O antigo sócio fundador da sociedade de advogados José Miguel Júdice chamou esta terça-feira “ladrão” a Rui Pinto, denunciando a “violência moral e psicológica” do criador do ‘Football Leaks’ na 17.ª sessão do julgamento.
“Fui visitado por esse senhor, que só lhe posso chamar ladrão e que, com grande violência moral e psicológica, me veio furtar”, afirmou o antigo bastonário da Ordem dos Advogados, reiterando: “Não posso admitir em circunstância alguma que um cidadão, ainda que fosse com aparentes motivos nobres, faça o que foi feito comigo. É totalmente inadmissível do ponto de vista ético ou jurídico.”
Numa audição por videoconferência para o Tribunal Central Criminal de Lisboa, José Miguel Júdice salientou que o acesso aos documentos pessoais e profissionais, mesmo sem a posterior publicação online dessas informações, é como “uma espada” sobre a sua cabeça, considerando até “mais grave um ladrão que entrou no computador do que um ladrão que entra em casa”, pela impossibilidade de ter noção das informações que foram acedidas.
Por outro lado, o ex-advogado, que exerceu a profissão entre 1975 e 2019 e é agora comentador televisivo, garantiu “por sanidade mental” não ter ido à procura de informações pessoais que pudessem ter sido divulgadas na Internet.
Questionado ainda pelo advogado de defesa de Rui Pinto sobre essas informações, José Miguel Júdice começou por expor que Francisco Teixeira da Mota foi recentemente seu advogado num processo e que também não gostaria de ver expostas publicamente as conversas que tiveram e que estavam abrangidas pelo segredo profissional.
José Miguel Júdice descartou ainda qualquer ligação relevante ao mundo do futebol entre os seus ficheiros pessoais, ao assumir ter apenas representado “há muitos anos” o Benfica no mandato de Manuel Vilarinho, entre 2000 e 2003.
Já sobre o caso ‘Luanda Leaks’ - que expôs em janeiro de 2020 alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais -, o antigo sócio fundador da PLMJ reconheceu ter representado no passado “uma empresa que era detida, entre outras pessoas, por Isabel dos Santos”.
Outra das testemunhas ouvidas esta tarde foi a advogada Inês Pinto da Costa, igualmente do escritório PLMJ, que recusou responder a questões ligadas ao caso ‘Luanda Leaks’, cuja fonte é também Rui Pinto, escudando-se no sigilo profissional. Porém, foi mais expansiva nas respostas sobre o impacto pessoal de ver a sua caixa de correio eletrónica alegadamente acedida pelo criador do ‘Football Leaks’.
“Enquanto profissional é uma violação de todos os princípios e enquanto pessoa é pura e simples violação. É um sentimento muito difícil de ultrapassar saber que alguém entrou no nosso computador e que levou documentos pessoais e de terceiros, ainda que não haja publicação. Não significa que os documentos não tenham sido disponibilizados a terceiros. A partir do momento que são retirados, perde-se o controlo de quem a eles acede”, frisou.
Já Nuno Morais Sarmento, igualmente advogado da PLMJ, destacou por vídeoconferência a “sensação de devassa e de violação de privacidade” por ver a sua caixa de correio eletrónica ser alvo de intrusão e lembrou que tinha na sua posse informações não só abrangidas pelo segredo profissional, mas também sob segredo de Estado, aludindo ao caso do antigo espião Jorge Silva Carvalho.
“Surgiram e-mails publicados que tinham a ver com um cliente, Jorge Silva Carvalho, que estavam no meu computador e no computador do Dr. João Medeiros, não posso dizer se saíram do meu computador ou do dele. Era informação que, em parte, estava sujeita a segredo de Estado”, notou, refutando ainda quaisquer referências nos seus e-mails ou ficheiros à esfera do futebol ou eventualmente relacionados com o caso ‘Luanda Leaks’.
O julgamento prossegue na quarta-feira a partir das 14:00 com as audições dos advogados Miguel Reis, Diogo de Campos e Sandra Lopes e as secretárias Mónica Dias, Fátima Bulhosa, Ana Paula Bago e Isabel Mascarenhas, todos na condição de testemunhas e ligados à PLMJ.
Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.