O bispo de Viseu, D. António Luciano Costa, diz que "o Interior não pode ser bom apenas" para se visitar e espera que a chamada "bazuca europeia" olhe para as zonas que estão despovoadas.
“Tenho dito muitas vezes aos políticos, quando me encontro com eles, que o Interior não pode ser só bom para se vir cá porque tem boas águas, bom vinho ou outros produtos”, declara D. António Luciano Costa.
Preocupado com o fenómeno do despovoamento e com a ausência de medidas, sobretudo para os que persistem em viver na região, o bispo de Viseu defende que a criação de melhores condições para os locais "e isso tem de acontecer a partir do Governo".
"Espero que este projeto que envolve a 'bazuca' olhe também muito para o Interior tão despovoado”, apela.
D. António Luciano admite que “já foram anunciadas medidas", mas adverte: "Não basta anunciá-las, não basta dizer que quem vai para o Interior e que vem de fora tem direito a um subsídio para isto e para aquilo. E aqueles que cá estão e que, no fundo, têm sido os mártires para que esta região tenha vida, sobreviva e possa também ter futuro?"
D. António Luciano Costa revela que já falou sobre a "bazuca europeia" com responsáveis políticos “em particular, com a ministra Ana Abrunhosa, que tem essa responsabilidade desses territórios mais afetados” e espera que “as promessas que têm sido feitas sejam cumpridas e que se olhe realmente para este Interior que, se for cuidado, é um espaço muito mais saudável, muito mais pacifico para se viver e onde a relação diálogo-presença-fraternidade-crescimento harmónico pode acontecer sem aquelas dificuldades que estão a sentir os grandes centros populacionais”.
A natalidade é outra das preocupações do prelado, que lembra os últimos números conhecidos e destaca o facto de ter havido em janeiro menos dois mil nascimentos do que em janeiro do ano passado. "Se não tivermos natalidade, e natalidade no interior, e pessoas que se fixem, e quadros qualificados e também um ensino superior de qualidade, uma saúde que responda às necessidades das pessoas, mas também mais empresas, não estamos a fazer o melhor pelo país."
O bispo lembra que “não faltam parques industriais", mas defende que "é preciso também criar condições políticas e locais para que, realmente, as empresas se fixem, para que haja postos de trabalho, porque o desenvolvimento acontece quando nós temos trabalho, quando não há fome, quando há uma escola que nos forma para o futuro”
Lição n.º 1: “Igreja tem de ajudar a fazer o retorno do caminho, fazendo aproximar as pessoas”
Sobre a crise sanitária, o bispo diz que na Diocese de Viseu pesou mais a situação social, embora tenha também havido dificuldades "para gerir a situação pastoral, que também foi importante”.
D. António Luciano reconhece que a questão económica não teve o impacto na região de Viseu como terá tido "em grandes dioceses, como Lisboa, Porto ou Setúbal”, mas a Cáritas viseense "também teve muitos pedidos de ajuda, tal como os centros sociais e paroquiais e outras instituições particulares registaram, também, um aumento dos pedidos."
"O número de pobres aumentou, não podemos ter ilusões sobre isso”, afirma. “Aumentou o desemprego, aumentou também, em muita gente, esse sentimento de abandono”, reforça.
Neste quadro, “a Igreja tem de ajudar a fazer o retorno do caminho, não só como o bom samaritano, mas, ao mesmo tempo, como diz o Papa Francisco, através da 'Fratelli Tutti', fazendo aproximar as pessoas, fazendo com que elas se sintam todas irmãs e caminhem para uma renovação pastora”.
D. António Luciano perspetiva, assim, desafios importantes para a Igreja no pós-pandemia, sobretudo na ajuda aos que mais precisam: “Penso que depois da pandemia teremos muito que fazer. Como diz o Papa, há aqui muito terreno para visitar esta Igreja em saída, com esta opção missionária, com espíritos novos, horários novos, costumes novos, linguagens novas. Eu acho que tem aqui um desafio muito grande."
Lição n.º 2: “Ninguém passou fome porque houve generosidade”
O bispo de Viseu reforça que a Cáritas "teve muitos pedidos", mas "graças a Deus, soube responder, também porque houve também generosidade, muita gente ajudou através dos apelos que se fizeram”.
"Penso que pelo menos fome ninguém passou ou passará... Agora, dificuldades para pagar a renda da casa, para pagar os medicamentos, para ter acesso a uma consulta, isso tornou-se mais difícil”, e por isso “as próprias instituições, com os seu responsáveis, o vigário da pastoral e os diretores desses centros procuram sempre dialogar para poder dar as melhores respostas”.
“As melhores respostas são a ajuda humana, económica, mas também de modo particular é esta esperança cristã que não pode faltar no meio desta pandemia, que, além de ser uma pandemia sanitária, é também económica, é social e é de ausência muitas vezes de resposta imediata às necessidades das pessoas”, acrescenta.
