Angola terminou esta segunda-feira a campanha para aquelas que se afiguram as eleições presidenciais mais renhidas dos últimos 30 anos no país. João Lourenço, atual Presidente, quer manter o MPLA no poder, mas tem em Adalberto Costa Júnior, o líder da UNITA, o maior rosto da oposição.
Há sondagens para todos os gostos na antevisão do ato eleitoral de quarta-feira: inquéritos de movimentos independentes dão a UNITA a vencer com maioria absoluta, enquanto a imprensa estatal angolana tem divulgado intenções de voto que apontam para a vitória do MPLA, sob acusações relativas à veracidade e legalidade dessas sondagens.
O soldado do MPLA que abriu guerra à família dos Santos
General na reserva, o cabeça-de-lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que governa Angola desde a independência, em 1975, posicionou-se na hierarquia do partido para suceder a José Eduardo dos Santos como chefe de Estado angolano nas últimas eleições, em 2017.
Nascido em 1954, no Lobito, província de Benguela, juntou-se à luta pela independência angolana no centro de recrutamento e operações do MPLA e, mais tarde, recebeu formação político-militar na então União Soviética, na Academia Político-Militar Vladimir Ilitch Lenine, entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 80, à semelhança de outro quadros do partido antes de si, como o próprio Zedu.
No regresso a Angola, em 1982, ganha preponderância dentro do MPLA na guerra civil contra a UNITA e participa em operações militares no centro no Cuanza Sul, no Huambo e no Bié, assumindo o comando da Região Militar Centro, no Huambo. No ano seguinte é eleito pela primeira vez para a Assembleia do Povo, a anterior designação da Assembleia Nacional angolana.
Em 1998 é nomeado secretário-geral do partido e coloca-se na fila da frente da sucessão a José Eduardo dos Santos, que deixou no ar uma possível saída do poder. No entanto, no congresso de 2003, quem acabou afastado foi João Lourenço, vendo-se rebaixado a uma das vice-presidências da Assembleia Nacional.
Depois de 11 anos afastado de cargos de relevo no partido e em Angola, é nomeado ministro da Defesa em abril de 2014, e dois anos depois consegue a eleição em congresso para a vice-presidência do MPLA, abrindo caminho à vitória nas presidenciais de 2017.
O primeiro mandato de João Lourenço - conhecido como "JLo" - ficou marcado pela luta anticorrupção contra a família de José Eduardo dos Santos, que culminou no arresto de bens pela Justiça angolana a Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente e mulher mais rica de África, por má gestão e desvio de fundos da Sonangol, a petrolífera estatal angolana, em dezembro de 2019.
Durante os cinco anos de presidência, João Lourenço deu ainda início a várias reformas, nomeadamente ao nível económico, desde a liberalização da moeda às privatizações, passando pela reorganização da banca angolana.
No entanto, a tensão criada à volta da família dos Santos levou a uma crispação dentro do MPLA, que só cresceu após a morte, no início de julho, de José Eduardo dos Santos. A esta situação junta-se uma oposição mais organizada que tem no carismático novo líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto Costa Júnior, o seu principal rosto.
Durante a campanha para as eleições de 24 de agosto, João Lourenço acusou o principal opositor de receber dinheiro do estrangeiro para defender uma “agenda encomendada”, chegando mesmo a chamá-lo de “boca de aluguer” que defende o “interesse de indivíduos que injetam dinheiro a partir de fora”.
Num discurso em Benguela, na semana passada, Lourenço disparou:
“Isso não é ser patriota, é defender os interesses de outros, esse político não defende os interesses de Angola e dos angolanos, está a defender uma agenda que lhe foi encomendada por forças externas. Ele é um mero executor para defender os interesses alheios dos angolanos, é uma boca de aluguer. E aqueles que alugaram a sua boca já estão derrotados."
O Presidente angolano acusou ainda Adalberto Costa Júnior de “incitar a população a desafiar as autoridades, para criar instabilidade e confusão”, sem nunca referir o seu nome.
“Beto”, o engenheiro “português” à frente da UNITA
O mais novo de oito irmãos, Costa Júnior deixou a casa dos pais aos 10 anos de idade para ser educado num seminário católico. Desses tempos, recorda o momento marcante em que conheceu Jonas Savimbi, o histórico fundador da UNITA: "Quando o dr. Savimbi visitou pela primeira vez o Huambo, ele visitou também algumas localidades e uma delas foi o seminário do Quipeio, onde eu estudava. Tive a oportunidade de conhecê-lo de perto, de conhecer [N'Zau] Puna, e de conhecer a direção da UNITA toda, que foi ao seminário”, lembrou numa entrevista à “Deutsche Welle”.
