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“Ao manter as escolas abertas, vamos continuar a expor as famílias ao risco e, consequentemente, as suas entidades empregadoras”. O presidente da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Évora, Tiago Abalroado, não concorda com o desenho do novo confinamento para travar a pandemia de Covid-19.
Em entrevista à Renascença e à agência Ecclesia, Tiago Abalroado também se mostra preocupado com a segurança dos utentes dos lares por causa da sua participação nas eleições presidenciais, afirmando que “não se tinha perdido nada em adiar o processo eleitoral”.
O responsável está apreensivo com os efeitos da pandemia nos trabalhadores dos lares e relata “situações de saturação, de burnout”, admitindo mesmo que se está a chegar a uma situação limite. “Ninguém é de ferro e começamos a verificar que existe aqui um grande desgaste ao nível sobretudo anímico dos profissionais”, alerta.
No início da pandemia ouviram-se muitas queixas à falta de articulação entre os ministérios da saúde e da solidariedade, com reflexos negativos na gestão da crise nos lares de idosos.
Essa dificuldade está ultrapassada ou subsistem ainda problemas?
Temos vindo todos a aprender com a evolução da pandemia e com a forma de proceder de forma eficiente na adoção das várias medidas. Agora, compreendemos que, quando somos surpreendidos por uma pandemia desta natureza, haja aqui uma preocupação generalizada em desenhar medidas que sejam genéricas e, de alguma forma, abranjam todos os setores da economia.
E depois, quando vamos olhar para a realidade do setor social, há determinadas dimensões que carecem de uma atenção especifica, na medida em que as respostas sociais funcionam em permanência e não podem deixar de funcionar. Houve, de facto, num primeiro momento, alguma não articulação entre as várias instâncias. E também percebermos que existe por parte do Ministério da Saúde alguma preocupação em monitorizar tudo. Depois, naquilo que é a ação do Ministério da Segurança Social, sabemos que houve de facto uma preocupação, não só em garantir a manutenção dos empregos, como também em garantir o funcionamento normal das respostas sociais e das instituições em geral.
A este nível, a grande dificuldade das instituições é o recrutamento de voluntários e de profissionais?
Sim, esse tem sido agora um problema, que depois se tornou evidente numa altura em que, quer por força do aparecimento de casos em estruturas residenciais para pessoas idosos e nas outras respostas sociais, quer por força do agudizar da situação e da obrigação de confinamento dos profissionais, houve aqui a necessidade das instituições recrutarem mais pessoas.
Seja por via de voluntariado, seja por via de contratos, o que é certo é que essa é uma dificuldade que se sente e que se tem vindo a agudizar por força do aumento dos casos e, portanto, da necessidade dos profissionais ao serviço das instituições, por uma razão ou por outra, terem de se ausentar. E depois também da prestação de cuidados aos utentes que testaram positivo, e a necessidade de segmentar as respostas e o funcionamento das respostas entre a atenção e a prestação de serviço aos utentes com covid e a prestação de serviço aos utentes sem covid. E isso tem sido um problema que as nossas instituições têm atravessado.
Significa que não tem sido eficaz o recurso às brigadas de intervenção rápida que o Governo anunciou em setembro do ano passado?
Eu penso que não têm sido. Para já, estas brigadas são multidisciplinares e exige-se o recrutamento de profissionais de diferentes áreas e, logo aí, sobretudo na área da saúde, foi difícil montar equipas com médicos, enfermeiros, como era inicialmente preconizado pelo ministério e pela própria Cruz Vermelha, que foi a entidade que celebrou o protocolo para se responsabilizar pelas brigadas.
Depois, ao nível do pessoal auxiliar, também se verificou esta dificuldade, não só pela escassez, mas também pelas fragilidades formativas que as pessoas tinham, como é normal e compreensível não conseguimos formar profissionais de um momento para o outro e isso tem sido um desafio. Portanto, não só a dimensão da escassez, mas também a dimensão da formação ou da falta de formação e da dificuldade, depois, em promover esta formação ao ritmo necessário para depois integra as pessoas.
