Mário Mourão. “É altura de repor aquilo que a troika nos retirou” na área laboral
18-11-2021 - 06:32
 • Ana Carrilho (Renascença) , Raquel Martins (Público)

Escolhido no passado fim de semana para liderar a Tendência Sindical Socialista, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro espera ver a sua candidatura à UGT confirmada no congresso do próximo ano. Para Mário Mourão, a redução das indemnizações por despedimento ou o corte nas horas extras já não se justificam. Está na hora de reverter essas normas, diz.

Em entrevista à Renascença e ao jornal Público, o antigo deputado defende ser tempo de recuperar a legislação laboral anterior à troika e promete “estar mais junto dos sindicatos, das empresas e dos trabalhadores, porque é lá que estão os problemas”, em vez de “assentar arraiais” na sede da UGT em Lisboa.

Garante que a sua candidatura não é de continuidade e assume como principal objetivo dar visibilidade aos problemas do sector privado, argumentando que, neste momento, o sector público tem um peso muito forte na visibilidade e nas resoluções que saem do secretariado nacional da UGT.

Quanto ao seu adversário, José Abraão, líder da Frente Sindical de Administração Pública (FESAP) e que acabou por sair derrotado da corrida à liderança da TSS, Mário Mourão espera poder contar com o seu contributo nos combates que se avizinham.

O facto de, pela primeira vez, haver dois candidatos à liderança da TSS e, consequentemente, à liderança da UGT significa que na central nem os socialistas estão unidos?

Ao longo dos últimos anos havia só um candidato e não havia uma tradição de disputa e de aparecerem alternativas. Ao fim de 43 anos apareceu e os socialistas tiveram dois candidatos para escolher.

Não houve condições para criar uma lista única?
As moções que apresentámos não divergiam muito. Aqui estava mais [em causa] o estilo do candidato. Foi escolhido o que melhores condições reunia para assumir a responsabilidade de dirigir a TSS nos próximos quatro anos e o que obteve maior consenso para ser o próximo candidato a secretário-geral da UGT.

No final do congresso disse que a sua prioridade era reorganizar a TSS, “atenuar as tensões” e “apanhar os cacos”. Como é que planeia construir essa unidade?
Se conseguimos fazer a unidade com outras tendências que não são socialistas, muito mais fácil será com os nossos camaradas.

Havendo pela primeira vez dois candidatos, há feridas e algumas tensões que se vão criando e é preciso, no momento seguinte, sentarmo-nos à mesa e construirmos a estratégia que a TSS tem para apresentar aos parceiros de coligação na UGT. Para que, em 2022, o congresso apresente uma resolução conjunta de consenso, onde todos os sindicatos se possam rever.

O José Abraão [coordenador da FESAP e candidato derrotado] é um excelente quadro sindical de que a UGT e os socialistas não podem prescindir. Na saída do congresso, entre mim e o Abraão não há qualquer divergência. Somos amigos, conhecemo-nos há muitos anos na UGT e sempre apreciámos o trabalho um do outro. Não foi possível fazer consenso, são estilos diferentes.

Por exemplo, eu sou diferente do Carlos Silva. Elogio muito o trabalho que fez nestes anos e implementou uma nova marca de combate na UGT que foi importante, mas serei diferente e não é uma continuidade nas questões de gestão, de forma e de estilo.

E espera contributos do seu adversário para a construção dessa estratégia?
Desde logo, porque o congresso votou que as duas resoluções programáticas fossem juntas e estamos a trabalhar para que o conselho geral da TSS aprove essa resolução única. É o primeiro passo para a unidade dos socialistas.

Admite integrá-lo na nova direção?
Sem dúvida. A UGT não pode prescindir de José Abraão e espero que ele integre a minha equipa.

