“Não há palavras para descrever ou explicar como as pessoas de Beirute se estão a sentir. Não havia nenhuma razão específica para isto ter acontecido. Não havia nenhuma guerra direta em curso, não havia nada a acontecer no terreno. A situação nacional não era estável, mas era estável o suficiente para não termos de nos preocupar com uma explosão aleatória”.
O testemunho chega diretamente do centro de Beirute, no Líbano, recentemente atingida por duas explosões que devastaram as ruas da capital asiática. Farah Abou Harb regressou à cidade natal para passar o verão junto da família. Encontra-se a tirar um doutoramento em Ciência Política, na universidade de George Mason, em Virgínia, nos Estados Unidos.
Com apenas 25 anos, já experienciou uma guerra civil, em 2006, quando confrontos desencadearam entre o Líbano e Israel. Recorda-se bem do medo que sentiu naquela altura, mas diz que nunca viveu nada como o choque inesperado das recentes explosões que deixaram dezenas de mortos e milhares de feridos em Beirute, na última terça-feira.
“Se comparar as imagens dos destroços de agora com imagens da guerra civil libanesa, dá para ver as similaridades, dá para ver as mesmas imagens devastadoras. Não são só alguns edifícios que caíram, ou alguns vidros estilhaçados, são prédios inteiros que desmoronaram completamente, monumentos históricos completamente destruídos, negócios de pessoas arrasados”, descreve a jovem em entrevista à Renascença.
"Não tenho mais nada que me prenda aqui"
Por causa da pandemia da Covid-19 que está a atingir o mundo, as aulas do próximo semestre de Farah iriam ser dadas online. A libanesa planeava ficar no país por mais alguns meses, junto da mãe e do irmão. No entanto, assim que o acidente explosivo no armazém do porto de Beirute aconteceu, mudou de ideias.
“Assim que o acidente aconteceu, tive a minha resposta. Não tenho mais nada que me prenda aqui. A minha família inteira quer sair daqui. Toda a gente que conheço, sem exceção, quer sair. Reservei o meu bilhete ontem, regresso aos Estados Unidos no dia 25 de agosto. Isto era a confirmação de que as pessoas precisavam”.
A instabilidade política, social e financeira é uma realidade que acompanha os libaneses há várias décadas. Para muitos, as explosões devastadoras desta semana significam a perda do resto da esperança que tinham no país.
“Não confiamos as nossas almas, as nossas vidas, o nosso sistema de saúde e o nosso dinheiro ao Governo. Depois disto, definitivamente, não confiamos nos políticos libaneses”, exprime a jovem libanesa, que acredita que a instabilidade política vai piorar ainda mais a partir de agora.
“Os libaneses têm vindo a pedir, desde a revolução de 17 de outubro de 2019, para que todos os políticos saiam de cena. Agora, querem que todo o sistema político seja deitado abaixo. Querem uma agência independente. Já não temos confiança no governo, já não temos confiança nos políticos e já não acreditamos que qualquer apoio de fora que chegue ao Líbano, vai para as pessoas. As organizações estão a pedir aos dadores que enviem o dinheiro, ou o que quer que estejam a doar, diretamente para as organizações, diretamente para as pessoas, e não para o governo”.
"Pensei que ia morrer sozinha"
No momento das explosões, Farah estava com amigos na sua casa, a 10 minutos de carro do porto de Beirute. Depois de uma agitação ligeira inicial, a libanesa desconfiou que se tratava de um terramoto.
“Os meus amigos pararam de falar, começaram a perguntar se aquilo era um terramoto, mas nem tiveram tempo de terminar a pergunta porque, de repente, o prédio inteiro abanou de forma muito agressiva”, descreve.
“No momento em que vi o prédio a abanar daquela maneira, pensei imediatamente que ia morrer. Só pensava que a minha mãe e o meu irmão não estavam em casa. Pensei que ia morrer sozinha, longe das duas pessoas mais importantes na minha vida”.
Farah descreve um cenário de devastação imediata, que nunca irá esquecer. “Vivemos num oitavo andar e todos os prédios à nossa volta têm janelas enormes, partiu tudo. Ligamos a televisão e fomos aos nossos telemóveis e começamos a receber informação de que o antigo primeiro-ministro tinha sido o alvo. Ele estava numa reunião, em casa, com outros políticos. Mas depois, o próprio publicou nas redes sociais que estava bem e que aquilo não era verdade”.
“A especulação começou a crescer. À medida que as coisas acalmaram, voltamos a aproximar-nos das janelas e vimos uma enorme nuvem rosa e laranja a cobrir os céus de Beirute”.
Por causa das toxinas perigosas que agora circulam no ar da capital do Líbano, emitidas pelas explosões da última terça-feira, Farah levou o irmão e a mãe para a casa de um amigo, numa aldeia a duas horas da cidade. “Esperamos conseguir voltar daqui a um dia ou dois, para ajudarmos as pessoas a limparem as ruas e a arranjarem as suas casas”.
Segundo a estudante de ciência política, o povo libanês sempre foi descrito como resiliente. “Acho que a resiliência é algo que é atribuído a pessoas que vivem guerras e situações políticas instáveis, mas questiono-me se os libaneses são de facto resilientes. Isso é algo a perguntar a quem decidir ficar no país depois de tudo isto”.