E como tem sido o papel das autarquias, como têm colaborado e como têm sido distribuídas sinergias?
As autarquias têm procurado ser um agente muito ativo, como é sua tradição, no campo da segurança e da proteção civil. No entanto, depois existe todo um conjunto de matérias mais especificas e concretamente ao nível da prestação efetiva dos serviços que as autarquias não conseguem também elas responder.
As autarquias, neste momento, têm a responsabilidade ao nível da educação de prover os profissionais para as escolas - os assistentes operacionais. Houve aqui um esforço inicial na altura em que as escolas estavam encerradas que estes profissionais pudessem dar algum apoio às instituições. No entanto, salta de novo à vista a questão da formação, ou seja, estes profissionais não estão vocacionados para promover serviços nas IPSS [instituições particulares de solidariedade social]. Contudo, tem havido um esforço generalizado, e julgo que qualquer autarca e os vários municípios têm feito o melhor possível tendo em conta os seus recursos, mas todos tem procurado de alguma forma colaborar. Agora, quando não conseguem ser eficazes nessa colaboração, isso resulta na minha perspetiva essencialmente da falta de formação e da incapacidade de fazer mais.
E dos profissionais que estão efetivamente nas instituições o grande problema é a exaustão e também os surtos?
Sim, temos problemas a vários níveis. Temos um primeiro problema que tem a ver com a organização das equipas, dos tempos de trabalho, do cumprimento da lei. Porque a contingência vem-nos exigir uma capacidade de gerir a rotação dos profissionais. E para gerir essa rotação temos de ter em atenção aquilo que a lei prescreve em matéria de organização do trabalho, dos tempos de trabalho...
O Governo procurou facilitar cortando com a imposição do limite sobre o trabalho suplementar diário. No entanto, isso não resolve porque depois se as pessoas trabalham horas também ficam mais desgastadas.
Depois, todo o stress que vem a seguir por força da situação que se vive. Os utentes não podem ver familiares, estão isolados, estão confinados, por isso também eles evidenciam um maior desgaste e, portanto, exigem mais atenção dos profissionais, mais cuidados dos profissionais. Há aqui todo um somar de situações que vem exigir mais dos profissionais, exigir mais das organizações e depois entrasse em situação de saturação, de burnout, de algumas dificuldades em gerir, conflitos internos.
São muitas essas situações?
Temos nota que sim. Foram feitos estudos que evidenciam esse desgaste dos profissionais, quer dos profissionais técnicos, quer dos operacionais que de facto atingiram algumas situações complicadas a esse nível.
Significa que a assistência aos lares está numa situação limite?
Eu diria que está, porque temos vindo, desde março, a fazer um esforço e a contar com a colaboração das pessoas. As pessoas não desistem e tem sido muito importante ver a vocação, a disponibilidade, a dedicação dos profissionais e, aqui, destaco de forma muito séria o papel dos ajudantes e das ajudantes de ação direta, porque têm sido incansáveis na sua grande maioria no trabalho direto e de apoio aos idosos e também às pessoas com deficiência e respostas residenciais.
Mas ninguém é de ferro e começamos a verificar que existe um grande desgaste ao nível, sobretudo, anímico dos profissionais e também muito por força daquilo que é o desgaste do lado dos utentes, que é muito difícil.
É preciso ter em atenção que os centros de dias que funcionam com lares de idosos em simultâneo estão encerrados, não é possível ter no mesmo espaço utentes de centro de dia e utentes residentes, logo aí há um número mais acentuado de pessoas em casa. As instituições têm que se desdobrar entre o trabalho aos utentes residenciais, aqueles que estão na instituição e aos utentes que estão em casa - quer os do centro de dia, quer aqueles que já estão nos serviços de apoio domiciliário ao longo do tempo -, há aqui logo todo um esforço organizativo. E depois, o estar confinado faz naturalmente que estas pessoas estejam do ponto de vista psicológico mais frágeis, evidenciam maior desgaste.