Disse que quer pôr o setor privado na agenda da central, a par com a função pública. O setor privado não tem tido a visibilidade que merece nas lutas da UGT?
Por aquilo que temos constatado, o setor público tem um peso muito forte na visibilidade e nas resoluções programáticas que saem do secretariado nacional da UGT. Isto não é porque haja discriminação, é porque os sindicatos da Administração Pública são muito ativos, muito combativos e têm conseguido uma visibilidade que o setor privado muitas vezes não tem e há graves problemas no setor privado.

Eu sou oriundo do setor bancário que é fustigado neste momento por milhares de perdas de postos de trabalho, por rescisões por mútuo acordo e por despedimentos coletivos. O setor privado tem tantos ou mais problemas do que o setor público e é preciso ajudarmos o setor privado a chegar ao protagonismo e à visibilidade que o setor público tem tido.

De quem é a responsabilidade dessa falta de visibilidade do privado? É do atual secretário-geral ou dos próprios sindicatos?
Provavelmente é de todos os sindicatos, incluindo eu próprio. Temos de estar mais atentos e exigir que a Resolução contemple todos os setores de atividade que têm problemas. Também denoto que a comunicação social dá muito ênfase à luta na administração pública e menos ao setor privado. Também temos de ganhar a comunicação social para que dê mais ênfase aos problemas que o setor privado tem e que precisam de visibilidade, a par do setor público.

Não lhe parece que a UGT perdeu força e visibilidade nos últimos anos, fruto da solução governativa que agora foi interrompida?
A central sindical tem vindo a reforçar o seu papel na sociedade portuguesa e, nos últimos anos, houve vários sindicatos que aderiram à UGT. Não vejo que, pelo facto de ser um governo socialista, a UGT tenha tido menos predominância, bem pelo contrário.

Se me disser que houve situações que não tornaram as questões fáceis no diálogo com o governo, claro que houve. Muitas são conhecidas e espero que se resolva esse problema do relacionamento entre a TSS e o PS.

Esse foi um problema da responsabilidade do próprio secretário-geral da UGT? Carlos Silva queixou-se várias vezes de não ser ouvido pelo Governo.
Quanto há um conflito, as responsabilidades são sempre das duas partes. Independentemente disso, a ação da UGT não foi prejudicada e a central não deixou de cumprir o seu papel.

Uma das suas promessas é aproximar a TSS e o PS. Como é que vai fazer isso?
Sou militante socialista, fui deputado, já exerci vários cargos nacionais no partido e não escondo aquilo que sou. O PS não será um corpo estranho na TSS, mas também não queremos que a TSS seja um corpo estranho no PS. Nestes últimos tempos falei com muitos sindicatos que me diziam: “os ministros não nos ouvem”. Isto não pode acontecer, dentro da autonomia e da independência das duas organizações.

A central sindical perdeu capacidade de influência?
A UGT não perdeu capacidade de influência, bem pelo contrário, com mais dificuldade, mais persistência, mais luta, mas fê-lo.

A UGT vai continuar a ser uma central que negoceia e assina acordos com os patrões e com o Governo na concertação social ou vai adotar outra postura?
A central será sempre aquilo que os seus sindicatos quiserem. Mas daquilo que conheço, vai continuar a ser uma central de propositura, de compromisso, de diálogo e de concertação. Este foi sempre o nosso ADN e continuará a ser. A central sindical não vai excluir a assinatura de acordos desde que eles defendam os interesses dos trabalhadores, mas se tivermos que ir para a rua não vamos virar as costas à rua.

Tem saído pouco para a rua?

A UGT saiu sempre que os seus sindicatos lhe pediram. Ainda recentemente houve duas manifestações do setor bancário e a central sindical esteve presente.

O setor bancário tem estado debaixo de fogo, acha que tem estado a falhar alguma coisa na ação dos sindicatos para defender o emprego e os trabalhadores?
Não. No setor bancário, os sindicatos têm uma longa tradição de compromisso e ao longo de muitos anos teve paz social. Foi sempre possível encontrar soluções e estabelecer compromissos com os banqueiros. Desta vez, não sei se pressionada pelo aumento dos lucros, a banca entendeu que é mais fácil despedir trabalhadores. No momento em que começa a recuperar, a banca o que faz é despedir trabalhadores, desde janeiro já foram mais de dois mil e estão previstos mais nos próximos anos. Os sindicatos não vão baixar os braços.

