A Organização das Nações Unidas (ONU) indicou nesta segunda-feira que o número de ataques tecnológicos para fins políticos ou militares, patrocinados por Estados ou não, quase quadruplicou desde 2015, alertando que as próprias redes sociais permitem disseminar a desinformação.
Num 'briefing' sobre tecnologia e segurança no Conselho de Segurança, convocado pelos Estados Unidos e focado no "uso de tecnologias digitais na manutenção da paz e segurança internacionais", a subsecretária-geral da ONU para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, Rosemary DiCarlo, manifestou grande preocupação com atividades maliciosas voltadas para infraestruturas que fornecem serviços públicos essenciais, de saúde e até humanitárias.
"Os benefícios das tecnologias digitais para a manutenção de paz e segurança internacionais são múltiplos. No entanto, os avanços na tecnologia também criaram novos riscos significativos e podem afetar a dinâmica de conflito para pior", alertou.
"Atores não estatais estão a tornar-se cada vez mais adeptos do uso de tecnologias digitais de baixo custo e amplamente disponíveis para prosseguir as suas agendas. Grupos como ISIL e Al-Qaeda permanecem ativos nas redes sociais, usando plataformas e aplicações de mensagens para compartilhar informações e comunicar-se com os seguidores para fins de recrutamento, planeamento e captação de recursos", disse DiCarlo.
Segundo a subsecretária-geral, a crescente disponibilidade de métodos de pagamento digital, como criptomoedas, traz desafios adicionais.
"Máquinas com poder e discrição de tirar vidas sem envolvimento humano são politicamente inaceitáveis, moralmente repugnantes e devem ser proibidas por lei internacional", apelou ainda.
Redes e desinformação
Outra das preocupações enumeradas por Rosemary DiCarlo é o uso crescente de 'apagões' da Internet, inclusive em situações de conflito ativo, que privam as comunidades dos seus meios de comunicação, trabalho e participação política, citando o caso específico de Myanmar, em que casos destes cresceram em número e duração desde o golpe militar de 1 de fevereiro de 2021, principalmente em áreas de operações militares.
Nem as próprias empresas donas das redes sociais escaparam das críticas das Nações Unidas, que frisaram que a resposta dada pelas companhias por vezes não é a mais eficaz para prevenir comportamentos criminosos.
"As redes sociais podem alimentar a polarização e, às vezes, a violência. O mau uso das redes sociais – e a resposta às vezes limitada ou não totalmente adequada das empresas de redes sociais – está a permitir a disseminação de desinformação, radicalização até chegar à violência, racismo e misoginia. Isso pode aumentar as tensões e, em alguns casos, exacerbar o conflito", afirmou DiCarlo perante o Conselho de Segurança.
Outro dos casos citados foi o da Etiópia, em que, com a escalada dos combates, se registou um "aumento alarmante" de publicações nas redes sociais espalhando retórica inflamatórias, como incitações a violência étnica.
A ONU também informou que a desinformação pode prejudicar a capacidade das suas próprias missões em implementar os seus mandatos, exacerbando falsidades e alimentando a polarização.
"No Iraque, por exemplo, após relatos de aumento do assédio online de candidatas femininas nas eleições do ano passado, a UNAMI [Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque] fez parcerias com organizações da sociedade civil para monitorizar o discurso de ódio, emitir relatórios públicos e fortalecer a educação do eleitor", explicou.
"Devemos abraçar plenamente as oportunidades oferecidas pelo digital para promover a paz. Mas, para isso, devemos também mitigar os riscos que tais tecnologias representam e promover o seu uso responsável por todos os atores", acrescentou.
ONU incentivada a ter papel mais ativo
Também o professor adjunto da Universidade McGill, Dirk Druet, foi um dos convidados a intervir neste 'briefing' do Conselho de Segurança e citou a guerra da Rússia na Ucrânia como um exemplo onde as tecnologias estão a ser usadas para moldar a narrativa pública.
Nesse sentido, Druet, que é investigador, consultor de políticas e estratego com mais de uma década de experiência no pilar internacional de paz e segurança das Nações Unidas, sugeriu que a própria ONU assuma um papel mais explícito e deliberado como ator da informação em ambientes de conflito.
Apesar das preocupações, a ONU frisou que as tecnologias digitais fazem parte do seu trabalho diário de prevenção de conflitos, pacificação e construção da paz.
Um desses casos é no Iémen, onde a Missão das Nações Unidas de apoio ao Acordo de Hudaydah (UNMHA) usou várias ferramentas de mapeamento, sistemas de informação geográfica e tecnologia de satélite para melhorar a sua monitorização do cessar-fogo na região.