“Estamos convencidos de que se poderiam ter evitado algumas mortes e muito sofrimento aos feridos se este socorro tivesse sido mais pronto e melhor organizado.” Esta é uma das conclusões do grupo liderado por Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Este relatório, encomendado pelo Governo, foi entregue esta segunda-feira no Ministério da Administração Interna e aponta erros à Protecção Civil, mas também ao INEM, à EDP e à Ascendi.
O relatório, no seu sumário executivo, começa por concluir que o incêndio mais grave resultou das ignições em Escalos Fundeiros e Regadas, que terão sido causadas por contactos entre a vegetação e uma linha eléctrica de média tensão. A situação, lê-se no relatório, confugira “uma deficiente gestão de combustíveis na faixa de protecção da linha, por parte da entidade gestora”, leia-se EDP. Recorde-se que o relatório inicial da PJ atribuía o início do fogo a um raio.
Depois, no ataque a essas ignições, verificaram-se erros de avaliação e estratégia, como também indica o relatório da comissão técnica independente (CTI) entregue na semana passada no Parlamento.
“No ataque inicial ao foco de Escalos Fundeiros, foi desde logo reconhecido o seu potencial para se vir a tornar um grande incêndio, mas os meios disponíveis e o seu comandamento não se mostraram suficientes para controlar o incêndio, que apresentou uma dificuldade de supressão acima da média”, lê-se agora no relatório do grupo coordenado por Xavier Viegas. Já o incêndio de Regadas “foi menosprezado”.
Depois, mais tarde, entre as 20h00 e as 21h30, “desenvolveu-se uma autêntica tempestade de fogo”. O relatório da CTI também aponta falhas na prevenção e no ataque inicial, mas diz que foi logo a partir das 18h00 que a situação se tornou incontrolável.
Apontados os erros à EDP e à Protecção Civil, seguem-se as responsabilidades da Ascendi, a concessionária das vias. “A falta de limpeza da envolvente das estradas permitiu que muitas pessoas fossem colhidas em plena fuga, pelo fumo e pela radiação do incêndio, pelas chamas da vegetação em redor e mesmo por árvores caídas na própria estrada”, aponta o relatório entregue esta segunda-feira ao Governo.
A “quase totalidade das vitimas” morreu quando tentava fugir de carro. As pessoas que morreram em casa foi por terem algum problema de mobilidade ou de saúde, pelo que “a permanência em casa teria sido a opção mais segura”, indica o documento.
Este relatório valoriza um pouco mais os problemas de comunicações que o documento da CTI, considerando que “terá contribuído para a falta de coordenação dos serviços de combate e de socorro, para a dificuldade de pedido de socorro por parte das populações e para o agravamento das consequências do incêndio”. Mas a coordenação ficou “claramente afectada” quando se soube da existência de um elevado número de vitimas mortais.
“Não foi prejudicado apenas o combate, como também o socorro às vítimas feridas. Não foi feita uma operação de busca e salvamento em larga escala – em condições muito difíceis – para ir junto dos feridos e levá-los para locais onde pudessem ser tratados. Estamos convencidos de que se poderiam ter evitado algumas mortes e muito sofrimento aos feridos se este socorro tivesse sido mais pronto e melhor organizado”, diz o relatório, que também aponta a deficiências no apoio psicológico e no socorro médico e hospitalar.
Bombeiros mais profissionais
À semelhança do que diz o relatório da CTI, as condições em que ocorreu a tragédia de Pedrogão podem repetir-se, pelo que “importa por isso preparar o país para um tal cenário e evitar uma tragédia semelhante, que tem potencial de ocorrer em várias outras regiões de Portugal”. Como acabou por acontecer este fim-de-semana, já depois de este relatório ter sido concluído.
Para que a tragédia não se repetisse, o relatório faz várias recomendações. A começar pela responsabilização das autoridades públicas. “Não sendo tolerável a negligência que é constituída pela ausência de planos de defesa e de emergência, de execução de tarefas de prevenção e outras, deveria haver uma maior responsabilização das entidades e dos cidadãos encarregadas destas tarefas. Sem prejuízo da responsabilização, tão invocada, dos incendiários, deveria agir-se também perante estes casos de negligência na gestão, atendendo a que são altamente coniventes com as intenções dos agentes causadores dos incêndios”, recomenda o grupo liderado por Xavier Viegas.
Este grupo pronuncia-se contra as “evacuações compulsivas generalizadas”, considerando que os cidadãos que estejam física e psicologicamente aptos para defender as suas habitações não devem abandoná-las. Quanto têm de acontecer, as evacuações devem ser planeadas e executadas com antecedência.
No que este grupo insiste bastante, tal como a CTI, é na qualificação dos agentes de Protecção Civil, defendendo também maior profissionalização dos bombeiros.
“Defendemos que em todos os escalões haja uma melhor qualificação dos agentes de protecção civil, para conferir aos cidadãos a segurança e confiança de que serão socorridos sempre por pessoas qualificadas e da máxima competência. Reconhecemos que uma resposta mais pronta nas emergências carece de uma maior profissionalização dos Bombeiros. O país tem de continuar a valorizar a riqueza que constitui o voluntariado, mas deve dotá-lo de um enquadramento de maior exigência e disciplina”, escrevem os investigadores.
Também no campo do socorro são apontadas necessidades. “No campo da prestação de socorro médico em catástrofes como esta, há que melhorar muito a organização de um serviço de busca e salvamento, para prestar socorro e apoio sanitário, em todo o território afectado. Recomenda-se a criação de um comando dedicado a esta missão, que disponha de recursos para desobstruir estradas, entrar em casas que estejam a arder ou em colapso, e prestar socorro médico e capacidade de mobilização a sinistrados de vária natureza”, propõe este grupo à semelhança do que também defende a CTI.
E também como o relatório entregue na semana passada, o que foi esta segunda-feira entregue ao Governo recomenda que se promova uma maior ligação entre os recursos técnicos e de conhecimento hoje existentes e todas as tarefas de gestão de incêndios.