Como é que vai conseguir continuar a ser presidente do sindicato, e ao mesmo tempo, secretário-geral da UGT? Os outros sindicatos não o vão sentir ausente?
Não...

Vai ter de se mudar para Lisboa?
Não sei se tenho que mudar para Lisboa. Os problemas dos trabalhadores estão nas empresas, nos locais de trabalho, não é em Lisboa, num gabinete. Não é num gabinete que vou responder aos sindicatos quando me pedem para estar em Coimbra ou Leiria. O meu gabinete é no país e não é em Lisboa.

Ao assumir este compromisso sei que vou prejudicar muito a minha vida habitual. No sindicato ao qual presido criei uma equipa de trabalho e não vai viver dependente do seu presidente. Nem a UGT poderá viver dependente do seu secretário-geral.

A UGT não pode viver dependente do seu secretário-geral, mas os sindicatos contam com ele para fazer chegar os problemas a quem os pode resolver.
É por isso que vou estar junto dos sindicatos. Não tenho que assentar arraiais na Rua Vitorino Nemésio, onde fica a sede da UGT, quero estar junto dos sindicatos, das empresas e dos trabalhadores porque é lá que estão os problemas. Mas claro que tenho que corresponder à presença que o secretário-geral tem de ter na concertação social ou quando for chamado ao Presidente da República. Essa é uma obrigação minha, sem descurar que quando os nossos sindicatos estiverem na rua, o meu gabinete é na rua.

Até aqui as duas centrais sindicais têm vivido de costas voltadas. Que relacionamento pensa ter com a CGTP?
De respeito mútuo. A UGT terá o relacionamento com a CGTP da forma que a CGTP queira ter um relacionamento com a UGT. São duas organizações que lutam por melhores condições, podemos é discordar do caminho e da estratégia.

O novo regime de teletrabalho vai ao encontro das suas preocupações?
É melhor do que não ter nada. Defendo que a questão do teletrabalho deve ser discutida ao nível da negociação coletiva e dos vários setores.

Acha que deve haver reversão das normas laborais introduzidas no período da troika, como a redução das compensações por despedimento ou do pagamento do trabalho suplementar?
Sim.

Mesmo sabendo que muitas destas normas tiveram o acordo da UGT?

Sim. Muitas das alterações foram feitas num quadro de imposição. A caducidade, por exemplo, um dos argumentos é que era preciso intensificar a negociação coletiva e não foi isso que aconteceu. A caducidade tem imprimido, em matéria de negociação, uma pressão e eu vivi isso no setor bancário. Fui pressionado a assinar convenções em que retiraram aos trabalhadores, direitos consignados ao longo dos anos porque se não o fizéssemos, entrávamos no período de sobrevigência na caducidade e os trabalhadores bancários iriam para o Código de Trabalho.

Acho que em relação a estas matérias introduzidas no tempo da troika devíamos fazer uma agenda com timings certos para começar a recuperar a legislação aprovada num período difícil que o país viveu, mas que hoje já não se justifica, porque serve apenas para degradar as relações do trabalho.

Em relação às indemnizações por despedimento já é altura de repor aquilo que a troika nos retirou e que se vá gradualmente aumentado e repondo o que estava antes.

O PS esteve mal ao chumbar as propostas do PCP e do BE nestas matérias?

Não sei se esteve mal. O que temos é de encontrar mecanismos que não deixem do lado dos patrões um poder tão grande e discricionário. Basta uma das partes deixar de negociar para que a caducidade acabe por surgir. Temos que impedir que a caducidade se concretize, se não houver vontade negocial.