Portugal "no fim de uma fase pandémica" e cenários para o futuro. Conclusões da reunião do Infarmed
16-09-2021 - 14:45
 • Renascença

Peritos analisaram o estado da pandemia em Portugal e o possível alívio de restrições, numa reunião com responsáveis políticos. Em cada 15 doentes com Covid-19 em cuidados intensivos, 14 não tinham esquema vacinal completo, disse Pedro Pinto Leite, da Direção-Geral da Saúde.

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A evolução da pandemia de Covid-19 e um possível alívio das restrições estiveram em análise na reunião desta quinta-feira, com especialistas e responsáveis políticos, que começou pelas 15h00 na sede do Infarmed, em Lisboa.

Numa altura em que Portugal está próximo de atingir a meta de 85% da população vacinada contra a Covid-19, poderá estar em cima da mesa uma alteração das medidas de controlo da pandemia.

A reunião marcada para esta tarde aconteceu num contexto que o Presidente da República classifica como a “melhor situação epidemiológica do último ano e meio”. Mas o secretário de Estado adjunto e da Saúde avisou, no entanto, que algumas medidas terão de manter-se.

"Encontramo-nos claramente no fim de uma fase pandémica"

A primeira intervenção dos especialistas foi de Pedro Pinto Leite, novo diretor de Serviços de Informação e Análise da Direção-Geral da Saúde (DGS), que explicou a situação epidemiológica no país.

O especialista começou por explicar que, atualmente, o país tem "195 casos por 100 mil habitantes, numa tendência decrescente, com uma variação relativamente ao período homólogo de 26%".

"Encontramo-nos claramente no fim de uma fase pandémica", afirmou o especialista, que acrescentou que a diminuição da incidência é universal a todas as regiões do país. Já ao nível do concelho, "não temos nenhum concelho com uma incidência acima 960 casos por 100 mil habitantes", e apenas 12 concelhos "encontram-se com uma incidência de 240 casos por 100 mil habitantes". Estes concelhos correspondem a 300 mil habitantes, cerca de 3% da população.

Quanto aos grupos etários, Pedro Pinto Leite destacou que a tendência decrescente da incidência releva-se em todos os grupos "exceto até aos nove anos onde ela é estável a decrescente". "Queria salientar aqui a grande descida que ocorreu nos grupos etários dos 10 aos 19 anos e dos 20 aos 29 anos para valores inferiors a 240 casos por 100 mil habitantes", disse, vincando o especialista que este dado é relevante numa altura em que o ano letivo arranca esta semana.

Além disso, o país mantém "a mesma intensidade de testagem", e "estamos a ter menos vírus em circulação e menos casos confirmados". A taxa de positividade é atualmente de 2,5% dos casos, bem abaixo do limiar dos 4% definido pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças. Quanto aos internamentos, há um decréscimo de 15% em relação à semana anterior, "tanto nos internamentos totais como nos internamentos em unidades de cuidados intensivos". Falando de um "fenómeno interessante", Pedro Pinto Leite destaca do impacto da variante Delta nos internamentos em julho e agosto, e menciona que os internamentos nos grupos etários mais velhos não têm caído ao mesmo ritmo dos restantes grupos.

Finalmente, Pedro Pinto Leite salienta que "esta situação favorável tem uma grande ligação ao sucesso que é a vacinação e às elevadas coberturas vacinais que o país apresenta", especialmente nos jovens - e o epidemiologista afirmou que 14 em cada 15 pessoas nos cuidados intensivos não têm o esquema vacinal completo -, declarando a vacinação "um sucesso" que ajudou a travar a pandemia. No entanto, o inverno "traz desafios" devido às baixas temperaturas e outros vírus em circulação.

País deve reduzir para 60 casos por 100 mil habitantes entre duas semanas a um mês

Depois de Pedro Pinto Leite, seguiu-se Baltazar Nunes, do Instituto Dr. Ricardo Jorge, que destaca a redução do índice de transmissibilidade (Rt) em Portugal.

"Os resultados mostram redução muito acentuada, estando atualmente em 0,84. É preciso considerar que nunca tivemos com valor tão baixo com medidas de restrição tão aliviadas. É uma nota muito importante", começa por dizer.

A previsão é que entre duas semanas a um mês, praticamente todo o país tenha incidência "inferior a 60 casos por 100 mil habitantes, exceto o Algarve, que vai demorar mais".

