Quem matou Marielle Franco? Passado um mês da sua morte, a resposta ainda não é conclusiva.
“O que sabemos até agora é que a possibilidade de o homicídio ter sido cometido por grupos ligados ao tráfico de drogas está totalmente descartada. Portanto, resta a hipótese de crime político cometido muito possivelmente pela Polícia Militar do Rio de Janeiro ou pelos grupos de milícias armadas que existem aqui no Rio de Janeiro”, diz à Renascença Juliano Medeiros, presidente do PSOL (o partido de Marielle).
A Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Civil do Rio de Janeiro não se pronunciam sobre o caso. O Ministério Público também participa das investigações e informa, sem muitos detalhes, que "as investigações caminham de uma forma bem positiva".
O que se sabe até o momento é que a munição calibre 9mm usada no crime pertencia a um lote vendido para a Polícia Federal de Brasília em 2006. O Ministério da Segurança disse que as balas foram roubadas na sede dos Correios no nordeste do Brasil, "anos atrás".
Outra informação conhecida é que o lote de munição é o mesmo de parte das balas usadas na maior chacina do estado de São Paulo, em 2015, quando 17 pessoas morreram. Três policiais militares e um guarda civil foram condenados pelos crimes. Parte das balas também foi usada em homicídios na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Segundo o jornal "O Globo", a polícia encontrou impressões digitais parciais de assassino de Marielle Franco. Ao jornal, um investigador disse que as amostras obtidas na investigação são microscópicas, mas que eventualmente poderão ser usadas.
Contudo, até agora não há mais revelações.
Marielle, presente!
O dia 14 de abril será marcado por homenagens e manifestações em cidades do mundo inteiro. A equipa de Marielle Franco está a organizar o evento "Amanhecer por Marielle e Anderson" (o motorista do carro em que seguia a vereadora na noite em que foi assassinada).
A proposta é mobilizar o maior número de pessoas em praças de diferentes cidades a partir das 6h00. O site de Marielle Franco convida os manifestantes a levarem tintas, flores e cartazes, além de organizarem intervenções culturais para assinalar a data.
Em Lisboa, está prevista uma mobilização na Praça Martim Moniz, às 15h00. O evento vai contar com a participação de instituições e pessoas de vários movimentos.
"Marielle, presente!" tem sido o mote das manifestações e a frase já foi transformada em música gravada por diferentes cantoras brasileiras. Outra homenagem recente à vereadora ocorreu no último dia 5: um quarteirão cultural inaugurado no centro do Rio de Janeiro recebeu o nome Marielle Franco.
Em Itália, a vereadora carioca virou personagem de uma banda desenhada publicada no jornal italiano "Il Manifesto". Os autores Assia Petricelli e Sergio Riccardi retratam a vida de Marielle e sublinham dados sobre a violência no Brasil.
Cria da Maré
"Mulher negra, cria da Maré e defensora dos Direitos Humanos". Era assim que Marielle Franco, 38 anos, se descrevia nas redes sociais. Fazia referência à Maré, favela onde nasceu e cresceu no Rio de Janeiro e que moldou toda a sua carreira e vida.
Foi na comunidade que Marielle iniciou a militância após perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre polícia e traficantes. Como moradora de uma área pobre, mulher, negra e bissexual, a vontade de trabalhar em prol das minorias cresceu tanto que nas últimas eleições municipais do Rio de Janeiro, em 2016, a ativista se candidatou ao cargo de vereadora pela primeira vez e ficou surpreendida com o resultado: foi a quinta mais votada.
A sua história foi interrompida no dia 14 de março de 2018. Marielle Franco saía de um evento com jovens negras no centro do Rio de Janeiro quando foi atingida com quatro tiros na cabeça.
Com ela, seguia o motorista Anderson Gomes, de 39 anos, que também morreu ao levar três tiros nas costas, e a assessora Fernanda Chaves, a única sobrevivente.
O assassinato da vereadora teve repercurssões não só no Brasil, mas em todo o mundo. Mobilizações ocuparam as ruas. O assunto foi destaque em jornais como o “NYTimes”, o “Le Monde” e “The Guardian”.
A ONU cobrou soluções imediatas. O Papa Francisco ligou para a família da vítima.
Da militância ao cargo de vereadora
Mesmo tendo sido mãe cedo (aos 19 anos), Marielle Franco formou-se em Sociologia e foi professora, investigadora e mestre em Administração Pública.
A sua dissertação tinha como título: "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”. O trabalho tratava as polémicas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), implantadas a partir de 2008 em favelas do Rio de Janeiro com "estratégia fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de Segurança Pública".
Marielle Franco também integrou organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation, focada em ações de igualdade e justiça social para os brasileiros, e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm).
Em 2006, trabalhou na campanha de Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), de quem se tornou assessora parlamentar.
Marielle assumiu ainda a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia até decidir candidatar-se a vereadora pelo PSOL. Foi eleita com 46.502 votos quando não esperava mais do que seis mil.
"É uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas", disse, depois de o resultado ser conhecido.
"Quantos mais vão precisar de morrer?"
Poucas semanas antes do crime, Marielle Franco tornou-se relatora da Comissão da Câmara de Vereadores criada para acompanhar os trabalhos das tropas de intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro.
Além de reprovar a medida adotada pelo governo federal em fevereiro deste ano, Marielle também criticava a ação violenta da polícia nas favelas.
Numa das suas últimas publicações no Twitter, Marielle comentou sobre a morte de um jovem atingido por uma bala perdida. "Mais um homicídio de um jovem que pode estar a entrar para a conta da PM (Polícia Militar). Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar de morrer para que essa guerra acabe?".