“Beto”, como era carinhosamente apelidado, entrou para a política por influência do pai, Adalberto Costa, militante da UNITA e preso por ter consigo um cartão de militante. O cunhado, pelo mesmo motivo, acabaria fuzilado após ser detido múltiplas vezes. Já Francisco Costa, o seu irmão mais velho, era na altura comandante da Polícia Militar da UNITA.
No liceu, a Escola Comercial e Industrial em Benguela, viu também de perto o fuzilamento de centenas de pessoas.
"Este episódio ficou-me gravado fortemente até aos dias de hoje e reforçou-me as opções políticas", escreveu na sua nota biográfica.
No final dos anos 70, parte para Portugal para prosseguir os estudos no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP). A intenção era a Engenharia Aeronáutica, para “pilotar aviões”, mas o destino levou-o até à Engenharia Eletrotécnica.
No Porto, organiza a vinda de Savimbi à cidade e pouco depois recebe a recompensa: o cargo de representante do partido em Portugal.
É em Lisboa, já depois de terminar o curso, que vê de longe as presidenciais de 1992, o primeiro ato eleitoral livre em Angola e que antecedeu o Massacre do Dia das Bruxas, onde vários dezenas de milhares de membros e apoiantes da UNITA foram mortos por forças do MPLA em poucos dias.
“A UNITA foi vítima, morreram pessoas da UNITA, instalações da UNITA foram destruídas. Se os planos existiam da UNITA, onde é que o MPLA apresenta vítimas? Onde é que o MPLA apresenta estragos? O que foi criado foi um cenário amplo, com a busca de uma cobertura internacional para se poder matar, para se poder silenciar a oposição. É exatamente isto que não é inaceitável e que a UNITA está a denunciar”, disse na altura à RTP, descrevendo o massacre como um “bárbaro ataque coletivo”.
Já na altura mostrava as qualidades que lhe são reconhecidas hoje: o verbo fácil e o discurso acutilante. Mestiço que não participou na luta armada em Angola, Adalberto Costa Júnior deita por terra as acusações do MPLA da alegada marginalização da UNITA à cor da pele.
Manteve-se representante do partido em Portugal até 1996, altura em que o seu passado católico o levou à missão de responsável pela estrutura juvenil da UNITA no Vaticano, até 2002, onde se formou em Ética Pública, na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma.
A juventude foi um obstáculo dentro do partido, tornando-se um defeito que o impediu de suceder a Jonas Savimbi, morto em fevereiro de 2002. Regressado a Angola no ano seguinte, passa a exercer o cargo de secretário provincial da UNITA em Luanda, mas, tal como João Lourenço no MPLA, teve de esperar anos até se tornar líder do partido, subindo degrau a degrau.
Entre 2009 e 2011 foi secretário Nacional para os Assuntos Patrimoniais da UNITA e entre 2012 e 2015 foi eleito primeiro vice-presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, passando a ser presidente dos deputados da UNITA entre 2015 e 2019.
É nesta altura que a sua notoriedade salta para o topo da hierarquia da UNITA através das análises e intervenções no Parlamento, na televisão e na rádio.
Mas a chegada ao topo do partido não foi fácil. Depois da vitória em congresso, o Tribunal Constitucional inviabilizou a sua primeira eleição, em 2019, devido à sua dupla nacionalidade. Para resolver o assunto, renunciou à nacionalidade portuguesa e obteve mais de 96% dos votos para se tornar o terceiro líder da UNITA.
Na campanha das presidenciais, "Beto" acusou o MPLA de uso de bens públicos ao serviço do partido na campanha: "É uma nódoa que fica", disse, considerando que esta campanha eleitoral tem exemplificado o cruzamento entre MPLA e Estado.
"Nós não utilizamos comícios artificiais, nós não transportamos gente das outras províncias a toda a hora para onde fazemos os atos. Nós temos tido enchentes dos nossos comícios com os municípios onde se fazem os atos."
Além dos dois principais partidos, estão ainda na corrida eleitoral a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), Partido de Renovação Social (PRS) e a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), a Aliança Patriótica Nacional (APN), o Partido Humanista de Angola (PHA) e o Partido Nacional para a Justiça em Angola (P-Njango), os dois últimos aprovados este ano pelo Tribunal Constitucional.
Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão habilitados a votar esta quarta-feira, 24 de agosto, naquela que será a quinta eleição da história de Angola. Os resultados oficiais são esperados nas duas semanas seguintes, até 8 de setembro.