No panorama europeu, o especialista destaca a relação entre a percentagem de vacinação da população e o índice de transmissibilidade: "Mostra que a cobertura vacinal tem uma relação com a reprodução efetiva do vírus. Os países com maior cobertura vacinal, têm o Rt inferior a 1, enquanto que os países com menor vacinação têm o Rt superior a 1".

Ainda sobre a vacinação e a efetividade das mesmas ao longo do tempo, Baltazar Nunes cita um estudo inglês com "informação em evolução e ainda sem revisão de pares", que sugerem "a redução da efetividade da vacina contra a infeção sintomática para 40% a 60% após quatro a cinco meses do esquema completo".

A redução da efetividade da vacina é "mais acentuado ainda na população idosa e com co-morbilidades", revela o especialista ao citar o mesmo estudo.

Para além disso, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge traçou ainda três cenários para o Outono e Inverno. Baltazar Nunes reforça que são "cenários de simulação com base em pressupostos que não estão verificados, não são previsões".

O cenário 1 contempla que a proteção vacinal continua elevada durante a altura das festividades, como o Natal e Ano Novo, e que, por isso, não haverá uma grande perturbação nos serviços de saúde e isso não se traduzirá num aumento descontrolado de óbitos, internados e internados em cuidados intensivos.

No entanto, o especialista descreve os cenários 2 e 3, que contemplam uma perda acentuada da efetividade vacinal e que poderá "dar problemas na altura de dezembro e janeiro".

Vacinação para maiores de cinco anos?

Até ao final do ano poderão ser feitos pedidos de aprovação de vacinas para a Covid-19 para crianças a partir dos cinco anos, disse esta quinta-feira Fátima Ventura, da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed).

“Ainda não foi submetida [ao regulador europeu] extensões de indicação abaixo dos 12 anos, mas prevê-se que, até final do ano, seja submetida uma extensão acima dos cinco anos”, adiantou a Fátima Ventura.

Pfizer, Moderna e AstraZeneca estão a trabalhar num fármaco para os mais novos, segundo a especialista.

Fátima Ventura começou por dizer na sua intervenção que há, atualmente, 30 vacinas em fase 3 e oito em fase quatro, “vacinas que já foram aprovadas e investigação continuam”.

Seis vacinas contra a Covid-19 foram contratualizadas até agora através da União Europeia. Há dois novos contratos em discussão, sublinhou.

Os contratos preveem o fornecimento de vacinas adaptadas às variantes que forem surgindo, adiantou Fátima Ventura.

Variante Delta dominou no país e no mundo

Sobre as variantes do SARS-CoV-2 em território nacional, o investigador em Biologia Molecular e responsável da Unidade de Investigação e Desenvolvimento do Departamento de Doenças Infeciosas do INSA, João Paulo Gomes, vinca que foram sequenciados 16 mil genomas do vírus, testes esses que ajudam a pintar a real propagação das variantes.

É notória a evolução das variantes Alpha, até maio, e Delta, a partir de meados de maio, que “dominou completamente” em todo o país. “Nas últimas oito semanas, tivemos mais de 98% das infeções representadas por esta variante genética”, informou o especialista.

As variantes Beta (originária da África do Sul), Gamma (Brasil), Lambda (Peru e Chile), e Mu (que surgiu na Colômbia e causou algum alvoroço recentemente), não são detetadas há algum tempo, algumas há meses, apesar de alguma transmissão comunitária da Mu e à exceção de um caso da Gamma na região de Lisboa e Vale do Tejo após três semanas sem deteção.

A Delta é mesmo a variante dominante no mundo inteiro, sendo a variante prevalente em 95% dos vírus sequenciados pelos laboratórios internacionais.

Procurando explicar como surgem as variantes, João Paulo Gomes esclareceu que as variantes nascem depois do vírus se multiplicar, podendo facilitar a entrada nas células e permitir a fuga do vírus aos anticorpos, e como estas variantes podem impactar a imunidade.

Para o futuro, João Paulo Gomes enalteceu que os países com baixa percentagem de população vacinada terão taxas de incidência, mais vírus em circulação, e maior probabilidade de surgirem mais variantes. Alias, o especialista disse que era “esperado o aparecimento de novas variantes” nestes países.

Já Portugal, que tem uma elevada taxa de vacinação, oferece menos condições ao crescimento e surgimento de novas variantes.

Testagem e testes serológicos aumentaram

O especialista do ISPUP reforçou a importância da testagem para permitir "reconhecer a infeção, o material genético do vírus e os sinais da resposta imunitário". Henrique Barros contextualiza o cenário da testagem no país.

