Um dos debates que vai emergindo no panorama nacional é o de saber se o fenómeno populista, com laivos mais ou menos salientes de autoritarismo e mesmo de fascismo, que vemos surgir em tantas partes do mundo, constitui um cenário possível ou provável em Portugal.
O que vemos acontecer nos últimos anos nos Estados Unidos da América, na Hungria, na Polónia, nas Filipinas, na Venezuela ou na Itália, para só referir estes casos, ainda assim diferentes entre si, são sintomas de uma onda de que o Brasil é, nestes dias, o exemplo mais impactante.
Dir-se-ia que, em Portugal, o extremismo está controlado; que as instituições, apesar de tudo, funcionam; que foi, inclusivamente, possível romper, de forma pacífica, com uma ideia-feita – que o poder nunca poderia sair, sem risco de descalabro, do âmbito dos partidos do chamado centrão. Será que podemos estar sossegados?
Quem viu as imagens do ataque na Academia de Alcochete e o que são, em geral, as claques futebolísticas; quem vê a anomia de certas periferias dos grandes centros urbanos; as dificuldades de grande parte dos jovens encontrarem condições de autonomia e estabilidade, que lhes permitam viver e projectar o futuro; a repetição de casos de redes de corrupção envolvendo o poder político e económico ao mais alto nível; a desigualdade no acesso à justiça… quem observa tudo isto encontra razões para se questionar sobre se, verificadas certas condições, fenómenos análogos aos de outros países não podem vir a verificar-se em Portugal.
A isto importa acrescentar um fator para o qual recentemente alertava o jornalista António Guerreiro: o “populismo jornalístico”. Ou seja, a dramatização, sensacionalização e pessoalização dos assuntos públicos; a fuga à problematização em favor de um simplismo redutor; a encenação de tribunais em praça pública; a “despolitização generalizada da matéria política”, a contribuição para as “ondas de gritaria, tagarelice e teatralização enfática”.
Estas lógicas da atuação mediática, em que as paixões apagam a reflexão e as convicções se sobrepõem aos factos, reiteradas ao longo do tempo, não só não ajudam a combater um populismo latente como, pelo contrário, são susceptíveis de o alimentar.
Estamos limitados no mitigar dos efeitos dos populismos dos outros, a que não nos podemos furtar; mas já podemos fazer um pouco mais por atenuar os germes desse fenómeno, tais como se apresentam entre nós.