Linha de alta velocidade. Expropriações vão considerar valores de mercado
27-11-2023 - 10:00
 • João Pedro Quesado

A futura linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa continua a avançar, mas há oposição em algumas localidades mais afetadas. Uma delas é Canelas e Fermelã, que é contra o atual projeto pelos impactos que sofre e pela opção da bitola ibérica.

Veja também


A Infraestruturas de Portugal (IP) garante que os valores de mercado vão fazer parte das propostas de indemnizações pelas expropriações para a linha de alta velocidade. A dúvida é levantada pelo autarca de Canelas e Fermelã, em Estarreja, uma localidade onde a população se opõe não à alta velocidade, mas a "este projeto" da linha.

A linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa está a avançar, mas não sem oposição. Em Estarreja, a população de Canelas e Fermelã uniu-se contra o projeto, e o presidente da União de Freguesias considera que as indemnizações não vão compensar os proprietários das casas expropriadas.

"Quanto às residências, nós estamos convencidos que as indemnizações não vão pagar o esforço e o preço que se pagou, que elas custaram, porque os preços na construção civil aqui também estão constantemente a crescer e provavelmente, as indemnizações não vão compensar o que se pagou", diz António Sousa.

Apesar dessa dúvida, Carlos Fernandes, vice-presidente da IP, garante os valores de mercado vão ser considerados no cálculo das indemnizações a propor pelas expropriações que será preciso fazer, "salvaguardando integralmente o Código das Expropriações".

"Quem vai definir os valores que serão propostos aos proprietários são peritos, que estão definidos numa lista do Ministério da Justiça", explica Carlos Fernandes à Renascença. Esses valores vão ter base "exatamente em preços de mercado, ou seja, nas últimas transações naquela zona" levadas a cabo "naquele tipo de ativo", seja uma casa ou um terreno.

"Numa primeira fase, serão peritos do tribunal que vão propor um valor. Se o proprietário concordar com o valor, com as correções que tiverem que ser feitas, o valor é imediatamente pago. Se o proprietário não concordar com o valor, esse montante é depositado à ordem do tribunal. O tribunal definirá o valor final e esse valor final será pago ao proprietário", acrescenta o responsável da gestora das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias em Portugal.

Número de casas afetadas pode reduzir-se

Segundo os estudos de impacte ambiental produzidos para a avaliação dos dois troços da primeira fase da linha de alta velocidade em Porto e Lisboa, quase 200 famílias podem ser afetadas. Os dois troços da primeira fase estendem-se por aproximadamente 150 quilómetros, entre a estação de Campanhã, no Porto, e Soure.

O vice-presidente da IP aponta que este número de famílias - e de habitações - afetadas é "o máximo" que a linha de alta velocidade pode afetar, e acredita que os números finais serão "sensivelmente inferiores".

"Nós estamos a trabalhar ao nível de estudo prévio, em várias alternativas de corredores, e vamos passar para uma fase seguinte, em que teremos estudos muito mais detalhados", descreve Carlos Fernandes. Durante o projeto de execução, os técnicos da Infraestruturas de Portugal podem, "quer com pequenos ajustes ao traçado, quer com a construção de algumas estruturas de suporte", conseguir "reduzir ainda sensivelmente o número de habitações" afetadas.

No entanto, a oposição da população de Canelas e Fermelã não se fica pelas casas que vão ter que ser demolidas para os comboios passarem a 300 km/h.

Ligação à Linha do Norte afeta zona ecologicamente sensível

A linha de alta velocidade vai atravessar a união de freguesias por duas vezes. A interligação com a Linha do Norte - que tem um apeadeiro em Canelas - acontece nesta localidade, permitindo a alguns comboios parar em Aveiro, enquanto outros seguem caminho diretamente para o seu destino final.

Essa lógica vai ser aplicada ao longo da nova linha, em Aveiro, Coimbra e previsivelmente também em Leiria, onde a solução relativamente à estação ainda está a ser estudada.

O autarca local António Sousa indica que esta interligação vai ter grandes impactos na Zona Ecológica Protegida do Baixo Vouga Lagunar, dentro da Zona Especial de Conservação da Ria de Aveiro.

"Tem um impacto enorme logo nesta zona onde nós, para fazer obras, temos que coordenar tudo com CCDR, com ICNF, com a Agência Portuguesa do Ambiente, e bem, para conseguir ter ali um equilíbrio ecológico, uma vez que esta é uma zona rica e tem alguns animais e também é uma zona piscícola, é uma zona de lavoura, que é uma zona protegida, onde é importante preservar a natureza", assinala o presidente da União de Freguesias.

A interligação à Linha do Norte vai passar "num viaduto entre 7 e 10 metros por cima da água", declara António Sousa. A linha vai ainda subir progressivamente do solo para "passar sobre a A29 e sobre a A1", nas localidades de Entre Vinhas e Espinhal". O resultado, diz o autarca, é "tapar completamente toda a zona", com grande "impacto visual".

A bitola é um problema?

Os argumentos contra não se ficam por aí. O presidente da União de Freguesias de Canelas e Fermelã - que, como o município de Estarreja, rejeitou a construção desta linha - acusa o projeto de ser uma "aberração".

"É uma aberração estarmos a construir esta infraestrutura tão importante para Portugal, e que nos poderia ligar à Europa, com a opção técnica da bitola ibérica, que nos acaba por nos encostar e fazer ficar orgulhosamente sós na Europa, com uma bitola que já não é utilizada em mais lado nenhum", aponta António Sousa.

Carlos Fernandes, por sua vez, recusa que a questão da bitola seja um problema do atual projeto. Tanto que considera a utilização da bitola ibérica na linha de alta velocidade uma necessidade para a melhoria da rede ferroviária nacional.

"Nós não chegamos à Europa se não passarmos por Espanha e, portanto, temos obrigatoriamente que passar por Espanha. Do lado da bitola, temos as mercadorias e os passageiros, e nós não temos atualmente troços de bitola europeia para mercadorias em Espanha", declara. O único caso é uma linha que liga Barcelona à França - o que significa que está a cerca de mil quilómetros da fronteira portuguesa.

Já no caso dos passageiros, o que está atualmente planeado é um corredor de alta velocidade de Lisboa à Corunha. "A linha de alta velocidade entre Vigo e Corunha já está construída. E então perguntamos, está construída em que bitola? Em bitola Ibérica", constata Carlos Fernandes.

"Se fizéssemos um bocado em Portugal em bitola europeia. criávamos aqui um problema gigantesco que não tínhamos forma de gerir", alerta o responsável da IP. "Se pensarmos nos espanhóis, eles estão com um problema parecido, só que eles começaram a construir em bitola europeia a linha de Madrid para a Galiza", elabora.

De Madrid até Ourense, a linha está construída em bitola europeia. De Ourense para Santiago de Compostela, e depois para a Corunha, a linha continua, mas em bitola ibérica.

A Renfe, operadora pública ferroviária espanhola, resolve "o problema que nós não vamos ter" com uma mudança de bitola no próprio comboio de alta velocidade, explica Carlos Fernandes. Depois de Ourense, "o comboio passa por uma instalação que existe a seguir à estação e o comboio muda a bitola, ou seja, os rodados do comboio afastam-se e o comboio passa a circular em bitola Ibérica", que tem um espaço entre carris maior do que a bitola europeia, ou padrão.

"O comboio faz isto a 70 km/h, não perde tempo, segue e vai até à Corunha em bitola Ibérica. Ou seja, eles têm este problema resolvido", exalta o vice-presidente da Infraestruturas de Portugal.

Neste momento, está nas mãos do Governo o lançamento do concurso público para a construção do primeiro troço da linha de alta velocidade, entre Campanhã e Oiã. A próxima fase a ser colocada em consulta pública, no segundo trimestre de 2024, é o troço entre Soure e Carregado.