As pessoas mais velhas talvez se lembrem de uma longa seca em Portugal entre 1943 e 1946. Eu recordo de, em criança, ouvir adultos atribuírem essa seca à explosão de duas bombas atómicas americanas em Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Naturalmente que essa ideia não se confirmou.
Mas o facto de Portugal ter sofrido há mais de 80 anos uma tão longa seca significa que as alterações climáticas são uma invenção moderna, pois elas já existiam no passado? Não, porque há inúmeros indicadores que não deixam dúvidas sobre a aceleração de fenómenos climáticos extremos nas últimas décadas. Por exemplo, desde 1980, as secas no nosso país tornaram-se mais frequentes.
O problema é mundial, mas há regiões mais afetadas pela falta de água do que outras. A península ibérica, sobretudo na parte sul, figura nas previsões dos especialistas como tendo riscos prováveis de desertificação. Aliás, a seca que sentimos em Portugal entre 2016 e o início de 2018 – a mais grave seca hidrológica desde 1931 – afetou porventura ainda mais a Espanha.
À escassez de chuva somou-se a elevada temperatura registada na atmosfera durante a maior parte desse período.
Problemas com Espanha
O que se passa no clima espanhol é importante para Portugal, até porque os nossos principais rios – Tejo, Guadiana e Douro – nascem em território espanhol, que percorrem extensamente. Os chamados transvases – desviar água de rios mais a norte para rios a sul de Espanha, evitando que a água desviada chegue ao nosso país – são um risco sempre presente. A gestão luso-espanhola da água dos rios é dos mais sérios problemas que se colocam no relacionamento dos dois países ibéricos.
Claro que os conflitos originados pela água – pela falta dela – não são uma novidade. Há séculos que agressões e homicídio por “questões de água” acontecem entre nós em zonas rurais, sobretudo no norte do país. Mas as disputas, nacionais e internacionais, em torno da água aumentaram significativamente no mundo desde as últimas décadas do século XX.
Menos água, mais consumo
Segundo a ONU, mais de um quarto da humanidade (73% do qual na Ásia) sofre de falta de água. O consumo mundial de água é hoje seis vezes maior do que se verificava há um século. Um terço da água subterrânea, cada vez mais captada, está em risco de secar. E a poluição de grande parte dessas águas subterrâneas, nomeadamente na Índia, bem como de muitos rios, limita ainda mais a oferta de água potável.
Ou seja, temos as fontes de água a fornecer cada vez menos, enquanto o aumento da população, a melhoria do nível de vida de uma grande parte desta, incluindo uma crescente urbanização (com água canalizada nas habitações), levam a um crescente consumo a nível global.
Não seria possível encontrar novas fontes de água, por exemplo dessalinizando a água do mar? Possível é e em Israel existem várias unidades desta água retirada do mar e depois tratada. Só que esta operação de retirar o sal da água do mar é cara e gasta muita energia. Não é, por isso, uma solução atrativa.
E a rega gota-a-gota não reduz o consumo agrícola de água? Reduz, sem dúvida, mas a rega gota-a-gota é cara, não estando ao alcance de muitos agricultores. Outra medida, muito utilizada em Espanha, é reciclar água usada, por exemplo, na higiene corporal, recolhendo-a, tratando-a e encaminhando-a para rega agrícola.
Agricultura, principal consumidor
A agricultura é, hoje, o principal responsável pelo aumento do consumo de água. A multiplicação de zonas regadas contribui para esse crescente consumo, bem como o abate de árvores e florestas para instalar produção agrícola. Daí resulta que um esforço sério para consumir menos água terá prioritariamente de visar… a alimentação.
Muito pouca gente estará hoje preparada e mentalizada para consumir alimentos que usem menos água. Nem sequer temos consciência de quais sejam os alimentos cuja produção agrícola exige maior volume de água. Acresce que o desperdício alimentar ainda se encontra mundialmente a nível elevado.
De tudo isto resulta que o problema da água deve ser respondido, sobretudo, pela poupança do precioso líquido. Ora prevalece na sociedade a ideia, errónea, que o acesso à água é um direito humano fundamental, pelo que tal acesso deveria ser gratuito. Na Índia, por exemplo, a água não tem qualquer preço, é um bem público, de graça. Não ajuda a poupar.
Em Portugal importa lançar campanhas de poupança de água – na agricultura, nos consumos domésticos, nas fábricas, etc. Mas campanhas realizadas com cabeça, que captem a atenção e não caiam em simplismos ridículos.