As empresas podem vir a ser proibidas de contactar os trabalhadores fora do seu horário de trabalho. É o que pretende o Bloco de Esquerda, que volta a colocar em debate o chamado direito a desligar.
A medida consta de um ante-projeto de lei que a bancada parlamentar bloquista apresentou na quinta-feira no parlamento, e que visa regular o teletrabalho, mas a medida “abrange também os trabalhadores presenciais”, como explicou à Renascença o deputado José Soeiro.
Em declarações ao programa "Em Nome da Lei", da Renascença, Soeiro explica que "o direito a desligar já está previsto na lei, mas não é efetivado porque não lhe está associado um dever do empregador a não contactar o trabalhador nos seus períodos de descanso”. E é isso que o BE quer mudar, defendendo no seu projeto de lei que a violação do dever da entidade patronal a não contactar o trabalhador fora do seu horário de trabalho deve ser classificada pela lei como uma forma de assédio, considerada uma contraordenação muito grave, com eventuais consequências disciplinares e até penais.
Em 2019, o Bloco de Esquerda tinha já tentado fazer aprovar legislação com o mesmo objetivo, mas o PS chumbou o projeto. José Soeiro espera que "seja possível o consenso desta vez, depois da experiência que tantos em situação de teletrabalho têm vivido”, da invasão da vida pessoal pela profissional.
O professor de Direito do Trabalho Luís Gonçalves da Silva critica este e outros aspetos do ante-projeto de lei do Bloco de Esquerda que acusa “de falta de solidez, resultante do afã que existe à esquerda para ver quem primeiro tem a iniciativa legislativa”.
Quanto à gravidade que o projeto de diploma dos bloquistas atribui às situações em que a entidade empregadora contacta o trabalhador fora do seu horário de trabalho, o jurista diz que “para o Bloco de Esquerda, tudo é assédio”.
Luís Gonçalves da Silva reconhece no entanto que o ante-projeto do BE ”tem também aspetos positivos”, nomeadamente o de considerar que o domicílio do trabalhador também é local de trabalho, para efeitos de acidentes de trabalho e o facto de garantir o direito ao teletrabalho para quem tenha filhos menores de 12 anos ou dependente com deficiência ou doença crónica ,uma medida que considera” socialmente justa e adequada”. Adverte, no entanto, que “ não vale a pena alargar o catálogo de direitos, quando depois na prática o trabalhador não tem forma de tornar esses direito efetivos em tempo útil ,porque a Inspeção de Trabalho e os Tribunais do Trabalho estão paralisados”
O deputado do Bloco de Esquerda explica que, em relação ao direito de um pai ou uma mãe a poder optar pelo trabalho, se tiver filhos com menos de 12 anos, é apenas antecipar a entrada em vigor de uma diretiva que Portugal tem de transpor até Agosto de 2022. A lei já prevê o direito a requerer o teletrabalho para quem tem filhos até aos três anos. Do que se trata é de "alargar um pouco mais do que já prevê a diretiva, em vez de oito, os 12 anos”.
O ante-projeto de lei do Bloco prevê também que a entidade empregadora fica obrigada a pagar ao trabalhador os custos do teletrabalho, o que inclui as contas com eletricidade ,aquecimento, água e telecomunicações. A ideia é tornar esse pagamento um dever imperativo, não podendo ser afastado, nem por vontade do trabalhador. José Soeiro explica que” a modalidade de pagamento não fica definida na lei. Poderá ser atribuído um completamento salarial, ou qualquer outra modalidade ,a fixar por contratação coletiva”.
Apesar de, em alguns aspetos, o ante-projeto do Bloco de Esquerda remeter a regulamentação para a contratação coletiva, o dirigente da Fesap, José Abraão acha que o projeto "não a valoriza suficientemente” e considera também que está “pouco amadurecida e tem potencialidade para crispar as relações sociais”.
O secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública diz que “tanto a Fesap como a UGT querem que se caminha de forma cautelosa e que a lei remeta a regulamentação do teletrabalho para a negociação coletiva”.
Mais de um ano depois do primeiro confinamento, e depois de muitas promessas adiadas do Governo, parece que é desta que haverá novidades em matéria de teletrabalho. O PS promete um projeto de diploma até ao final do mês. E já se sabe que a intenção socialista é que fique preto no branco que os custos de energia, telecomunicações e materiais de trabalho sejam pagos pela entidade empregadora. A bancada socialista já anunciou também que vai mexer no direito do trabalhador a desligar e que a violação desse direito por parte do empregador seja considerado pela lei como assédio. PSD,PCP e PAN estão também a ultimar os seus projetos de diploma. E todos prometem clarificar a questão das despesas .O Bloco de Esquerda é no entanto, até agora, o único partido a ter apresentado um projeto de lei sobre a matéria.
O teletrabalho foi o tema em debate na última edição do "Em Nome da Lei", um programa da Renascença, emitido aos sábados - ao meio-dia e à meia-noite.