A Câmara de Lisboa aprovou a demolição do Palacete Touzet, em Alcântara, com a preservação de fachadas, para construir um novo edifício, projeto proposto em 2017 para alojamento turístico, que ficou suspenso e que agora será destinado a habitação.
Em reunião privada do executivo municipal na quarta-feira, o projeto de arquitetura para o palacete localizado na Rua dos Lusíadas 15-17 foi aprovado com o voto de qualidade do presidente da Câmara, Carlos Moedas (PSD), que governa sem maioria absoluta, após empate entre votos contra e a favor.
A viabilização da proposta foi possível com a abstenção dos três vereadores dos Cidadãos Por Lisboa (eleitos pela coligação PS/Livre), uma vez que houve sete votos a favor da liderança PSD/CDS-PP e sete votos contra da restante oposição, nomeadamente três do PS, dois do PCP, um do Livre e um do BE.
O projeto de arquitetura para intervir neste palacete em Alcântara foi inicialmente proposto em reunião de câmara em 2017 pelo então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado (PS), mas não chegou a ser votado, tendo o processo sido suspenso no âmbito da apreciação de uma petição em prol da preservação do imóvel enquanto "edifício histórico e patrimonial".
"Foi à época solicitada pelo vereador do Urbanismo em funções a promoção de reuniões com o arquiteto e requerente para encontrar uma solução com melhor enquadramento no local e privilegiando a preservação do edifício existente. Nesse momento, o uso proposto era de turismo", indicou a Câmara Municipal de Lisboa (CML) em resposta à agência Lusa.
A CML notificou "três vezes, entre 2018 e 2022", a empresa requerente do projeto, a Imolapa -- Imobiliária da Lapa, Lda, na qualidade de proprietária do imóvel, para que fossem introduzidas alterações que valorizassem o edifício preexistente, e foram realizadas várias reuniões de trabalho entre os serviços de Urbanismo e os autores do projeto, do ateliê Pardal Monteiro Arquitetos, "mas nunca foram submetidas alterações oficiais ao processo".
De acordo com a câmara, o estado de conservação do edifício agravou-se e, "à exceção das fachadas e da caixa de escadas, toda a construção está em estado avançado de ruína".
"A solução atual, corrigida em 2023 e agora aprovada em reunião camarária", por proposta da vereadora do Urbanismo, Joana Almeida (independente eleita pela coligação "Novos Tempos" - PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), "respeita os escassos valores patrimoniais suscetíveis de serem preservados, especificamente a fachada principal", realçou a CML, sublinhando que, ao contrário do proposto em 2017, "o projeto atual altera o uso para habitação coletiva, em vez de turismo, o que permitirá aumentar a oferta de habitação na freguesia de Alcântara com mais 15 fogos", dos quais um T0, um T1, cinco T2, três T3 e cinco T4.
A autarquia referiu ainda que a área permeável do logradouro incluída no projeto cumpre os critérios do Plano Diretor Municipal (PDM) de Lisboa, verificando-se que "37% é considerada área permeável, o que está acima dos 30% estabelecidos como valor mínimo", isto porque o cálculo não é feito com base na parcela total, mas com base na área total do logradouro.
Datado de 1888, o edifício foi atelier/sede da empresa de construção Touzet, fundada pelos construtores franceses Charles Vieillard & Fernand Touzet, autores de grande parte do património industrial edificado em Lisboa, como o conjunto arquitetónico da Central Tejo.
Em setembro de 2023, a associação Fórum Cidadania Lx alertou para o "perigo iminente" no Palacete Touzet, por "estar há vários dias com a porta escancarada, à espera muito provavelmente de uma catástrofe que viabilize, finalmente, a demolição de todo o conjunto histórico (logradouro incluído), conforme pretendido por alguns".
Sobre o projeto aprovado na quarta-feira, Paulo Ferrero, daquela associação, disse à Lusa que "a prática habitual da CML nos últimos 15 anos, relativamente ao património "entre-séculos", é sempre igual: demolição completa ou reabilitação faz-de-conta, como no caso presente, em que mantém a fachada principal, que fica engolida e esmagada pela "modernidade" do arquiteto Pardal Monteiro", questionando se a impermeabilização do logradouro é consentânea com as boas práticas.
Justificando a abstenção à proposta, a vereação dos Cidadãos Por Lisboa realçou que se trata de "um projeto inicialmente para turismo, mas que passou para habitação, recurso escasso na cidade" e lamentou que a CML não tenha equacionado a aquisição do imóvel, para que questões como a preservação do património arquitetónico pudessem ter sido dirimidas.
Entre os que votaram contra, o PCP considerou que o projeto "não salvaguarda o património construído e preconiza uma ocupação excessiva do logradouro que não cumpre o PDM nem o que deveria ser o interesse da cidade numa zona vulnerável a cheias", o Livre defendeu a preservação de mais elementos arquitetónicos, inclusive a caixa de escadas no interior do edifício, e o BE criticou a "autorização para habitação de luxo em património histórico, com demolição de quase tudo, mantendo apenas a fachada e tendo apenas 8% de área permeável no logradouro, na freguesia de Alcântara, que todos os anos inunda com as cheias".
A Lusa também questionou a vereação do PS, aguardando ainda uma resposta.