Nesta reflexão, proponho discutir os tipos principais de criptoativos e os pressupostos subjacentes ao seu valor económico.
Os criptoativos dividem-se em duas dimensões principais: (i) regulados e não-regulados, e (ii) os financeiros, e não financeiros. Para os financeiros, faz também sentido separar entre as criptomoedas e os outros. A diversidade é, portanto, imensa e não admira que reine alguma confusão quando se trata de nos referirmos à tokenização seja do que for (nota: a tokenização é o processo de representação e gestão de um ativo em formato criptográfico numa DLT como a Blockchain).
Vou concentrar-me no ordenamento jurídico do nosso espaço geopolítico, pois, no que toca à regulação, as diferenças no resto do mundo começam a ser demasiado significativas para podermos colocar tudo no mesmo saco.
O valor económico das criptomoedas
Começo com as criptomoedas, pois é o que mais rapidamente vem à memória e também por ter sido com elas que tudo começou, nomeadamente com a Bitcoin no final 2008.
Desde há quase 10 anos que os ICO (Initial Coin Offering) apareceram como forma de captar investimento. Até agora, na UE, esse tipo de investimento era considerado simples "crowdsourcing", mas com a assinatura para breve do regulamento MiCA (Markets in Cripto Assets) no Parlamento Europeu, os investidores passarão a gozar de alguma proteção adicional contra a fraude.
Para se ter sucesso nos investimentos, para além de evitar a fraude, é preciso assegurar a utilidade real das soluções. Ora, uma das primeiras propostas de aplicação das criptomoedas passou pela sua utilização como meio de pagamento. Porém, as criptomoedas não podem ser consideradas moeda de forma generalizada, mesmo quando reguladas, pois, só aquelas que a lei considerar como meio de pagamento o podem ser de facto.
Será o caso do Euro digital no dia em que entrar em produção, e também das criptomoedas estáveis (Stablecoin) na mão das instituições financeiras licenciadas de acordo com o Título IV do MiCA a partir de 2024. Este tipo de criptomoeda será, portanto, o mesmo que Euros bancários, beneficiando adicionalmente da conveniência da tokenização. Nesta linha, há serviços, como o PayPal, a facilitar uma espécie de pagamento em criptomoeda.
Porém, tais serviços mais não fazem do que cambiar em tempo-real o valor da criptomoeda para a moeda local, deduzido da respetiva comissão. Portanto, a utilidade destas criptomoedas tradicionais ainda não virá, para já, da sua utilização como meio de pagamento. Assim, nestas criptomoedas, o valor económico vem essencialmente (i) da utilidade e (ii) da especulação, mas infelizmente tem sido a segunda a liderar grande parte das intenções de investimento, na mira do Eldorado dos criptobilionários relâmpago. Mais interessante será o valor económico criado pela utilidade, considerando que uma criptomoeda se comporta como uma espécie de moeda local dentro do seu ecossistema.
Tal como as fichas dos carrinhos de choque da saudosa Feira Popular, a nossa lei permite que as moedas locais suportem transações limitadas a um âmbito específico (e.g., geográfico), e, para que sejam consideradas uma forma de pagamento, são sempre equiparadas ao Euro, que é a moeda subjacente a toda a nossa economia.
Por outro lado, os ecossistemas suportados por DLT estão sujeitos a regras diferentes daqueles a que estamos habituados. É que, enquanto no mundo tradicional a criação de valor económico é incorporada por empresas que pagam os seus impostos e distribuem os lucros aos seus acionistas de direito, já com uma DLT, é o valor da criptomoeda, a tal espécie de moeda local, a ditar a medição das mais-valias. É assim que nos já referidos ICO são os detentores das criptomoedas iniciais a usufruir da sua valorização em função da utilidade oferecida pelo ecossistema. Mas como medir essa utilidade quando a especulação também está presente?
