Samuel Paty, o professor gentil que foi decapitado por ensinar liberdade de expressão
17-10-2020 - 22:37
 • Renascença, com agências

França em choque com ataque terrorista islâmico contra docente que mostrou caricaturas de Maomé no âmbito de uma aula sobre liberdade de expressão. Até ao momento, foram detidas dez pessoas. Para quarta-feira está marcado um dia de homenagem nacional a Samuel Paty.

Chamava-se Samuel Paty, era professor nos arredores de Paris e ensinava história, liberdade de expressão e comportamento cívico. A identidade da vítima do ataque que voltou a chocar França foi revelada este sábado, pelo procurador antiterrorismo.

O docente, de 47 anos, era considerado por pais, alunos, colegas e amigos como um homem gentil e apaixonado pela profissão.

O procurador antiterrorismo, Jean-Francois Ricard, revelou em conferência de imprensa que o jovem que decapitou o professor, nas imediações de uma escola de Paris, na sexta-feira, pediu a vários alunos para identificarem a vítima antes do ataque.

Ricard adianta que uma fotografia do corpo do professor, acompanhada por uma mensagem a reivindicar a responsabilidade publicada na rede social Twitter, foi encontrada no telemóvel do atacante, abatido pelas forças de segurança pouco depois.

A publicação foi rapidamente removida pelo Twitter, que também suspendeu a conta por violação da política da empresa.

"Macron, executei um dos seus cães do inferno"

De acordo com o procurador Jean-Francois Ricard, a mensagem dizia: “em nome de Alá, o mais gracioso, o mais misericordioso… para [o Presidente francês Emmanuel] Macron, líder dos infiéis, eu executei um dos seus cães do inferno, que ousou menosprezar Maomé”.

Samuel Paty foi assassinado, na sexta-feira, numa rua da zona de Conflans-Sainte-Honorine, nas imediações da escola onde dava aulas.

No início do mês, o professor tinha mostrado aos seus alunos caricaturas do profeta Maomé, no âmbito de uma aula sobre liberdade de expressão, o que desagradou a alguns encarregados de educação muçulmanos.

O atacante, um jovem russo de origem chechena, de 18 anos, residia na cidade de Evreux, na zona nordeste de Paris, e não era vigiado pelos serviços de inteligência, adiantou o procurador antiterrorismo.

Até agora, dez pessoas foram detidas para interrogatório por suspeita de estarem relacionados com o ataque que resultou na execução do professor.

Entre os detidos estão quatro familiares do jovem checheno, o pai de uma aluna da escola onde o professor dava aulas, o Colégio du Bois d'Aulne, e um conhecido do mesmo encarregado de educação conhecido das forças de segurança.

Nos dias que se seguiram à aula sobre liberdade de expressão, onde foram mostradas as caricaturas de Maomé, o pai da aluna gravou vários vídeos onde apelidou o professor de “bandido” e exigiu que fosse despedido.

Noutro vídeo que publicou nas redes sociais, o encarregado de educação apelou a outros que “juntem forças e digam: ‘Stop, não toquem nos nossos filhos’”.

De acordo com a informação avançada este sábado pelo procurador, a meia-irmã deste homem juntou-se aos terroristas do Estado Islâmico na Síria, em 2014.


"Como vou explicar o impensável à minha filha”

A morte macabra de Samuel Paty deixou França em estado de choque e acontece numa altura em que decorre o julgamento do atentado contra o jornal satírico “Charlie Hebdo”, ocorrido há cinco anos, após a publicação de caricaturas de Maomé.

Os pais de alunos depositaram flores junto ao portão da escola e alguns contaram aos jornalistas que os seus filhos estão perturbados com o que aconteceu.

“A milha filha está destroçada, aterrorizada pela violência deste ato. Como é que lhe vou explicar o impensável”, acrescentou um pai no Twitter.

O Presidente francês desloco-se ao local, na sexta-feira, e afirmou que o homicídio do professor de História é um “típico ataque terrorista islâmico”, mas garantiu que “o obscurantismo não vencerá”.

“Um dos nossos compatriotas foi morto hoje porque ensinou a liberdade para acreditar e não acreditar”, acrescentou Emmanuel Macron.

O Presidente francês vincou que este ataque não pode dividir o país, uma vez que, na opinião de Macron, é esse o objetivo dos extremistas: “Temos de nos unir enquanto cidadãos. Quero partilhar a minha total indignação. O secularismo, a espinha dorsal da República Francesa, foi alvo de um ato vil”, declarou.

O primeiro-ministro, Jean Castex, afirma que o ataque da última sexta-feira tem a marca do terrorismo islâmico.

Durante o dia, a hashtag #JeSuisSamuel tornou-se viral nas redes sociais. Para quarta-feira, está marcada uma homenagem nacional ao professor Samuel Paty, anunciou o Palácio do Eliseu.