O tema das migrações foi pouco debatido na campanha eleitoral, mas os eleitores ainda vão a tempo de esclarecer o que cada partido pensa e propõe. É, pelo menos, esse o objetivo do Serviço Jesuíta aos Refugiados e da associação juvenil ‘Humanity on the Move’ (HOM). As duas instituições analisaram os todos os programas eleitorais para os resumir num relatório (‘Boletim +: o que dizem os partidos sobre as migrações?’), que agora partilham. À Renascença, Carmo Belford, do JRS, fala em conclusões desanimadoras.
“Muitas das propostas são vagas. Não identificam, por exemplo, os recursos que os partidos necessitam para concretizarem os seus objetivos. Outras são assentes em informação falsa, que não corresponde à realidade. Achamos que os eleitores devem ter toda a informação do seu lado, por isso, no final do documento dedicamos uma parte à desconstrução de mitos, com base em dados e estatísticas, para que os eleitores também possam tomar as suas conclusões quanto às propostas que os partidos apresentam”, explica.
Carmo Belford dá como exemplo o programa eleitoral do Chega, que relativamente aos migrantes passa informações incorretas. “Quando propõe que os imigrantes tenham apoios sociais só após cinco anos de residência, parte do pressuposto que os imigrantes são um peso para a segurança social, o que não é verdade - por cada euro que recebem, já está estatisticamente comprovado que pagam 7 euros em contribuições”, sublinha. Quanto á proposta, do mesmo partido, para “a expulsão de cidadãos estrangeiros que incumpram a lei penal portuguesa, isso já está previsto na legislação. É isto que os eleitores devem saber”.
Uma das questões que todos os partidos deviam esclarecer é a da detenção administrativa dos requerentes de asilo, que não respeita a sua dignidade. “A maneira como tratamos as pessoas imigrantes diz muito mais sobre nós, enquanto sociedade, do que sobre os próprios imigrantes. Há muitas pessoas que não sabem, mas estas pessoas são privadas da sua liberdade por motivos meramente documentais, administrativos. Estas pessoas não cometeram nenhum crime, no entanto, são colocadas em instalações que em tudo se assemelham a prisões”.
“É altura de humanizar as migrações e parar de deter pessoas e de as tratar como se fossem criminosas”, afirma aquela responsável, que considera muito negativo que a questão das migrações tenha estado quase ausente dos debates e da campanha, abrindo espaço ao populismo que se alimenta do tema, porque “quando não há um debate político, quando os partidos não têm a iniciativa de esclarecer em maior detalhe, cria-se um vazio, um silêncio político que pode ser preenchido por discursos populistas. O que defendemos é que, da esquerda à direita, todos devem ter um papel fundamental na informação dos eleitores e apresentarem propostas” relacionadas com os migrantes e refugiados.
Na campanha eleitoral, que está perto do fim, lamenta que só se tenha falado de migrantes relacionando-os com a segurança e criminalidade, o que cria perceções erradas. “Infelizmente este debate só começou a existir (na campanha) quando se associou a imigração à criminalidade. O que é mais uma razão para colocarmos neste documento esta secção de desconstrução de mitos, com base em dados e estatísticas oficiais que estão ao dispor de qualquer pessoa, porque são públicos”, explica.
No âmbito da campanha ‘Boletim +: o que dizem os partidos sobre as migrações?’, a HOM conduziu um inquérito para compreender a importância atribuída às políticas migratórias pelos eleitores no momento do voto. Dos 100 inquiridos, 81% consideraram as questões migratórias relevantes ao decidir em que partido votar. “Este resultado evidencia uma crescente sensibilização para o tema, especialmente entre os mais jovens e as mulheres”, refere Carmo Belford, acrescentando que “o voto não é apenas um momento de escolha política, mas uma oportunidade para reafirmar o compromisso de Portugal com a dignidade humana, a inclusão e a solidariedade”.
A campanha e o relatório do Serviço Jesuíta aos Refugiados e da associação juvenil ‘Humanity on the Move’ podem ser consultados nos sites e redes sociais das duas instituições, que esperam desta forma ajudar os eleitores a escolher na hora de votar. “Para se informarem, para compararem as medidas, questionarem as propostas que os partidos apresentam com espírito crítico, porque o voto informado é o único que garante uma democracia e uma justiça social”.