Morreu esta quarta-feira, aos 74 anos, a cantora Linda de Suza, avança a agência AFP, citando o agente da cantora.
"É com muita dor que eu e o seu filho, João Lança, informamos que a Linda de Suza morreu esta manhã, às 10h00", lê-se no comunicado assinado por Fabien Lecoeuvre e citado pela agência de notícias francesa.
De acordo com o jornal francês "Le Figaro", Linda de Suza morreu no hospital de Gisors, a 50 quilómetros a norte de Paris, após ter dado entrada, esta manhã, nas urgências com Covid-19.
O Presidente da República lamentou, esta quarta-feira, a morte da cantora Linda de Suza, considerando-a “uma figura a vários títulos emblemática”.
Numa nota, publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que Teolinda de Sousa Lança, “nascida em 1948, de condição modesta, procurou melhor sorte noutras paragens, acompanhando uma das maiores vagas migratórias portuguesas”.
“Em França, a que chegou, já mãe, em 1970, tornar-se-ia ‘a portuguesa’ por excelência, dado o seu sucesso como cantora a partir do final da década de 70, que lhe proporcionou discos de ouro e platina e concertos no Olympia”, lê-se na nota.
O Presidente destacou ainda que Linda de Suza “ao longo dos anos, manteria sempre explícitas, nos muitos álbuns e singles que gravou, as referências ao seu país de origem e à sua odisseia pessoal, simbolizadas na expressão 'mala de cartão' (a única bagagem que levou consigo), título que usaria para um livro autobiográfico, depois adaptado para uma série televisiva”.
“Linda de Suza fica na nossa memória como exemplo de determinação e de fidelidade. Foi um ícone francês da imigração portuguesa e, portanto, um ícone de Portugal”, lê-se na nota do Presidente, que apresenta ao filho e netos “sentidas condolências”.
A artista, cujo nome era Teolinda Joaquina de Sousa Lança, nasceu em Beringel, Beja, e ficou conhecida por vários êxitos musicais, entre os quais “Mala de Cartão”.
A cantora estreou-se no restaurante Chez Loisette, em Saint-Ouen, a cerca de 6,5 quilómetros a norte de Paris, onde foi descoberta pelo compositor André Pascal (1932-2001) que a apresentou, posteriormente, ao compositor Alex Alstone (1903-1982).
A etapa seguinte foi a apresentação da cantora na televisão, no programa “Rendez-Vous du Dimanche”, de Michel Drucker, onde interpretou a canção “Un Portugais” (Vine Buggy/Alex Alstone), cujas vendas do ‘single’ atingiram o Disco de Platina em França em 1979.
A cantora assinara, entretanto, contrato com a discográfica Carrere, depois de recusada pela Barclay, e estava lançado o mote da sua carreira com “Um Português (Mala de Cartão)”, na qual cantou os lamentos da saudade de quem deixou o país, seguindo-se o ‘single’ “Uma moça chorava”.
Linda de Suza tornou-se a cantora da comunidade emigrante portuguesa, cantando as suas dificuldades e saudades do país distante, em temas como “J'ai deux pays pour un seul coeur” ou “La Symphonie du Portugal”. No seu repertório incluiu temas do cancioneiro popular, nomeadamente “Lírio Roxo” e “Malhão, Malhão”, e gravou “Coimbra/Avril au Portugal”.
Atuou em Portugal, em 1979, e continuou a bater recordes de vendas na década de 1980, publicando o álbum “Amália/Lisboa” e ‘singles’ como “Canta Português”, “L'Etrangère” ou “Comme Vous".
A sua história foi adaptada à televisão, numa minissérie intitulada “Mala de Cartão” (1988), protagonizada por Irene Papas (1919-2021).
Na década de 1990, Linda de Suza deu ainda voz a sucessos como "Simplement vivre", "Tu seras mon père", "Pars sans un adieu" e "Tiroli, Tirola".
