A historiadora Irene Flunser Pimentel faz o retrato dos informadores da PIDE, "a figura mais odiada" no pós 25 de Abril, numa investigação que será publicada dia 26, mas preserva as identidades para não atingir as famílias.
O livro "Informadores da PIDE - A Tragédia Portuguesa" demonstra que a rede de grandes dimensões montada pela polícia política do Estado Novo é ainda uma realidade escondida que marcou a sociedade portuguesa do século XX, apesar da curiosidade que despertou logo após a Revolução dos Cravos.
"Curiosamente, quando lemos os jornais publicados logo após o 25 de Abril (1974), a figura mais odiada é a do informador. É absolutamente revoltante a figura do delator, do "bufo" ou do denunciante", disse à Lusa Irene Pimentel, que apresenta no dia 26 a longa investigação sobre os informadores da polícia política do regime fascista português.
"Impressiona o aperfeiçoamento, ao longo dos anos, do sistema de recrutamento de informadores em virtude da longevidade do regime e da existência de elementos da PIDE peritos na captação de informadores ou delatores", explica a historiadora à agência Lusa.
A investigação histórica demonstra que PIDE infiltrou todos os "grupos" que se mostravam contra o regime, desde os "reviralhistas" até aos republicanos, monárquicos ou militares descontentes e ainda o PCP, "que foi o principal alvo", sendo que muitos militantes comunistas foram "virados" depois de serem presos. .
O "perfil" do informador começa por ser o de pessoas de baixa condição social, "como a Polícia Judiciária" fazia, mas a polícia política também foi buscar pessoas às classes mais privilegiadas da sociedade portuguesa, como médicos, advogados, presidentes de câmaras municipais, governadores civis ou jornalistas.
Verifica-se também - ao longo dos 48 anos de regime ditatorial - a colaboração no "trabalho sujo" de muitas pessoas que não o faziam diretamente, como os administradores de empresas que pediam à própria PIDE para estabelecer redes de informadores nas próprias companhias. "A PIDE era muito importante para a obtenção do emprego porque era a polícia política que dava oficialmente a qualificação dos empregados da Função Pública e o Estado era o maior empregador do país", recorda Irene Pimentel, referindo-se à penetração dos métodos da polícia política no mundo do trabalho.
"Com as empresas privadas é a própria empresa que utiliza a PIDE para a introdução de uma rede de informadores, para evitar a presença de eventuais agitadores, e isto já não era oficial. Neste caso era a troco de dinheiro", refere Irene Pimentel, que dedica um longo capítulo aos "informadores no mundo do trabalho" e que incluiu a "folha" com os valores de pagamentos efetuados. .
Após quase cinco décadas após a Revolução ainda não se sabe quantos informadores colaboraram com a polícia política que recorria a métodos violentos, como a tortura de que foram vítimas os presos políticos ao longo de quase cinco décadas.
À semelhança de outras polícias políticas de regimes ditatoriais, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), criada em 1933, nomeada Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) em 1945 e renomeada Direção-Geral de Segurança em 1969 usou de forma recorrente informadores ou "bufos", palavra que ainda é usado atualmente pelos portugueses para se referirem a delatores.
No livro, a historiadora refere que ainda "não se sabe quantos informadores" teria a DGS em 1974, podendo, segundo algumas fontes, ter atingido entre dez a 15 mil indivíduos sendo que o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa ter indicado que o número de informadores atingiu os 20 mil no último ano do regime.
"O número atinge os milhares, sendo que a rede de informadores torna-se essencial para o trabalho da polícia política, muito mais do que a interceção postal ou a escuta telefónica", afirma Irene Pimental.
A historiadora sublinha que a "PIDE conseguiu transmitir a ideia de que "meio mundo" informava sobre o resto da população portuguesa, que escutava toda a gente e que intercetava toda a correspondência. A PIDE não estava por todo o lado, mas conseguiu passar precisamente essa imagem e conseguiu". .
Quanto ao estudo sobre o número real de informadores, delatores ou denunciantes, considera que "pode ainda ser feito mais", através dos arquivos da Comissão de Extinção da PIDE, que ainda não estão completamente abertos. .
Em particular, o novo livro de Irene Pimentel estuda - além da perseguição de militantes do PCP - os casos de vigilância a elementos da extrema-direita ou monárquicos e destaca o papel dos informadores da PIDE/DGS na Europa, sobretudo junto dos jovens refratários e desertores da Guerra Colonial (1961-1974) em França, na Bélgica e nos Países Baixos. .
Apesar de se terem passado quase 50 anos após o fim da ditadura, a historiadora, confrontada com as identidades dos informadores, decidiu manter os nomes "sob reserva" porque os filhos e os netos "não têm de sofrer por causa dos pais e avós que foram informadores ou torturadores". .
Assim os nomes referidos no livro são as identidades que já tinham sido tornadas públicas, sobretudo, na imprensa após 1974 ou em processos judiciais.
Finalmente, nas notas finais do livro, a autora de uma vasta obra sobre a polícia política portuguesa alerta que atualmente várias democracias introduziram ou estão a estudar a introdução da "delação premiada" que beneficia "um criminoso que trai os seus cúmplices de crime".
"Pode afirmar-se que, além de provocar a desconfiança, a divisão e a polarização nas sociedades democráticas, à semelhança do que acontece em ditaduras, a delação não deve ser incentivada em democracia" (página 546), escreve Irene Pimentel no livro sobre a história dos informadores da PIDE.
O livro "Informadores da PIDE - Uma Tragédia Portuguesa" (Temas e Debates, 591 páginas) vai ser apresentado no Teatro São Luiz, em Lisboa, no próximo dia 26 de maio.