Angela Merkel, a gestora de crises, assume as rédeas da presidência da União Europeia. A crise do novo coronavírus revigorou a popularidade da chanceler. Na Alemanha, ainda hoje se fala sobre o discurso de Merkel de há mais de três meses, na televisão. "Isto é sério, leve também isto a sério", afirmou na altura, acrescentando que a pandemia da Covid-19 é o maior desafio do país desde o fim da II Guerra Mundial.
Foi um discurso à nação inédito em mais de 14 anos na chancelaria (sem contar com as mensagens de Ano Novo). Merkel foi transparente, factual, pragmática - "isto é sério", "o conselho dos virologistas é claro: nada de apertos de mão, lavar bem as mãos e com frequência…", "as próximas semanas vão ser ainda mais difíceis". Ao mesmo tempo, o discurso da chanceler foi empático, pessoal ("sei quão dramáticas já são as restrições", "para alguém como eu, para quem a liberdade de viajar e de movimento foi um direito conquistado com dificuldade, estas restrições só podem ser justificadas com uma necessidade absoluta"). Merkel agradeceu o trabalho dos profissionais de saúde e de pessoas de que não se fala tanto, os funcionários dos supermercados ("aqueles que, por estes dias, estão nas caixas dos supermercados ou a repor as prateleiras, estão a fazer um dos trabalhos mais difíceis que há").
Nesse dia, Angela Merkel, a gestora de crises, regressou. Inicialmente, a chanceler alemã deixara a gestão da pandemia a cargo do ministro da Saúde, Jens Spahn. Mas depois chamou a si o assunto, exibindo caraterísticas que poderiam muito bem ter sido retiradas de um manual sobre como reagir em situações de crise: com uma comunicação clara e demonstrando credibilidade, ponderação, empatia.
Críticas e elogios a Merkel
Poucas semanas antes, ainda se ouviam pedidos para a demissão de Angela Merkel. O partido da chanceler, a União Democrata Cristã (CDU), estava em queda livre nas sondagens e em ebulição interna, sem conseguir escolher o próximo líder. Mas, com a chegada da pandemia, tudo mudou. A popularidade da chanceler voltou a crescer e os conservadores ganharam pontos com Merkel ao leme, uma "âncora de estabilidade" a segurar o barco em plena tempestade. A 13 fevereiro, a CDU e os parceiros bávaros da CSU caíam nas intenções de voto, para os 26%, numa sondagem da Infratest dimap, mas, a 7 de maio, saltaram para os 39% nas intenções de voto - com um bónus adicional: os populistas de extrema-direita da AfD perderam vigor, caindo para 9% nas intenções de voto (menos 3,6 pontos percentuais do que nas últimas eleições federais, em 2017).
Merkel está habituada à gestão de crises - aliás, só quando não o faz é que parece perder o balanço. Como escreveu Allison Williams no jornal "Handelsblatt", em 2015, o impacto das crises "aguça os seus sentidos, embora dificilmente mude a sua política". Desde que começou a chefiar a chancelaria federal alemã, em novembro de 2005, caíram na secretária de Angela Merkel mais de uma mão cheia de crises: a crise financeira e da dívida europeia, os protestos na Alemanha depois do desastre nuclear de Fukushima, a crise na Ucrânia, a questão dos refugiados, o crescimento do populismo e do extremismo de direita, o Brexit e agora a pandemia do novo coronavírus. "A Alemanha e a Europa viram-se a braços com crise atrás de crise. Merkel já não precisa de visões. As visões - e pesadelos - vão ter com ela", escreveu Williams.
No passado, como agora, a chanceler mostrou pragmatismo, adaptabilidade, resiliência. Mas também foi criticada por, várias vezes, demorar a agir ou esperar o desenrolar das situações - o verbo "merkeln", derivado de Merkel, é aliás um neologismo em alemão que significa não tomar decisões, postergar. Foi o caso na crise dos refugiados. A oposição criticou a chanceler por enterrar longamente a cabeça na areia. Numa entrevista ao jornal "Bild", em outubro de 2018, o líder dos Verdes, Robert Habeck, acusou o Governo de "ignorar os alertas" desde a escalada do conflito na Síria, três anos antes, e não preparar o país. Angela Merkel admitiu que houve erros: "Ignorámos [a crise] demasiado tempo", afirmou.
A chanceler também foi criticada no início da pandemia da Covid-19 por ficar em silêncio e deixar o ministro Spahn a tratar do assunto enquanto esperava pelo desenrolar dos acontecimentos. As críticas foram também à reação inicial do Governo: "A política alemã reagiu tarde demais ao coronavírus. Agora é preciso paralisar a sociedade inteira", comentou o jornalista Vladimir Balzer no site da rádio pública alemã Deutschlandfunk. Entretanto, Angela Merkel (tal como os líderes dos estados federados) prefere navegar à vista - em meados de abril, Merkel e os estados combinaram, a cada duas semanas, fazer um controlo conjunto "da dinâmica da pandemia", para, se necessário, corrigir o rumo a seguir.
