O Passismo passou. Com quase dois anos de atraso e, depois da sua falta de comparência enquanto oposição, os sociais-democratas conseguiram finalmente arrumá-lo no livro do passado. Custou a virar a página. Diríamos que levou tempo demais. Como o próprio Rui Rio levou também tempo demais a perceber que no silêncio forçado até chegar ao Congresso cada dia corria contra ele.
Perdeu o estado de graça mesmo antes de o conseguir merecer. Hoje, quando subir ao palco da FIL, já demasiadas espadas terão sido desembainhadas na esperança de um ajuste de contas em outubro de 2019. Mas Rio sempre surpreendeu pela sua conhecida resiliência. Talvez tivesse antecipado que o seu dia só chegará no sábado. Sexta-feira ainda será tempo de despedida dos últimos quatro anos de poder.
Não sei se algum dos congressistas teve a coragem de ler os números que o politólogo Pedro Magalhães revelou ao Público na edição de 16 de fevereiro. Mas a sua análise ainda pode ajudar os saudosistas do “não há alternativa” a fazer o necessário luto de um discurso fechado que lentamente levou muitos a abandonar o partido. A Passos o país ficará a dever o facto de nos ter salvo da eminencia da “bancarrota”, mas nem isso consegue esconder os efeitos da sua pesada herança partidária: a perda de 25 por cento dos votos obtidos pelo PSD/ CDS em apenas quatro longos anos, entre as legislativas de 2011 (em que foram separado) e as de 2015 (em que foram juntos na coligação PaF).
A sondagem da Aximage feita para o Jornal de Negócios e o Correio da Manhã sobre as características de Costa e Rio (embora requentada de um Agosto em que nem tinham ainda aparecido os fogos de Outubro) não é mais animadora sobre a garantia de uma vitória certa que todos exigem ao novo líder nas próximas legislativas.
Esses 25 por cento de votos perdidos em conjunto foram-no com a agravante de terem acabado com o chamado partido transversal a toda a sociedade: foram-se cerca de trinta por cento dos que se consideram pobres e que valem grosso modo um quarto do eleitorado “pafiano” nas contas do politólogo, 26 por cento dos desempregados que valem outro tanto e tinham votado na direita em 2011 , 23 por cento dos que viram alguém próximo perder o emprego, 16 por cento dos pensionistas , 12 por cento dos que vivem com menos de 750 euros, 16 por cento da classe dita “baixa”. Pobres, pensionistas, pequenos e médios empresários foram-se aproximando da geringonça de Costa. Não será fácil recuperá-los a todos, mesmo em esforço conjugado com os parceiros naturais à sua direita.
A Rui Rio resta agora recuperar esse país que se sentiu “traído” e desamparado e que à direita apenas encontrou consolo no ombro de Marcelo Rebelo de Sousa. O homem que irrompeu pelo último congresso para dar uma bofetada de luva-branca ao Passos que, teimosamente, lhe negava o apoio à corrida presidencial. Aquele homem “irritante” e “arrogante” como o descreveu o atual Presidente imitando a avaliação do povo de forma caricatural arrancando ora gargalhadas descontraídas dos mais críticos ora os sorrisos amarelos do próprio visado e do seu staff mais próximo.
Passos teve o mérito de, em tudo, se manter de uma coerência quase heróica. Mas essa coerência rapidamente se transformou à sua volta numa onda de arrogância e teimosia que mesmo bem-intencionada se foi afundando num quase ridículo a cada boa noticia para Costa. A eleição de Mário Centeno para presidente do Eurogrupo (depois da saída do procedimento de défices excessivos, dos défices cumpridos por excesso, dos empregos criados, do crescimento superado e do modelo exportador) transformou-se na estocada final.
Como dizer agora às bases que partiram à direita e à esquerda para outras paragens que os sociais-democratas voltaram com uma proposta alternativa à alternativa com a grande vantagem de não ter de dar contas a muletas “infrequentáveis", como o Bloco e o PCP. Que as “elites sulistas elitistas e liberais” que Luís Filipe Menezes tanto temia que chegassem ao poder com os apoiantes de Durão Barroso, mas Passos Coelho trouxe para a corte Lisboeta acabaram afinal. Que soluções como o vodka laranja da câmara de Loures (com o dinossauro das Caldas da Rainha do PSD e Bernardino Soares do PCP ) foram apenas isto: pragmatismo autárquico . Rio, por melhor que tenha trabalhado ao lado do PCP na Câmara do Porto, estará sempre imune ao ainda mais “detestável vírus” de uma aliança à esquerda.
Diabo pior do que a geringonça parece existir apenas um: qualquer proposta que de longe ou de perto soe a Bloco Central.
Rio fez bem em jogar por antecipação as armas de apaziguador. Antes do Congresso, já Santana estava no Conselho Nacional e a liderança da bancada entregue às mãos de Fernando Negrão, não apenas santanista, mas o presidente da sua comissão de honra. Mas o risco de chumbo só ficará afastado se o Congresso convencer o grupo parlamentar da bondade da escolha.
O que se pode dizer a um Congresso de que já toda a gente disse tudo? Que leiam com pausa a moção do líder? Talvez não. O risco de que a mesma seja interpretada como um corte é superior ao de ser naturalmente vista como uma saudável continuidade da politica anterior como Santana tanto defendeu em campanha. Talvez a Rio só reste uma solução apaziguadora que leve ao embainhar das facas. Como aconselhava Castro Almeida a meio da tarde de sexta-feira, mais do que conquistar o partido “conquistado” é preciso mostrar aos portugueses “que o PSD tem para o País uma proposta muito melhor do que Costa” e a sua “geringonça”. Será que consegue? E vai fazê-lo já ainda em resposta aos críticos que no sábado irão desfilar um a um ou só a partir de domingo e do discurso de encerramento? O tempo já não é muito e os ventos da Europa correm de feição para Costa.