A educação tem estado arredada dos debates eleitorais e não foi sequer abordada naquele que confrontou Rui Rio com António Costa. Quanto aos programas dos seus partidos, duas declarações de intenções desiguais na qualidade do texto e do seu layout, deveriam oferecer-nos a informação necessária à difícil escolha eleitoral que nos aguarda no final do mês. Aqui fica um primeiro resumo.
As propostas do PS e do PSD são bastante diferentes, como seria de esperar, mas já o foram mais. Ambos os partidos são cautelosos nas promessas e moderados no desenvolvimento das propostas. Parece mesmo que, em torno da educação, surgiu um “centrão” governativo que deixa antever a possibilidade de maior conciliação de esforços do que aquela que tem havido nesta última década.
Naturalmente, na incontornável lógica eleitoralista, os sociais democratas começam por uma avaliação da governação educativa de “desqualificação do sistema”: má gestão de recursos, a clássica referência ao “experimentalismo pedagógico” e a preocupação com “a inexistência de instrumentos de regulação”, motivos óbvios da “deterioração do nível de desempenho dos alunos”, a que se soma a falta de professores. Também não poderia faltar a costumeira referência aos resultados nos testes internacionais, sabendo-se de antemão que os eleitores não se darão ao trabalho de verificar estatísticas nem de fazer contas. Para nos fazer pensar, um pouco mais, está a nota sobre o acentuar das “disparidades” entre alunos e entre escolas, confirmadamente aprofundada pela pandemia, e o “embuste” do plano de recuperação das aprendizagens implementado este ano letivo e que, portanto, não pode ainda ser avaliado. A chamada de atenção quanto à desorientação e desmotivação das escolas e, sobretudo, à “abundante burocracia” e “acumulação de diretivas” é risível, pois o governo constitucional campeão nessas matérias foi, de longe, o de Passos Coelho.
Por seu turno, o PS fala de Educação de Qualidade para Todos e reclama ter transformado o sistema educativo a ponto de ser agora uma “referência mundial em várias dimensões”, apontando as políticas de inclusão e de promoção da cidadania ativa e, claro, a redução da taxa de abandono escolar de 13,7% para 8,9% ao longo desta governação socialista, ou o aumento de 14% na conclusão do ensino secundário, números, estes, que se entendem bem. As medidas implementadas durante a pandemia são celebradas com notável parcimónia e a avaliação avança rapidamente para as propostas do futuro: reforço curricular, competências sociais e emocionais, apoio aos alunos mais vulneráveis, transição digital. O PS também está do lado dos que se preocupam com as desigualdades (a esquerda e os católicos) e o uso otimizado dos recursos (o centro e o empresariado).
A parte mais interessante dos programas para uma legislatura que terminará no quadragésimo aniversário da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986-2026) é a proposta, por parte do PSD, de reabrir – pela terceira vez? – o debate em torno de uma nova Lei de Bases, “que possa reunir maior consenso entre as forças políticas” no Parlamento, e a proposta do PS para um Pacto Social para a Educação, uma “construção de convergências” para a “Boa Governação”, entre a sociedade civil, os especialistas e os políticos. Cada partido retoma a sua retórica, o PSD ambicionando recuperar a estratégia das propostas de Lei de Bases de 2004 (aprovada com voto do PSD e do CDS e vetada por Jorge Sampaio) e de 2005, um projeto bastante mais sintético e moderado, que não progrediu. Os socialistas, por sua vez, resgatam a questão do Pacto, que foi defendida como estando subjacente ao trabalho do primeiro governo de Guterres em matéria de políticas públicas de educação, quando as estruturas do Ministério da Educação, e das escolas, ainda estavam nas mãos de uma esquerda mais extremada e não menos apaixonada.
Do ponto de vista da especialidade, os sociais democratas, que respondem à esquerda com a “igualdade de oportunidades de aprendizagem”, a “garantia das oportunidades de sucesso educativo” e acenam à direita com o “currículo centrado no conhecimento”, assumem que o seu navio almirante é a reforma da educação pré-escolar, já anunciada por Paulo Rangel: universalização a partir dos 6 meses, com rede de creches e jardins de infância “tendencialmente gratuitos”, de volta também aos locais de trabalho, e um plano de rastreio da acuidade sensorial e da saúde oral. Não há como não concordar com a ideia, falta perceber como se implementa, sendo urgente como parece. Para os demais ciclos, a cara liberalização do número de alunos por turma e a instituição de três Academias, para exclusiva formação dos órgãos de direção das escolas, são as maiores novidades, às quais se junta uma robusta bandeira do centro-direita, certamente necessitada de reflexão e decisão, a reforma do ensino profissional.
Quanto aos socialistas, a sua insígnia educativa é o “combate às desigualdades através da educação”, continuando a apostar na inclusão pelo reforço do apoio às famílias vulneráveis e das medidas compensatórias dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Destacam, ainda, a promoção da mobilidade social e da equidade como indicadores de qualidade das escolas, num quadro de diferenciação pedagógica, competências-chave, “melhoria dos instrumentos de aferição” e das estratégias de aprendizagem, o que inclui “criar mecanismos” de “identificação precoce” das dificuldades e o alargamento dos regimes tutoriais de apoio individualizado. Sobre as creches também se pronuncia o PS, pelas promessas da publicação das suas Orientações Pedagógicas e do aumento da oferta pré-escolar, secundadas por mecanismos de prevenção do insucesso precoce. A maior novidade do PS é o alargamento da iniciativa Voz dos Alunos, chamando-os a participar na construção das políticas de educação, pela via da sua integração num Plano Nacional de Literacia Democrática, à semelhança do Plano Nacional de Leitura, e que aproveita o gaming como uma das estratégias educativas.