E a capacidade de testagem é agora um problema ultrapassado?
A capacidade de testagem tem sido, também, um problema que nos tem preocupado, sobretudo agora, quando se agudizaram os casos em estruturas residenciais. Numa primeira fase, a articulação com a saúde era muito célere. Se era detetado um caso ou uma suspeita, e a partir do momento em que o surto era identificado, conseguia-se em 24 ou 48 horas providenciar a testagem e o apoio a esse nível.
Neste momento com o agudizar da situação e com a generalização dos casos também às comunidades, esta articulação, ainda que existindo, processa-se a um ritmo mais lento. E temos por exemplo casos de instituições que chegaram a esperar uma semana pela testagem dos restantes casos, ou restantes utentes e profissionais após ter sido diagnosticado um primeiro caso e isto levou a que algumas instituições vissem a sua situação mais agudizada na perspetiva da expansão e da extensão dos efeitos da pandemia, porque se não temos a noção de quem está positivo e de quem não está, não conseguimos tomar medidas imediatas para essas pessoas.
E depois temos que atender a que, ainda que as instituições tenham que ter um quarto, dois quartos o que seja de isolamento, nós não conseguimos todos os utentes de uma resposta social em isolamento, isso é impossível. Por isso, isso foi algo que nos preocupou e ainda preocupada.
Obviamente que agora com a vacinação que me parece, esse sim, que está a ser um processo já mais célere, sobretudo porque houve uma preocupação da saúde em atingir rapidamente os lares com o processo de vacinação. Mas, nesta questão da testagem de facto houve aqui algumas entropias no processo que levaram, na minha perspetiva, a que a situação se agudizasse um pouco.
A vacinação nos lares teve início na primeira semana de janeiro. Já é possível fazer-se uma avaliação do processo?
Sim, é evidente que houve um investimento da saúde na vacinação dos lares e houve uma preocupação séria, nesse campo. Temos de entender que as instituições não se resumem aos lares, preocupam-nos também, de forma muito séria, o apoio domiciliário, por exemplo, porque os utentes estão em casa, mas os profissionais andam de um lado para outro.
Posso dizer que, no que diz respeito às Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPIS), a saúde, os serviços de saúde, foram e estão a ser incansáveis na identificação e na efetivação dos processos de vacinação. Neste momento, diria que 70% dos lares do Alentejo foram vacinados, na primeira dosagem.
Aproxima-se o dia das eleições presidenciais. E depois de uma indicação inicial da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de que os idosos que fossem votar não estariam sujeitos a quarentena no regresso aos lares, surge agora a possibilidade de eles votarem nas estruturas residenciais. Há condições para que assim seja?
Eu julgo que teremos de fazer uma avaliação casuística, a este nível. Temos de pensar que, em primeiro lugar, devem ser as instituições a perceber quem são os idosos, os residentes, que querem exercer o direito de voto. A partir daí, perceber se há condições para que o possam exercer.
Uma coisa é certa: é muito difícil, na fase em que nos encontramos, assegurar com todas as condições de proteção que os idosos poderão votar, que os utentes institucionalizados poderão votar. Preocupa-nos seriamente esta situação, julgo que não se tinha perdido nada em adiar o processo eleitoral, no entanto os nossos governantes entendem que não estão reunidas as condições para isso.
Mas é preferível votar na estrutura residencial ou, como a CNE inicialmente avançou, poderem ir à mesa de voto e depois regressar, sem estarem sujeitos a quarentena?
Julgo, ainda assim, que é preferível votar na estrutura residencial, porque estamos a falar de uma menor exposição do utente. Agora, não deixa de haver uma interação com agentes exteriores.
Com base na experiência dos últimos meses e do primeiro confinamento, considera adequado este novo recolhimento geral?
Relativamente a este novo confinamento, preocupam-me as exceções. Nós - sobretudo na região do Alentejo e olhando para o território mais do Interior, que conheço melhor - temos de entender que o facto de as escolas se manterem abertas faz com que a proteção das famílias não seja tão acautelada como no primeiro confinamento.
