Bastonária defende advogado obrigatório para crianças em casos de regulação parental
01-06-2023 - 14:20
 • João Carlos Malta

A lei já prevê que os menores, como solução opcional, sejam representados por advogados. Mas segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, isso acontece poucas vezes. Há vantagem de ter um advogado a defender a criança e os seus direitos, numa altura em que o pai e a mãe estão habitualmente em conflito.

“A criança precisa de ter ela própria quem a represente e os pais, na maioria dos processos que envolvem as crianças, não são as pessoas adequadas para as representar. E é por isso que é importante que a criança seja representada também pelo seu próprio advogado.

É isto que defende, na Renascença, a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, sob o argumento de que, sobretudo nos casos de regulação parental, esta questão é mais evidente, uma vez que os pais estão normalmente de costas voltadas e os interesses são antagónicos, sendo, por isso, mais fácil a manipulação das crianças.

Fernanda de Almeida Pinheiro salienta que a possibilidade de menores serem representados em tribunal já está previsto na lei, mas que raramente se verifica. Daí propor que se torne obrigatório.

“Infelizmente poucas vezes isso é aplicado. A maior parte das vezes é o magistrado que pede um advogado para a criança. No meu entendimento, essa situação devia ser obrigatória. Estas pessoas não podem ser escolhidas pelos pais, porque não estão vinculados, mas há uma influência que considero que não é aceitável. Deve haver um sistema autónomo que a criança tenha acesso”, afirma, referindo-se ao sistema de advogados oficiosos pagos pelo Estado.

A mesma responsável diz que as crianças estão numa situação de especial fragilidade por não terem ainda capacidade de autodeterminação. “Precisam de alguém que olhe para os seus direitos”, assegura.

A bastonária relembra o caso da mãe a quem foram retirados sete filhos e que só devido à ação de duas advogadas a trabalhar em “pro bono” foi possível reverter uma situação injusta.

Para que os advogados que assumam estes casos estejam mais bem preparados, Almeida Pinheiro defende que devem ser “dotados de especiais meios”. “Temos mecanismos que nos permitem saber se a criança está ou não a ser manietada, é uma questão de formação, e de contato com os técnicos. As crianças ainda que inconscientemente são arrastadas para uma guerra que já não é conjugal, mas que é prolongada durante anos da vida da criança”, descreve.

A criança acaba por instintivamente tomar a posição de um dos progenitores por aquilo que ouve à sua volta”, acrescenta.

A bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, recorda alguns casos com que se deparou na sua atividade como jurista e da gravidade das situações que resulta dos processos de responsabilidades parentais. Em várias situações, as sequelas para as crianças foram permanentes na construção da sua personalidade.

Almeida Pinheiro defende que as separações são fases de rutura de que ninguém “sai incólume”. “As pessoas estão em grande sofrimento”, relata.

São crianças, filhos destes pais, são arrastados desde que nasceram para este “clima de guerrilha” e “vivem em modo de sobrevivência”.

Numa outra dimensão, a bastonária olha para a necessidade de proteção das crianças vítimas de abusos sexuais “é importantíssima”.

"E também aí os seus direitos judiciários têm de prevalecer sobretudo nas questões de audição das crianças para memória futura. Há que tentar reduzir ao máximo os termos em que são ouvidas. Muitas vezes, as crianças têm de repetir a história daquilo que lhes aconteceu inúmeras vezes perante técnicos perante o Tribunal, perante os advogados. Cada vez que estamos, por exemplo, a obrigar uma criança a fazer e a prestar estes depoimentos, estamos a revitimizá-la, porque ela está a vivenciar tudo novamente”, alerta.

A bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, dedicou este dia às crianças e acompanhou uma visita da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, ao Estabelecimento Prisional de Tires, Sintra, para visitar as crianças que vivem com as mães reclusas na creche, o infantário e a Casa das Mães. A tarde acompanhou o projeto de apoio a jovens vulneráveis no bairro de Camarate, em Loures.