Do seu repertório fazem parte “Holà! La Vie”, de sua autoria com música de Jean Schmitt, “La Tristesse ne fait de bien à personne”, de sua autoria com música de Vine Buggy, “Rien n'arrête le bonheur”, “Mulher, ó Mulher”, “No olhar do homen que nos ama”, “Les oeillets rouges”, “C'est toi que j'attendais”, “Orfeu Negro”, “Maria Dolores”, “Canta Shimilimila” ou “Nasci para cantar”
A cantora passou por vários contratempos pessoais, que tiveram eco na imprensa: em 2010, tornou públicas as suas dificuldades financeiras e acusou o companheiro de lhe roubar a identidade; na época, afirmou que vivia com cerca de 400 euros mensais, todavia, Linda de Suza voltou aos palcos e, entre 2014 e 2017, realizou várias digressões.
Em 2020, apresentou um novo projeto, “Postais de Portugal”, com qual preparava uma nova digressão que a pandemia de Covid-19 obrigou a cancelar.
"O rosto visível" da imigração portuguesa em França
Para o investigador Vítor Pereira, a cantora portuguesa Linda de Suza foi o rosto dos milhares de portugueses, e em particular das mulheres, que emigraram para França nas décadas de 1960 e 1970.
"No início da sua carreira já havia cerca de um milhão de portugueses em França, mas não havia cantores de origem portuguesa. Havia cantores de origem espanhola, italiana, mas não portuguesa e então ela foi o rosto visível da imigração portuguesa em França, e também da imigração feminina", explicou à Lusa Vítor Pereira, investigador principal no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
"Claro que ela trouxe um toque português à música francesa. A música portuguesa mais conhecida era o fado e então havia guitarra de fado nas suas músicas, mas ela também fez entrar na música francesa tudo que é o folclore português, mais do Norte, embora ela fosse do Alentejo", explicou Vítor Pereira, que investiga a história da imigração portuguesa em França.
Para a comunidade portuguesa, Linda de Suza foi "um espelho" das suas vivências. Pedro Alves nasceu em Dijon, filho de pais portugueses, e lembra-se de ter visto uma atuação de Linda de Suza quando era criança que o marcou para sempre.
"O meu pai fazia parte da associação de portugueses de Dijon. Eu devia ter 6 ou 7 anos quando a Linda de Suza foi dar um concerto a Dijon e foi a primeira vez que a vi e foi maravilhoso. Para os portugueses era como se estivessem em frente a um espelho, porque era a vida deles, a vida de um emigrante português. Linda de Suza era uma parte de cada um de nós", disse o lusodescendente.
Pedro Alves seguiu uma carreira no teatro musical, tendo sido um dos protagonistas da peça "Les Dix Commandements!", enveredando depois por uma carreira a solo como cantor. Em 2019 criou, produziu e interpretou o espétaculo "Carte Postale du Portugal" com Linda de Suza. Os dois chegaram a gravar um disco em conjunto e a fazer alguns espetáculos, numa digressão que foi suspensa no início de 2020 devido à frágil saúde da cantora.
"Tenho recordações maravilhosas porque era uma artista incrível, uma grande artista que marcou a história de Portugal e da música francesa e portuguesa. É a segunda artista portuguesa a ter vendido mais discos no Mundo, depois de Amália Rodrigues. A 'tournée Carte Postale du Portugal', connosco, foi uma maravilha porque a Linda de Suza tinha muita vontade de estar próxima do público, o palco era o único sítio onde ela se sentia bem", declarou Pedro Alves.
Para a comunidade portuguesa em França, Linda de Suza mostrou ainda a possibilidade de uma vida diferente, inspirando os jovens de origem portuguesa em França a seguir os seus sonhos.
"Ela mostrou que era possível. Ela foi uma pioneira e deu-nos a certeza de que era possível. Linda de Suza mostrou aos lusodescendentes que um português não tinha só de trabalhar nas obras ou nas limpezas e que era possível subir ao palco, fazer música, cantar e ter um público. Ela deu-me vontade de ser cantor", contou Pedro Alves.
[Notícia atualizada às 14h54]