Se começarmos a olhar bem para esta situação vemos que os pais, os familiares das crianças e dos jovens, que continuam a ir às escolas, trabalham nas câmaras municipais e nas instituições, os principais empregadores destes meios.
Ao manter escolas abertas, vamos continuar a expor as famílias ao risco e, consequentemente, as suas entidades empregadoras. Sendo as instituições, por tradição, dos maiores empregadores destes concelhos do Interior, em especial as Santas Casas da Misericórdia, as IPSS, o que vemos é que o confinamento dito total – e que não é, afinal, total – poderá continuar a expor a riscos. Não há aqui uma efetiva diminuição do risco: os pais continuam a relacionar-se com os filhos; os pais, trabalhadores de IPSS, continuar a ir às Instituições, porque estas têm de continuar a sua prestação de serviços; os filhos têm de continuar a ir à escola.
Na prática, ainda que havendo uma abstinência ao nível da vida mais social, o que são as relações nucleares, do dia a dia – a ida para o trabalho, para a escola – mantêm-se, e o risco subsiste, naturalmente. Julgo que aqui, se vai haver um esforço da população em geral para mais um confinamento, com sacrifícios graves para todos os setores da economia, julgo que se deveria ter acautelado esta situação, tendo em conta, acima de tudo, esta caraterização do Interior do país. É algo que é transversal, de Norte a Sul, aqui no Alentejo sentimo-lo de forma mais séria.
O novo confinamento prevê, entre as suas exceções, a participação em ações de voluntariado social e a visita a utentes de lares de idosos e para pessoas com deficiência. É uma decisão importante, para quem trabalha nas instituições?
As visitas são algo que cada instituição poderá avaliar, logo aqui cabe a cada uma poder verificar em que medida faz sentido manter essas visitas. A grande generalidade das estruturas residenciais, neste momento, tem as visitas suspensas de umas semanas a esta parte.
No que diz respeito à questão do voluntariado social, obviamente que, sendo importante e, nalguns casos, necessário – porque existem diferentes questões relacionadas com o desgaste dos profissionais e também a falta de colaboração, em determinas tarefas -, também aqui as Instituições deverão ter um papel de grande avaliação. Eu diria que nunca devemos dispensar a realização prévia de teste.
É preciso que as autoridades reforcem a necessidade de uma maior atenção à saúde mental dos residentes em lares?
Sem dúvida. Há questões que só agora se levantam, com a pandemia, mas que a própria CNIS, a União das Misericórdias e outras estruturas já vêm alertando há algum tempo e que têm a ver com o perfil dos utentes. Sabemos que, hoje em dia, os utentes que residem em lares de idosos têm um perfil demencial já acentuado, normalmente, com um grau de dependência acentuado. Esta pandemia deve chamar todos para uma atenção especial à prestação dos serviços nos lares e nas estruturas residenciais para utentes, sejam eles quais forem, mas sobretudo no caso dos idosos.
A este nível temos de pensar no lar que queremos, na estrutura residencial para idosos que queremos, e que intervenção preconizamos para estas estruturas. Eventualmente, chegaremos à conclusão de que precisamos de um maior apoio dos atores da saúde, uma maior ligação dos lares à componente terapêutica, de acompanhamento às demências, diria quase que uma especialização dos lares de idosos, para que estas estruturas não sejam depósitos de utentes, não é? Ninguém quer isso.
Julgo que toda esta situação que se vive atualmente constitui um motor, uma alavanca, para pensarmos no médio e longo prazo a intervenção que se desenvolve ao nível das estruturas residenciais e no próprio conceito de lar que queremos, concretamente na prestação de serviços.
É este o desafio que os atores sociais, os membros do Governo, as estruturas representativas do setor, as várias instâncias que estão ligadas a esta temática da gerontologia, devem assumir, fazendo todos um trabalho muito concertado para perceber como é que podemos adequar a intervenção das IPSS com estrutura residencial à realidade que atravessamos.