Os trabalhos do sínodo sobre a família prosseguiram esta segunda-feira, mas dentro e fora da sala onde se reúnem os bispos as atenções centraram-se numa carta, alegadamente enviada ao Papa por um grupo de 13 cardeais conservadores. E o termo “alegadamente” é chave.
Foi de manhã que o conhecido vaticanista Sandro Magister divulgou o conteúdo da carta e a lista dos supostos signatários. Os cardeais manifestavam ao Papa a sua preocupação com a forma como o sínodo está a ser conduzido, chamando atenção para o facto de a comissão redactora do documento final não ter sido eleita mas sim nomeada, com supostos liberais a exercer uma influência desmedida.
A carta critica ainda o "instrumentum laboris", o documento que serve de base para os trabalhos, dizendo que é fraco e que o método de trabalho, com mais enfoque nos pequenos grupos e menos tempo de reunião plenária, é um obstáculo ao seu aperfeiçoamento. Por fim, a carta diz que parece que tudo está a ser feito para levar à adopção de mudanças no que diz respeito ao ensinamento da Igreja sobre casados e recasados ou uniões homossexuais, avisando que caso isso aconteça Roma estará a seguir o exemplo de Igrejas protestantes que “colapsaram” no presente século precisamente por se terem afastado da tradição cristã.
Segundo o jornalista italiano, esta carta foi enviada ao Papa logo no dia 5 de Outubro e terá sido em resposta a ela que o Papa fez uma intervenção não planeada nos trabalhos, defendendo o método e pedindo aos bispos para não entrarem por teorias da conspiração.
A notícia foi um dos temas mais abordados durante a conferência de imprensa diária que decorreu no Vaticano, que esta segunda-feira não contou com a presença de bispos, mas sim de dois dos casais que participam no sínodo como auditores.
Em resposta às perguntas dos jornalistas, o director da Sala de Imprensa, padre Federico Lombardi, não negou, nem confirmou, a existência da carta.
“Não posso verificar se corresponde ou não à realidade. Se é um documento dirigido ao Papa, deveria ser o Papa a dizer se recebeu ou não o documento. Eu só respondo com base no facto de alguns cardeais, interrogados sobre a carta, terem dito que não a assinaram. E esta é uma coisa clara e concreta.”
Mas a situação tornou-se mais confusa ao longo do dia, com pelo menos quatro cardeais a dizer que não só não tinham assinado a carta como não a conheciam. Depois veio o cardeal George Pell, listado como o primeiro signatário, que admitiu a existência de uma carta, mas disse que na versão transcrita por Magister havia erros não só de conteúdo como na lista de cardeais que assinaram. Entretanto, outro dos cardeais cujo nome aparecia associado à carta veio afirmar que assinou de facto uma carta para o Papa, mas não aquela.
Um sínodo dos média?
Com esta sucessão de notícias e de informação e contra-informação, não é de admirar que a imprensa, que está vedada dos trabalhos do sínodo, transmita uma imagem de divisão e conflito, mas, segundo o professor brasileiro Pedro de Rezende, que com a sua mulher Ketty participa como auditor no sínodo, tal não corresponde à verdade.
“Fiquei muito surpreendido ao ver o que a imprensa tem publicado. É surpreendente no sentido em que muitas e muitas vezes não corresponde ao que assistimos lá dentro. Há notícias que parecem sugerir que os padres sinodais estão lá dentro a discutir. Mas nós temos o instrumento de trabalho e o conteúdo desse documento é o que está a ser tratado pelos padres sinodais com ajuda do Espírito Santo. Por isso, fiquei surpreendido ao ver que o que se diz não tem sido lá muito fiel”, afirmou.
Enquanto a imprensa tem sublinhado as questões da doutrina, diz Pedro de Rezende, isso não é o que preocupa os padres sinodais: “Primeiro que tudo, temos de perceber que o objectivo deste sínodo é apresentar ao Papa propostas sobre questões pastorais. Por isso, não tem havido discussão significativa sobre questões de doutrina. A doutrina não está em causa, mas sim as atitudes pastorais que estão a ser avaliadas, considerando os actuais problemas na sociedade de hoje que precisam de uma nova abordagem.“
“Por isso, o essencial está nos conselhos a dar ao Papa sobre eventuais mudanças pastorais que possam vir a ser necessárias”, diz.
Juntamente com os Rezende, compareceu na conferência de imprensa um casal indiano. Ambos concordaram que é unânime a necessidade de uma preparação mais vasta antes do matrimónio e um acompanhamento posterior, nas diferentes etapas da vida em comum, por forma a evitar precisamente as rupturas nos casamentos.