As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal, mas só 10% dos doentes têm acesso a reabilitação depois de um enfarte, que é essencial para evitar recorrências que acontecem em cerca de 20% dos casos nos 12 meses seguintes.
Esta percentagem coloca Portugal entre os piores da Europa, diz Hélder Pereira, diretor do serviço de cardiologia do Hospital Garcia de Orta, em Almada.
“Portugal, a nível europeu, é dos países com menor oferta de reabilitação. Nós conseguimos oferecer reabilitação apenas a cerca de 10% dos doentes nos pós enfarte. De facto é muito mau”, afirma o especialista, em declarações à Renascença a propósito do Dia Mundial da Saúde.
Hélder Pereira alerta que “a maior parte dos pequenos hospitais nem sequer tem serviço de cardiologia, e os que têm não dispõem de reabilitação estruturada, organizada, para oferecer aos seus doentes”.
Esta falha tem efeitos a longo prazo “e uma implicação muito grande no pós enfarte, porque a reabilitação é muito mais do que exercício físico, é também nutrição, é cessação tabágica, é psicologia, etc… E tudo isto é muito importante para reduzir os eventos e a mortalidade”, sublinha.
O enfarte do miocárdio mata, em média, mais de 12 pessoas por dia em Portugal, mas o seguimento dos doentes, para prevenir a reincidência, só está disponível nos grandes centros urbanos.
Segundo Hélder Pereira, “há condições adequadas nos grandes centros - Lisboa, Porto e Coimbra -, onde existe uma rede bem estruturada de reabilitação cardíaca, mas depois, no interior do país, a maior parte dos hospitais nem sequer tem serviço de cardiologia. Portanto, os doentes dificilmente têm acesso aos tratamentos cardiovasculares de forma adequada”.
Os cuidados primários, que também são parte essencial na prevenção do enfarte do miocárdio e no seguimento dos doentes que já tiveram um episódio, também sofrem de vários constrangimentos, na opinião do diretor do serviço de cardiologia do Hospital Garcia de Orta.
“Na zona da grande Lisboa, há muitos doentes sem médico de família, mas no interior a situação é ainda mais difícil. Por um lado, a medicina geral e familiar nem sequer tem acesso a instrumentos básicos de diagnóstico de doenças cardiovasculares e, portanto, também não podem identificar os doentes que podem enviar para cardiologia”, alerta.
Há um ano, Hélder Pereira participou num estudo que identificou os constrangimentos no seguimento do pós enfarte do miocárdio em Portugal e fez várias recomendações para melhorar a situação. Até agora pouco ou nada mudou.
Recentemente, foi atualizada a Rede de Referenciação Hospitalar de Cirurgia Cardíaca. Infelizmente, diz Hélder Pereira, a aposta é na centralização dos cuidados nos grandes centros.
“Esse cariz centralizador, na teoria, é positivo porque cria centros de excelência, mas mais uma vez estamos a criar condições apenas nas três regiões de Lisboa, Porto e Coimbra. E isso faz com que os serviços de cardiologia se tornem desinteressantes no interior, nomeadamente para os médicos que estão em formação e para os médicos que acabam a especialidade.”
Hélder Pereira acredita que foram os resultados desta política que levaram a Cardiologia do Hospital do Barreiro a deixar de ter atendimento urgente e internamento. “É um bocadinho resultado disso e continuamos a ver a desertificação do interior a que temos assistido nos últimos anos”, acrescenta.
Nestas declarações à Renascença, a propósito do Dia Mundial da Saúde, o cardiologista alerta ainda para a falta de financiamento para as doenças cardiovasculares, o que acaba por limitar, e muito, o acesso às inovações nesta área da medicina.
“A insuficiência cardíaca tem uma mortalidade maior do que alguns cancros, mas continuamos a ter a ideia de que na doença cardiovascular se consegue resolver facilmente tudo, o que não é verdade. A maior parte de nós irá morrer de doença cardiovascular, e isso mostra que o investimento na doença cardiovascular não é o necessário. Estamos muito aquém das necessidades e isso provoca uma grande iniquidade. O acesso aos avanços nas tecnologias, no âmbito das doenças cardiovasculares, está limitado a uma minoria da população”, sustenta.
Para Hélder Pereira, é preciso tornar os serviços de cardiologia no interior mais interessantes, com melhores condições, para atrair jovens especialistas. Defende também que os médicos de família devem ter acesso a métodos de diagnóstico que permitam referenciar mais doentes para cardiologia.