Pois é aqui que reside o cerne do problema, uma vez que o valor da nossa economia é detido essencialmente através do direito de propriedade e este ainda não está preparado para ser tokenizado e gerido de forma não-centralizada (tal irá acontecer em breve, mas vou deixar essa discussão para outra reflexão). É, aliás, por isso que a maioria dos ecossistemas baseados em DLT têm, até hoje, criado valor sem poder contar com os ativos cujo direito de propriedade carece de registo regulamentar. Além do mais, uma vez que a propriedade dos ativos reais dificilmente pode hoje ser tokenizada, as propostas de valor nas DLT têm passado sobretudo por serviços. Por exemplo, tal como no jogo do Monopólio, nada impede que um serviço tenha a sua própria moeda local, e, se este for valorizado pelos seus utilizadores ao ponto de ser transacionado com moeda fiduciária (ou reserva de valor equivalente), então a criptomoeda usada nas transações terá um valor cambial real e aparecerá nos Exchanges.
Felizmente, o foco nos serviços não-regulados dos ecossistemas baseados em DLT está a começar a ser ultrapassado na UE, uma vez que, já a partir deste ano, passa a ser possível tokenizar alguns activos reais, tais como acções, obrigações e fundos. Apesar de serem activos exclusivamente financeiros, este exemplo não deixa de significar uma mudança da forma de gerir o direito de propriedade e dos mercados secundários associados. Consequentemente, as criptomoedas vão agora começar a representar o valor de ecossistemas que já incluem activos da economia incumbente. Assim, para as criptomoedas, é preciso conhecer o valor económico do ecossistema que suporta, sendo esta pergunta também válida para os ecossistemas não abrangidos pela economia regulada, como é o caso particular das finanças descentralizadas (#Defi).
O valor económico da #DeFi
O setor financeiro está entre os mais regulados de todos e só as empresas devidamente licenciadas podem oferecer este tipo de serviços. Aquilo a que se convencionou chamar finanças descentralizadas (ou #DeFi) é um conjunto de serviços não-centralizados semelhantes aos financeiros, mas não reconhecidos por lei. Prefiro então descrever este tipo de serviços por não-centralizados, porque a ideia é fornecê-los com base numa tecnologia autoexecutável, como é, por exemplo, o caso da Bitcoin. Não obstante, é preciso ter consciência de que, apesar dos serviços na #DeFi não serem regulados, a reserva de valor representada pelas suas criptomoedas já é devidamente reconhecida pela economia tradicional, como se prova pela existência de Exchanges licenciados. As criptomoedas acabam assim por ser a interface entre a #DeFi e o mundo regulado, permitindo medir e transacionar na economia regulada o valor económico dos serviços não-regulados. Mas qual a origem desse valor económico?
Mais uma vez, temos as componentes (i) de utilidade e (ii) de especulação. A utilidade pode ser medida pela faturação dos serviços, os quais são remunerados como habitual, com a aplicação das taxas e comissões que vão contribuir para a rentabilidade da entidade que os fornece, e, quando a entidade é uma DLT, essa valorização vai estar espelhada na criptomoeda do seu ecossistema. É, aliás, uma valorização simples de verificar, pois, o aumento de procura desses serviços também vai aumentar a procura da moeda local na forma da sua criptomoeda de suporte à DLT subjacente. O resto será especulação, à qual não conseguimos escapar.
O valor económico dos serviços não financeiros
Finalmente, restam os serviços não financeiros, essencialmente não regulados, como é o caso dos NFT e do Metaverso, não sendo, aliás, por acaso que os primeiros ficaram de fora do regulamento MiCA. Porém, nada impedirá que estes serviços incluam ativos reais desde que a regulação o permita, o que também virá a acontecer.
Neste caso a especulação e a utilidade também viverão mãos dadas, sendo que esta última será medida pelo valor que os utilizadores estiverem dispostos a pagar pelo serviço, bem como pelos ativos subjacentes à proposta de valor. De notar que, mesmo sem especulação, esse valor também pode ser muito volátil, pois os comportamentos das redes sociais têm provado poder desencadear ao mesmo tempo grandes momentos de deslumbramento e de desilusão.
E este é o panorama resumido do valor económico subjacente aos vários tipos de criptoativos. Agora só falta investir naqueles que visivelmente vão criar real crescimento económico.
Paulo Cardoso do Amaral é Professor da Católica Lisbon Business School & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics