EUA podem voltar às paralisações, agora com dedo do “Presidente Musk”
20-12-2024 - 19:35
 • João Pedro Quesado

Elon Musk e Donald Trump afundaram um acordo de financiamento com os democratas e viram 38 republicanos votar contra a proposta que apoiavam. Ainda não é conhecido o plano dos republicanos para evitar a paralisação parcial.

Os Estados Unidos da América (EUA) podem regressar este sábado às paralisações do governo federal por falta de financiamento, algo que já não acontece desde o último mandato de Donald Trump. A oposição de Elon Musk e do Presidente-eleito afundou um acordo negociado com o Partido Democrata, e a alternativa foi chumbada na quinta-feira pela Câmara dos Representantes.

Esta sexta-feira, ainda não há solução à vista para evitar um "shut down", com os EUA a menos de 12 horas de ver o governo ficar sem dinheiro – a hipótese colocada, ainda não oficialmente, é de votar separadamente três leis: o financiamento temporário com um prolongamento de um ano dos atuais apoios aos agricultores, a ajuda financeira de resposta a desastres naturais e a ajuda aos agricultores.

O episódio começou na quarta-feira, quando Elon Musk usou a rede social X, de que é dono, para fazer cerca de 150 publicações em que criticou o acordo anunciado no dia anterior pelo republicano Mike Johnson, presidente da Câmara dos Representantes, exigiu que os republicanos não o aprovassem, e prometeu vingança política contra quem o fizesse.

A lei de financiamento, que daria dinheiro ao governo federal dos EUA até março de 2025, era um pacote de 1.547 páginas com várias medidas.

Entre elas estavam 100 mil milhões de dólares de ajuda financeira para as zonas afetadas pelos furacões de 2024 (incluindo 21 mil milhões para agricultores que sofreram efeitos de desastres naturais), 10 mil milhões de assistência financeira direta a agricultores, aumentos para os políticos, financiamento para creches, criminalização de pornografia “deepfake” e até a mudança de controlo de um estádio em Washington D.C..

Depois de Musk, foi a vez de Donald Trump criticar a proposta e ordenar que os republicanos não votem a favor, apontando que era necessário aprovar uma “lei de financiamento temporário SEM BRINDES DEMOCRATAS” e que se devia aproveitar a oportunidade para aumentar o limite de dívida dos EUA – o que torna mais fácil a Trump cortar impostos depois de tomar posse.

O acordo original acabou por não chegar sequer a votação na Câmara dos Representantes. A lei votada na quinta-feira – apoiada por Musk e Trump, e com a suspensão do limite de dívida por dois anos – acabou chumbada com 235 votos contra, incluindo, surpreendentemente, de 38 republicanos que optaram por desafiar Donald Trump.

Democratas apontam ao “Presidente Musk”

Entretanto, tanto Donald Trump como Elon Musk procuram atirar as culpas para os democratas. O Presidente-eleito declarou publicamente preferir que uma paralisação do governo “comece agora, sob a administração Biden”, ao invés de depois de 20 de janeiro.

Musk, que na quarta-feira concordou com um utilizador do antigo Twitter que disse que “vamos ficar bem por 33 dias” se o governo ficar sem financiamento entre este sábado e o fim de janeiro, está agora a atirar as culpas do chumbo de quinta-feira para os democratas que, diz, “rejeitaram uma lei de financiamento justa e simples” - sem referir os 38 votos contra dos republicanos.

O dono da Tesla e SpaceX, que já foi proposto por alguns dos republicanos mais radicais para presidir à Câmara dos Representantes a partir de janeiro (o novo mandato começa no dia 3), também chegou a escrever que “nenhuma lei deve ser aprovada no Congresso até 20 de janeiro, quando Donald Trump toma posse”.

Todo o episódio levou os democratas a chamar a Musk de “Presidente”, tentando provocar a ira de Trump – cujos assessores se apressaram, na quarta-feira, a sublinhar que é o próximo Presidente que dá ordens aos republicanos.

Bernie Sanders, o popular senador independente do Vermont, declarou nas redes sociais que “os democratas e republicanos passaram meses a negociar um acordo bipartidário para financiar o nosso governo”, e que “o homem mais rico do mundo, o Presidente Elon Musk, não gosta”. O mote foi assumido pelo líder democrata na Câmara dos Representantes e por outros membros do partido, inclusive durante o debate na câmara baixa do Congresso dos EUA.

Paralisação pode afetar voos de Natal

Se a paralisação se concretizar, a partir da meia-noite em Washington D.C. (5h em Portugal continental), pelo menos dezenas de milhares de funcionários públicos vão ficar numa situação equivalente a uma licença sem vencimento - não podem ir trabalhar e não recebem salário durante a duração da paralisação. A redução do pessoal de segurança nos aeroportos leva a filas mais longas e atrasos nas partidas.

Outros milhares de funcionários, de dezenas de agências federais, são obrigados a trabalhar para desempenhar funções consideradas essenciais, como o controlo de tráfego aéreo e o policiamento, mas ficam sem receber até ao fim da paralisação.

A mais recente paralisação, entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019, foi a mais longa de sempre, durando 34 dias. 380 mil funcionários foram afetados, e a economia norte-americana perdeu 8 mil milhões de dólares no primeiro trimestre daquele ano.

Tal como nessa ocasião, esta paralisação será parcial, o que significa que nem todas as agências federais são afetadas pelo fim do financiamento.

As paralisações acontecem devido a uma lei originalmente aprovada em 1884, que proíbe as agências federais dos EUA de gastar ou comprometer fundos sem estes serem aprovados pelo Congresso.