Foi uma demissão em bloco, por causa de uma jornalista e do primeiro-ministro. O Conselho de Notícias e Mídia Interativa da emissora espanhola RTVE demitiu-se esta quinta-feira. Em causa está um comunicado feito pelo conselho a 12 de fevereiro, onde declarava o seu desagrado pelo comportamento da jornalista Ines Hernand na passadeira vermelha dos Prémios Goya, a 10 de fevereiro.
De acordo com um comunicado do Conselho, Santiago Riesco, um dos membros, já tinha apresentado a sua demissão há uns dias atrás por "motivos pessoais", mas os outros dois membros, o presidente Óscar López Canencia e Alejandro Vega, preferiram esperar até esta quinta-feira para "ouvirem os colegas da RTVE Play em assembleia".
Em Espanha, os Conselhos de Notícias são vistos como o garante de alguns direitos fundamentais, principalmente da liberdade de informação e a independência profissional no âmbito dos serviços de informação da estação pública de rádio e televisão a nível estatal, assemelhando-se aos conselhos de redação portugueses.
"A situação é inédita e por isso vamos contactar os serviços jurídicos da RTVE para saber como proceder neste caso, anunciando o mais rapidamente possível a convocação de eleições para a sua renovação. O Conselho permanecerá em funções até que ocorra a substituição", lê-se no comunicado.
A demissão surge após o Conselho de Notícias e Mídia Interativa ter pedido justificações à RTVE Play pela polémica da jornalista Ines Hernand na transmissão dos prémios Goya. Na passadeira vermelha, a jornalista teve uma postura "embaraçosa" com "arrotos, queixas, palavrões sem contexto...", segundo os membros.
Porém, para o conselho, a pior intervenção foi quando Ines Hernand, num breve encontro com Pedro Sánchez, primeiro-ministro espanhol, gritou: "Você é um ícone, presidente, amamo-lo!", após o chefe de governo admitir que "adorou" o filme The Snow Society.
"Por mais que queiramos ter um tom leve e alternativo pensado para um público jovem, acreditamos que qualquer conteúdo que tenha a marca RTVE deve obedecer aos padrões de qualidade e neutralidade estabelecidos no livro de estilo da RTVE e no âmbito do Estatuto da Informação, especificamente os artigos 8 e 9, que os profissionais conhecem bem", refere em comunicado o Conselho.
Fazer uso de um "tom bajulador para com um presidente do Governo não tem lugar na rádio e televisão pública, que é de todos".
Ines Hernand respondeu rapidamente às acusações na rede social X (antigo Twitter) afirmando: "Dedico-me ao entretenimento e, honestamente, estou feliz por estar a cumprir o meu papel."
Também Pedro Sánchez veio em defesa da jornalista, igualmente na rede social X, onde partilhou um vídeo de Hernand a descrever vários participantes dos prémios como "ícones". O primeiro-ministro escreveu: "Inês Hernand, você é de facto um ícone."
Na carta de demissão, o antigo presidente do Conselho, Alejandro Vega, manifestou a sua "profunda preocupação" com "a direção" onde estão a ser feitos os conteúdos da RTVE Play.
Já Óscar López escreveu: "Estou na RTVE há 16 anos, e em dez deles fiz parte do Conselho de Administração. Vivenciei momentos de todas as cores; sem dúvida, o mais amargo foi a mal chamada fusão com o noticiário da TVE, que nada mais foi do que a atomização da web e o seu fim como a conhecíamos e concebíamos."
"Essa separação, que a princípio sonhávamos que não diminuiria a força da nossa redação como coletivo, acabou por ser consumada como definitiva e virou quase um divórcio. Pelo menos, um divórcio do atual conselho", continua. "Pode ser que esta distância entre o conselho e a redação tenha sido por minha causa, que a minha ideia esteja ultrapassada, e que seja o momento de deixar entrar sangue novo para revitalizar uma organização que, até hoje, está murcha. Vou deixar a vocês decidir qual Conselho de Notícias querem e quem querem que o lidere."