O vaivém da chanceler
Esta é, na verdade, outra caraterística de Angela Merkel, a gestora de crises: não ter medo de reavaliar a rota e, se for preciso, voltar atrás numa decisão já tomada. Foi o que Merkel fez em relação à questão da energia nuclear - antes uma defensora convicta, a chanceler mudou completamente de ideias depois do desastre de Fukushima, com a pressão interna a aumentar para encerrar as centrais nucleares na Alemanha. Foi também o que fez com o casamento homossexual, dando aos deputados conservadores "luz verde" para votar livremente sobre o assunto, puxando o tapete aos críticos poucas semanas antes das eleições, para que tivessem menos pontos polémicos por onde a atacar.
No discurso televisivo de 18 de março, o discurso de que ainda hoje se fala na Alemanha, a chanceler alemã não disse uma palavra sobre a União Europeia. Entretanto já corrigiu o curso.
No sábado, Merkel repetiu no seu podcast semanal: "leve isto a sério, porque isto é sério". Mas acrescentou de seguida: "Também queremos ajudar a economia europeia a crescer novamente, queremos explorar o nosso potencial de inovação e temos de garantir a coesão social."
Inversão de marcha
Em conjunto com o presidente francês, Emmanuel Macron, a chanceler propôs em maio um fundo de recuperação de 500 mil milhões de euros a serem entregues em forma de subsídios aos Estados-membros mais afetados pela pandemia da Covid-19. Este é um "desafio de dimensões sem precedentes", justificou Angela Merkel. Muitos ficaram espantados com o valor. Afinal, esta não parece ser a Alemanha de outros tempos, da austeridade, que manda os parceiros fazerem os trabalhos de casa e que impõe um rol de condições antes de conceder ajudas financeiras.
"O que é bom para a Europa é bom para nós", disse Merkel recentemente numa entrevista conjunta a seis jornais europeus. "A Alemanha tem um baixo índice de endividamento e pode, nesta situação extraordinária, endividar-se um pouco mais."
É esta Alemanha, liderada por Angela Merkel, que assume a presidência rotativa da União Europeia. O slogan da presidência alemã é Gemeinsam. Europa wieder stark machen - "Juntos. Fortalecer novamente a Europa." A gestão da crise da pandemia - o "maior desafio na história da UE", segundo Berlim - é o primeiro ponto na agenda. E, para garantir uma resposta eficaz, "é preciso chegar a um consenso sobre o novo orçamento europeu e as medidas de reforço o mais rápido possível", afirmou Merkel.
O legado de Angela Merkel
A chanceler, de 65 anos de idade, está na reta final do mandato e da sua carreira. A Alemanha vai às urnas daqui a pouco mais de um ano, e Merkel já confirmou que não se recandidata, nem sequer tem intenções de continuar na política ativa. Por isso, esta será a última oportunidade de Angela Merkel consolidar o seu legado na política alemã e europeia.
"Acredito que a chanceler possa usar esta coincidência da pandemia para aparecer nos anais da história, no capítulo da política europeia", afirma à Renascença o politólogo alemão Frank Decker, professor na Universidade de Bona. "Em retrospetiva, se não fosse esta crise, a chanceler poderia ter sido descrita maioritariamente como um 'travão'. Mas Merkel não quer ser vista como alguém que não contribuiu para o avanço da integração europeia."
A chanceler tem seis meses na presidência da União Europeia para o fazer. "Estamos cientes de que há muitas expetativas em relação à presidência alemã. Queremos atender a estas expetativas, trabalhando para sairmos juntos desta crise e, ao mesmo tempo, preparando a Europa para o futuro", disse Merkel.
Em 2007, foi durante a presidência alemã da União Europeia que se começou a alinhavar o que mais tarde viria a ser o Tratado de Lisboa, depois dos eleitores da França e da Holanda chumbarem em referendo o projeto de uma Constituição europeia. Treze anos depois, certamente a tarefa não será menos desafiante. Nos próximos meses, a UE precisará de uma liderança forte da Alemanha, escreveu em março a investigadora Jana Puglierin no site do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Berlim não se pode dar ao luxo de voltar à paralisia pré-coronavírus quando a pandemia se começar a extinguir. A UE terá de concentrar as energias na reconstrução da economia europeia e na recuperação da competitividade."
No entanto, não há apenas a crise do coronavírus por resolver. As negociações sobre o pós-Brexit, as alterações climáticas, a reforma da política de asilo da União Europeia, a digitalização e as relações com os EUA e a China são outros temas urgentes que estarão em cima da secretária da gestora de crises, Angela Merkel.
A chanceler começa a presidência da UE com um novo ânimo, refere o politólogo Frank Decker. Em fim de mandato, "Angela Merkel poderia não conseguir mudar muita coisa, porque todos estariam já a pensar no seu sucessor. Mas a crise do coronavírus transformou tudo": Merkel terá provado, tanto dentro como fora da Alemanha, que, se há coisa que sabe fazer bem, é gerir crises. Sendo assim, poderá usar esta influência renovada para "construir pontes" e alcançar compromissos de forma que a Europa possa sair da pandemia mais forte.