Lição n.º 3: Olhar para densidade populacional, mas também para “os locais onde não estão” tantas pessoas
O bispo de Viseu destaca como "uma das características muito fortes" da Diocese, e que "importaria corrigir", o facto de "um grande número de pessoas viver na cidade e arredores, enquanto os restantes estão dispersos por muitas vilas e aldeias, muitas delas despovoadas”.
“Ficam com gente no verão, quando vêm os emigrantes, mas, durante o ano, muitas delas têm poucas crianças, poucos jovens, muitos idosos”, enumera o prelado, apontando que "o programa pastoral tem que olhar para a realidade de onde estão as pessoas, mas também para os locais onde não estão, fazendo um ajustamento, uma readaptação, algo que não é fácil”, uma vez que “há paroquias que têm mais gente disponível para trabalhar que outras".
O bispo destaca o papel das forças de segurança no combate diário ao isolamento e solidão e ainda o seu papel decisivo no contexto de pandemia, agradecendo “às forças de segurança, e à GNR em particular, que têm tido um papel muito importante para ir ao encontro dessas pessoas e detetar determinadas situações de isolamento de gente muitas vezes em situações de dificuldade económica a quem é necessário apoiar do ponto de vista social”.
Viseu ainda tem “uma rede de padres que faz a cobertura da diocese, com o apoio de outras estruturas", pelo que D. António Luciano diz esperar que, "passada esta fase, voltemos com mais energia, com mais empenhamento para que possamos avaliar e analisar o que foi a pandemia, pois queremos ver o presente para projetar e programar o futuro também com melhores respostas e, ao mesmo tempo, sentirmos também que não vamos começar do zero”.
“Temos de ver o que devemos manter também na pastoral e que propostas para o futuro da Diocese”, afirma o bispo, depois de ter visto a pandemia “deitar por terra uma boa parte" do plano pastoral que estava a iniciar-se.
Esse programa estava focado para a "iniciação do cristão, principalmente debruçando-nos sobre o baptismo e, depois, preparando-nos para a Jornada Mundial da Juventude.
“Ficamos confinados por esta pandemia, sem estarmos preparados para isso e, assim, sentimos grandes dificuldades e posso dizer que foi um tempo de grande provação, não só individual, mas também comunitária, embora eu tivesse sempre muito que fazer, muito que ajudar através das novas tecnologias para me fazer presente junto dos sacerdotes, junto das comunidades”, relata.
Lição n.º 4: "Conciliação entre atividade presencial e telemática”
Nesta "nova normalidade" com que nos deparamos, o bispo de Viseu, até pela sua formação anterior ao sacerdócio, que passou pelo exercício, durante uma década, da profissão de enfermeiro, coloca como ponto de honra “o cumprimento das regras da DGS e as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa, tendo presente que, com o confinamento, as nossas comunidades não desapareceram, mas ficaram num deserto".
Este faco obrigou "os pastores, os sacerdotes, os diáconos a organizarem-se de uma outra forma para responder aos anseios das comunidades”, o que fez com que surgissem “muitas inovações, muitas formações, via 'online'”. Assim, sem nunca perder o foco na “ação presencial da igreja que é importante na relação povo que lhe está confiado, também é necessário não desprezar a dimensão telemática, a dimensão das novas tecnologias, porque ela também é importante”.
D. António Luciano Costa considera que se exige “equilíbrio", mas entende que as duas componentes podem completar-se. "Já que nós fizemos tão bem esta experiência do 'online', não vamos agora abandoná-la, vamos é valorizá-la", argumenta.
"A primeira opção tem que ser sempre presencial porque essa é que é a relação de Cristo com as pessoas e nós temos que imitar Cristo, que só ele é o Bom Pastor, e promover essa relação com as pessoas, especialmente com os mais vulneráveis, com os pobres, com os doentes, com as crianças, com os jovens."
O bispo entende que o fundamental é a Igreja “dar as melhores respostas aos mais frágeis” e que “esta resposta tem de ser imediata".
"Não podemos estar à espera, como muitas vezes dizemos: 'hoje não pode ser, talvez amanhã'. Não. Se alguém tem fome, nós temos de lhe dar agora pão, se alguém precisa agora de um medicamento, nós temos de comprar o medicamento, porque a vida é um valor que nós temos de saber respeitar e está acima de tudo, e a pastoral é para cuidar da vida das pessoas segundo o estilo e o projeto de Jesus Cristo."
Lição n.º 5: “Nada vai ser igual”
O bispo de Viseu afirma que “nada vai ser igual no futuro” e diz achar “muita graça” quando vê escrito que “tudo vai ficar bem, que é o que todos esperamos”.
“Vai ficar tudo bem quando todos estivermos vacinados e, mesmo aí, temos de continuar a ter cuidados e utilizar alguns meios de defesa”, sublinha D. António Luciano.
"Enquanto não vacinarmos as pessoas, não teremos a segurança que gostaríamos de ter e, por isso, é fundamental esta preparação da mente e do coração das pessoas para uma mudança. Nada poderá ser igual ao passado, quer seja na dimensão humana, na dimensão social e também na espiritual e eclesial”, adverte.
