O secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) lamentou esta terça-feira o recurso à Bíblia na fundamentação de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, sobre violência doméstica, divulgado este domingo pelo “Jornal de Notícias”.
“Neste caso em que há uso incorrecto ou incompleto [da Bíblia], pois no episódio do encontro de Jesus com a mulher adúltera, ele pede àqueles que não têm pecados para atirarem a primeira pedra. Eles acabam por se afastar, simplesmente”, realça o padre Manuel Barbosa, em declarações à Agência Ecclesia.
Em causa, acrescenta o secretário da CEP, está a necessidade de – sem que isso represente "aceitar o adultério" – “respeitar a dignidade da mulher e de se colocar numa perspectiva de perdão e misericórdia”, como tem acentuado o Papa Francisco.
“Não se pode atenuar ou justificar qualquer tipo de violência, no caso a violência doméstica, mesmo em caso de adultério”, declara.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto justificou a manutenção da pena suspensa para um homem que agrediu a sua mulher, considerando que a conduta desta, ao manter uma relação extraconjugal, representaria uma atenuante vista com “alguma compreensão” pela sociedade.
“Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, refere a argumentação do acórdão, que provocou polémica nas redes sociais e críticas de organizações de defesa das mulheres e das vítimas de violência doméstica.
O texto não refere em específico qualquer passagem bíblica; o capítulo 20 do Levítico (terceiro livro do Antigo Testamento) determina, em orientações ao povo judaico, que “o homem adúltero e a mulher adúltera” sejam punidos com a morte.
Em Fevereiro deste ano, num encontro para a recitação da oração do Angelus, o Papa Francisco afirmou que Jesus Cristo dá um novo “cumprimento” à lei matrimonial, que deixa de ser vista à luz do “direito de propriedade do homem sobre a mulher”, como acontecia no Antigo Testamento.
A mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz de 2017 denunciava, por sua vez, a “violência doméstica” e os “abusos sobre mulheres e crianças”, em particular dentro das famílias.
O Sínodo dos Bispos sobre a família, que o Papa encerrou em Outubro de 2015, deixou uma mensagem de solidariedade às vítimas de violência doméstica e de maus-tratos, apelando a “uma colaboração estreita com a justiça para agir contra os responsáveis e proteger adequadamente as vítimas”.
Meses antes, Francisco tinha admitido no Vaticano que a separação pode ser “inevitável” para defender as vítimas, em casos de violência doméstica.
“Há casos em que a separação é inevitável. Por vezes, pode tornar-se mesmo moralmente necessária, quando se trata precisamente de poupar o cônjuge mais fraco ou os filhos pequenos às feridas mais graves causadas pela prepotência e a violência”, declarou o Papa, na Praça de São Pedro.