Aguiar-Conraria: “Governo só não foi demitido por falta de alternativa"
22-10-2017 - 22:41
 • José Bastos

“Não ter uma oposição montada e preparada para governar também é falha institucional”, defende o economista. “Marcelo está excepcional”, diz Nuno Botelho. ”É preciso mudar políticas”, afirma Carvalho da Silva.

Em dois dias de fogo morreram 106 pessoas. Em Pedrogão tudo correu mal num território limitado. No último domingo correu mal tudo e em todo o lado. Muito foi igual, mas muito foi diferente para poder ser - e continuar - igual. “O governo só não foi demitido porque nesta altura - não há alternativa”, é a tese de Luís Aguiar-Conraria, no “Conversas Cruzadas” deste domingo.

O professor universitário sustenta que se antes - no caso de Pedrogão - o argumento surpresa do fogo é relevante, já quatro meses depois, a repetição da tragédia justificava a queda do executivo. "No caso de Pedrogão temos de admitir que o governo tenha sido apanhado desprevenido com uma tragédia daquela dimensão, mas com a repetição quatro meses depois aceito que se possa dizer que o governo pudesse cair”, afirma.

“Digo mais: estou totalmente convencido que o governo só não foi derrubado na comunicação de Marcelo - apesar de ter estado sempre implícito nesse discurso de Oliveira do Hospital que não demite ministros, mas pode demitir governos - porque, de facto, neste momento não há oposição”, defende o professor da Universidade do Minho.

“No domingo passado o estado português falhou em vários sítios e de várias formas, mas não termos uma oposição montada e preparada para governar é também uma falha institucional. São também as instituições a não funcionar, porque sem uma boa oposição também não há Governo”, observa Luís Aguiar-Conraria.

Nuno Botelho: “Marcelo esteve excepcional”

O jurista Nuno Botelho não poupa elogios à intervenção do Presidente da República, diz, “à altura das circunstâncias” responsabilizando o Governo e transmitindo esperança.

"No seu discurso de Oliveira do Hospital, o presidente da republica deixou claro que não se coibirá de actuar da forma que bem entender ou seja, no limite com todas as consequências e até dissolvendo a Assembleia da Republica”, diz o presidente da Associação Comercial do Porto.

“Foi um ultimato do Presidente da República ao Governo. Marcelo diz que o ‘mudar de vida’ é um teste decisivo ao mandato que assumiu. Acho que o presidente teve um discurso absolutamente excepcional. Tenho de o dizer. O PR esteve à altura das circunstâncias. Transmitiu aos portugueses uma mensagem de serenidade e projectou sinais de esperança e ainda ‘chamou à pedra’ o governo para actuar”, sustenta o empresário.

“É aí que, acho, impende uma espada a António Costa que necessariamente o vai levar a actuar", indica o jurista Nuno Botelho para quem “se quebrou a relação de confiança entre o estado e os cidadãos. Se pensarmos bem os actos terroristas, este ano, na Europa fizeram menos mortos que Pedrogão e o último domingo juntos”, alerta Nuno Botelho.

Carvalho da Silva: “É preciso mudar de políticas”

Já o sociólogo Manuel Carvalho da Silva considera legítima o que define como a 'recuperação política' dos partidos à direita, mas critica o que diz ser “o tom e a personalização” de algumas observações de políticos e analistas políticos.

"É legítimo que a direita queira recuperar. O que vou dizer em nada pretende diminuir o respeito e o papel do Presidente da República e o próprio presidente até por causa da questão referida de que não temos agora a oposição organizada com propostas que sirvam a governação deste país, já tínhamos visto o presidente considerar a recuperação da direita como uma necessidade”, diz o professor da Universidade de Coimbra.

“O que digo é nesse plano existe esse direito de ser alternativa, mas façam-no com legitimidade democrática e com dignidade. Custa-me ver actores políticos ou comentadores com títulos como "100 mortos depois ministra demite-se" ou "erros de Costa custam vidas", porque a questão é muito mais complexa. Quando dizem que é preciso o governo mudar de vida eu direi que não é só o governo, é preciso mudar de políticas neste país. É nesse sentido que interpreto o apelo do presidente”, defende Manuel Carvalho da Silva.

Luís Aguiar-Conraria: “Apelo a um maior grau de exigência”

No “Conversas Cruzadas” defendeu-se ainda um maior grau de exigência do conjunto da cidadania face ao estado na sequência das tragédias da primavera em Pedrogão e no outono no norte e centro do país em que o fogo descontrolado levou à morte de, pelo menos, 106 portugueses.

“Continuo a apelar a que a sociedade civil especialmente quem tem voz, como é o nosso caso, seja mais exigente do que tem sido até agora e dou exemplos muito concretos em que acho que somos muito pouco exigentes”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

“Por exemplo, António Costa obrigado por Marcelo Rebelo de Sousa finalmente pediu desculpa, mas antes de o fazer, numa interpelação no parlamento começa por explicar porque não pediu desculpa, dizendo que as desculpas são para a vida privada e que na vida pública o que conta é a responsabilidade. Isto é mentira, porque em 2015 no episódio de figuras mal utilizadas nos cartazes do PS António Costa pediu desculpa aos visados”, sustenta o economista.

“E a ministra Constança Urbano de Sousa saiu, e de certa forma conseguimos perceber o desespero dela e temos alguma empatia, mas também é importante dizer que mentiu e isso não é admissível numa ministra. Disse várias vezes que não pedia a demissão e que isso não lhe passava pela cabeça e, portanto, ou mentiu no actual pedido de demissão quando escreve que há já quatro meses havia pedido o afastamento ou andou a mentir durante quatro meses. Não é admissível”, defende Luís Aguiar-Conraria.

“Mais: António Costa também andou a dizer que era uma "infantilidade" andar a pedir demissões de ministros, portanto, ou é irresponsável por manter ministra alguém que considera infantil - ela pediu a demissão algo que considera ser "uma infantilidade" - mantendo-a no MAI, um ministério demasiado importante - ou, mais uma vez, António Costa mentiu!”