A taxa que o Governo propõe aplicar às empresas que abusem da contratação a prazo só poderá ser aplicada aos contratos celebrados após a entrada em vigor da nova lei e não aos atuais, defendem especialistas em direito laboral contactados pela agência Lusa.
Em causa está uma das medidas propostas pelo ministro do Trabalho, Vieira da Silva, na Concertação Social no âmbito do combate à precariedade, que prevê a criação de uma contribuição adicional para a Segurança Social para as empresas que revelem excesso de rotatividade dos seus quadros.
A taxa de rotatividade terá em conta a média de contratos a prazo em cada setor e deverá situar-se entre 1 e 2%, sendo aplicada a partir do final de 2019, segundo o Governo.
Apesar de ainda não se conhecer em concreto como será aplicada a medida, uma vez que decorre a discussão na Concertação Social, o especialista em Direito Laboral Nuno Morgado diz à Lusa que "apenas devem ser considerados para este efeito contratos de trabalho que vierem a ser celebrados após a entrada em vigor das alterações legislativas".
"Seria duvidoso do ponto de vista constitucional" que a aplicação da taxa "tivesse em consideração contratos de trabalho celebrados em momento anterior à entrada em vigor das alterações agora anunciadas", acrescenta o advogado da PLMJ.
Para o especialista, a aplicação da taxa aos contratos já existentes "conferiria um efeito de retroatividade que não é admissível no plano da legislação fiscal e parafiscal".
Da mesma opinião é Pedro Romano Martinez, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que sublinha que "a retroatividade está proibida constitucionalmente, pelo que [a taxa] só se aplicará para situações posteriores".
Inês Arruda, advogada de Direito Laboral, afirma que aplicação da taxa de rotatividade sobre as empresas é "uma questão mais delicada" do que as outras propostas do Governo, que estabelecem, por exemplo, a redução da duração máxima dos contratos a prazo de três anos para dois anos.
"A taxa de rotatividade é aplicada por via do agravamento da contribuição para a Segurança Social", e independentemente de ter em conta um período que coincide com o ano civil, "a verdade é que o princípio da não retroatividade da lei fiscal (aqui aplicável) determina que não posso aplicar a lei nova a factos tributários integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor", explica Inês Arruda.
Por sua vez, Diogo Leote Nobre, da sociedade de advogados Miranda, destaca que a própria proposta do Governo "aponta para uma aplicação não imediata da nova taxa" ao prever que a medida só será efetiva quando estiverem criadas todas as condições, nomeadamente quando forem apuradas as médias da contratação a prazo por setor.
Além disso, diz o especialista, a proposta do Governo estabelece um período de referência anual entretanto iniciado "que será o ano de 2019", pelo que a medida só deverá começar a ser aplicada em 2020.
Sobre a proposta do Governo que prevê a redução da duração máxima dos contratos a prazo de três anos para dois anos, com menor margem para renovações, os especialistas explicam que, nestes casos, a medida poderá aplicar-se aos contratos já existentes, embora ainda não se conheça qual vai ser a opção do executivo.
"É de admitir que se salvaguardem os efeitos passados dos contratos de trabalho a termo que já estejam em vigor", diz Nuno Morgado, acrescentando, porém, que é de admitir que "as limitações se passem a aplicar de imediato a estes".
Esta situação poderá impedir a renovação dos contratos existentes "mesmo após o termo do período de vigência em curso na data de entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho", afirma Nuno Morgado.<
Inês Arruda explica que a aplicação ou não da medida aos atuais contratos a prazo vai depender do que ficar definido na proposta do Governo, lembrando que na última alteração, em 2009, ficou estabelecido que o novo regime não se aplicaria à duração dos contratos de trabalho a termo certo em vigor na altura.<
"Se nada for estabelecido em contrário, a nova lei só se aplica para o futuro, não afetando os contratos a termo já celebrados com prazo superior", afirma por sua vez o professor Pedro Romano Martinez.
Também Diogo Leote Nobre defende que a duração contratual fixada "deve reger-se pela lei vigente à data em que tal celebração ocorreu, não se lhe aplicando a lei nova", a menos que "por opção política" haja uma outra solução.
Caso seja essa a opção do Governo, ou seja, que o limite dos dois anos seja aplicado aos contratos a prazo existentes na altura da entrada em vigor da lei, "uma renovação contratual deverá entender-se como um 'novo contrato' para este efeito", defende Leote Nobre.
Contactada pela Lusa, fonte do Ministério do Trabalho considerou ser "extemporâneo" responder qual será a opção do Governo, uma vez que as questões ainda estão a ser discutidas na Concertação Social.