"Este ano mexemo-nos muito mais do que no ano passado, a circunstância do risco de transmissão não é o mesmo, por isso também fizemos muitos mais testes do que no período semelhante no ano anterior", diz.

Os estudos serológicos revelam que é menor a diferença entre o número de pessoas com anticorpos e o número de pessoas que testaram positivo à Covid-19, revelando que, no ano passado, a linha "que descrevia os casos era muito mais baixa do que a real incidência", o que não acontece agora.

"Nesta altura, para cada caso e meio de pessoa com evidência de contacto com o vírus, pelo menos uma foi diagnosticada com a infeção, quando o rácio já esteve de 10 pessoas com indícios para um diagnóstico", atira.

Henrique Barros salienta ainda a importância dos testes antigénio. O especialista diz que a facilidade do acesso a estes testes permitiu o aumento do número de testes a partir de fevereiro.

O especialista explica que é necessário "inquéritos serológicos extensos, representativos e continuados, vigiar o declínio da imunidade e explicar as situações clínicas de faslsos-positivos e falsos-negativos". Henrique Barros diz que os testes antigénio são "a escolha ideal" para identificar pessoas com alta probabilidade de transmitir a infeção.

Saúde mental. Jovens sofrem mais com a pandemia

Os mais novos apresentam piores valores de saúde mental em comparação com as pessoas mais velhas, nomeadamente no que diz respeito a estados de ansiedade, disse Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.

“Os mais novos, neste momento, desde maio que se destacam das outras classes etárias. Enquanto até agora tinham um padrão crescente e decrescente, neste momento têm uma tendência claramente crescente e desfasada das outras faixas etárias”.

Certificado digital "reservado a circunstâncias de risco"

Olhando para o futuro, com a pandemia em tendência decrescente, a especialista Raquel Duarte, médica pneumologista e especialista da Administração Regional de Saúde do Norte, alertou para o facto de Portugal ter uma das populações mais envelhecidas do mundo e para a exposição que o país corre por ser um destino turístico e laboral.

O plano apresentado pela especialista passa por uma "fase transitória, em que passamos da obrigatoriedade das medidas para responsabilização individual e organizacional". "Esta transição deve ser faseada, apoiada na monitorização dos indicadores e em comunicação permanente”, e está preparado "um novo agravamento das medidas e dos indicadores".

Como tal, a especialista recomenda que se continue a apostar na vacinação e se antecipe “a eventual necessidade de um reforço massivo da vacinação”, através de um plano amplo e que não dependa apenas dos cuidados de saúde primários. Além disso, é fundamental continuar a testar e a rastrear casos, especialmente nas populações de maior risco, para implementar rapidamente medidas de saúde pública, assim como as variantes.

Recomenda-se também que se continue a apresentar o certificado digital, mas esse uso “deve ficar reservado a circunstâncias de maior risco”, que justifiquem o acréscimo de multicamadas protetoras, como lares de idosos e controlo de variantes – e pede-se que o certificado se mantenha gratuito.

Sobre o controlo de fronteiras, Raquel Duarte recomenda que se tomem “iniciativas de rastreio aos viajantes e populações móveis sazonais nas fronteiras” e vinca que se vacinem os migrantes que permaneçam em Portugal durante um período longo.

Raquel Duarte mencionou a terceira dose da vacina contra a Covid-19, recomendando que “os idosos são um grupo prioritário” para o reforço vacinal.

Gouveia e Melo. Imunidade de grupo aos 85%

O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo anunciou que Portugal atingiu os 81,5% de vacinação completa contra a Covid-19.

"Atingimos os 86% de primeiras doses, 81,5% de vacinação completa. Na minha perceção, a primeira batalha está ganha. Com inteligência e cuidado temos de continuar. A guerra não acabou, mas a primeira batalha está ganha", começou por dizer.

A expectativa é de atingir os 85% de vacinação completa no final de setembro. Estão por vacinar cerca de 377 mil pessoas, cerca de 150 mil são recuperados ainda não elegíveis para serem vacinados. Dos cidadãos estrangeiros, que são cerca de 614 mil pessoas, já 437 mil estão vacinadas.

Gouveia e Melo referiu ainda que é possível ser atingida a imunidade de grupo em breve: "Vamos ter proteção de grupo e eventualmente imunidade de grupo, se atingirmos os 85% ou 86% de vacinação completa".

[atualizado às 18h05]