O bispo de Viseu diz que “há muitas coisas que esta pandemia veio ajudar a purificar e a melhorar, e nós não queremos acabar com as coisas, mas queremos é fazer propostas novas que ajudem as pessoas a renovarem-se e a serem mais felizes”.
"O futuro depende também do presente que nós formos capazes de construir, valorizando a saúde e também a qualidade de vida."
Outro aspecto que resulta deste tempo e merece atenção é o facto de "com o confinamento e o desconfinamento muitos cristãos quase terem desaparecido - principalmente as crianças e os jovens da catequese - da participação na liturgia".
D. António Luciano diz que essas pessoas "têm que voltar, mas com a ajuda de uma nova consciência”.
“Nós temos aqui uma responsabilidade muito grande de ajudarmos a formar esta gente, formando-nos primeiro a nós”, diz o prelado, apontando para o facto de “hoje também fazer muita falta na Igreja a formação para liderança, pois sem bons líderes, sem bons dinamizadores da pastoral nós não teremos uma boa pastoral”.
O bispo de Viseu lembra o Papa Francisco, que “insiste muito na ideia de que não podemos estar sempre a fazer o que já fazíamos”, para assinalar “um aspeto muito importante, que é a criatividade e a inovação”.
"Temos que ser criativos na pastoral, na relação com os outros. Temos que ser inovadores e temos que ter força e coragem de fazer essas propostas não só dentro da Igreja, mas também no nosso mundo”, acrescenta.
Depois, o bispo insiste no olhar sobre os mais vulneráveis, sobre os idosos, os doentes, os frágeis, que “deve ser um outro olhar, de muita presença e com o espírito do bom samaritano, indo ao encontro dos outros e não estar à espera que eles venham ao nosso encontro, pois é aqui está a tal igreja em saída”.
“Se a Igreja que sair desta pandemia não for uma Igreja missionária, de ir às periferias, a dar respostas novas para que os problemas que temos, significa que não aprendemos bem a lição”, afirma.
"Se calhar, aquilo que a Igreja e o mundo precisam é de sermos uma igreja e um mundo em laboratório para descobrimos e investigarmos o que é necessário para a fé, para a vida, para a reação das pessoas, para construirmos uma civilização do amor, a que eu chamo o mundo novo mais justo e também ao mesmo tempo mais fraterno."
Lição n.º 6: “Que ninguém esteja a viver num barracão ou não tenha pão para comer”
O bispo de Viseu mostra-se atento à questão do acolhimento de migrantes, pois não quer que haja alguém que "esteja a viver num barracão, ou que não tenha pão para comer, ou, se adoecer, não tenha quem cuide dele, porque senão as desigualdades que condenamos tantas vezes no papel, na prática continuam a existir. E isso não pode ser, é um atropelo e é uma negação do Evangelho, porque o Evangelho, antes demais, é humanismo e, ao mesmo tempo, também é dar ao outro aquilo que eu gostaria de ter e é por isso que Jesus diz 'o que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a mim que o fazeis'”.
Nesta perspetiva, D. António Luciano espera que a atenção demonstrada ao fenómeno possa evitar situações com as vividas em Odemira, até porque “principalmente no norte do distrito, que já é Diocese de Lamego, também temos emigrantes que vêm temporariamente para trabalhar nas vinhas e a minha preocupação é saber se as pessoas são alojadas”.
O bispo revela que a Diocese de Viseu tem também um sacerdote que “está a orientar essas comunidades, sabe onde elas estão e, por isso, ao nível da celebração da fé há uma resposta e essa resposta depois também ajuda a ver, a descobrir e até a denunciar outras situações de injustiça”.
Ter sido enfermeiro "é mais-valia”
O bispo de Viseu recorda o seu passado como enfermeiro, um facto que, do seu próprio ponto de vista, constituiu "uma mais-valia na abordagem à pandemia”.“Ainda hoje tenho, graças a Deus, uma relação muito grande com o mundo da saúde, com médicos, enfermeiros, outros técnicos e isso é uma mais-valia, ajudou-me muito ao longo do tempo da pandemia”, sublinha o bispo que garante que procurou sempre trabalhar todas as atividades pastorais “com uma base muito sólida e um parecer também por escrito sempre das autoridades de saúde locais”.
O bispo adianta que foi sempre possível “um bom diálogo”, declarando não estar arrependido de, ao longo do último ano e meio, ter tomado decisões “algo firmes e duras”, porque “foi para bem do povo de Deus mesmo que à vezes tivesse trazido algum sofrimento”.
“Essa dimensão da minha vida ajudou-me a perceber e a explicar melhor as medidas de confinamento e as medidas restritivas que as autoridades de saúde nos iam impondo”, adianta, recordando não lhe ter custado nada o facto de em “quase 10 anos, usar sempre máscara num bloco operatório” para afirmar que agora continua a gostar de dar esse exemplo “de continuar a usar mascara e essas cautelas necessárias”.
“Eu sei que um pequeno descuido pode provocar um grande dissabor na vida dos outros e eu quero que ninguém sofra por minha causa. Eu quero é que os outros sejam felizes por causa da minha presença e da minha amizade para com eles”, remata D. António Luciano Costa.