavam jornalistas, e alguns deles terão viajado propositadamente do continente.
A confirmar-se que estavam no local jornalistas previamente avisados e com antecedência, para se deslocarem do continente à Madeira, acho que é de uma extrema gravidade. É a repetição de um quadro que ao longo dos anos nós temos assistido.
E constantemente, como diz. Basta pensarmos que no ano passado, por exemplo, a casa do Rui Rio, no Porto, foi alvo de buscas e quando lá chegaram os inspetores da PJ já estavam à porta diversas televisões.
Esta é uma situação que é recorrente. Tal como é recorrente o facto de os inquéritos que são levantados na sequência destas situações, normalmente, não vão a lado nenhum.
Mas não dão em nada porquê? Se há uma violação grosseira do segredo de justiça, como é que nunca dão em nada?
Porque os meios processuais... tem que haver aqui um equilíbrio, uma proporcionalidade, entre aquilo que eu pretendo atingir – que é um crime de violação do segredo de justiça - e os meios que estão ao meu dispor para perseguir esse crime.
Eu não posso utilizar meios pesados, como é o caso das escutas, e violar o direito à privacidade, inclusive os próprios direitos dos jornalistas para perseguir esta infração. Então o que é que eu posso fazer? Na minha perspetiva há uma forma muito mais simples. É punir os órgãos de comunicação que divulgam notícias relativas a factos que estão em segredo de justiça, porque acederam a eles indevidamente. Serem punidos patrimonialmente.
Mas os media perseguem o interesse público e, portanto, divulgam notícias consideram interesse público. Não será quem investiga – se há segredo de justiça - que deve respeitar esse sigilo?
Repare, aqui é o tal equilíbrio. Há um interesse do jornalista, o direito que o jornalista tem a investigar a verdade, mas por meios que são os corretos.
Até que ponto é que estas fugas de informação não são já um método habitual, quer da PJ quer do Ministério Público, para avançarem na investigação, colocando logo esses dados na praça pública, apesar de estarem sob segredo de justiça?
Eu não direi isso. Estamos a falar de entidades que têm centenas ou milhares de pessoas. O facto de haver, no meio dessas entidades, uma que realmente utiliza o posto que tem, ou a situação que tem, para fazer uma coisa que não deve, não deve responsabilizar a entidade.
O que é facto é que foi lançada, por um jornal, a notícia de que António Costa era suspeito de prevaricação justamente no dia em que começava o Congresso do PS. E agora, com estas buscas na Madeira que atingem claramente pessoas ligadas ao PSD, a notícia surge precisamente no dia em que Aliança Democrática apresenta o seu programa económico. Isto não lhe parecem demasiadas coincidências?
Não quero acreditar nisso. Se houvesse essa manipulação, em termos até políticos, seria a base da nossa democracia que estava em causa.