“Portugal tem demasiados novos empregos com salário mínimo”, avisa vice-diretor do FMI
25-03-2019 - 14:35
 • Rui Barros , Sandra Afonso , com Lusa

O número dois de Christine Lagarde veio a Portugal deixar elogios, mas também avisos: Portugal tem de se tornar mais competitivo, numa altura em que parece haver nuvens negras a ensombrar a economia mundial.

Veja também:


O primeiro vice-diretor do Fundo Monetário Internacional, David Lipton, reconhece progressos na descida do desemprego em Portugal desde a última crise financeira, mas deixa críticas à forma como este desemprego está a baixar por se basear em emprego "que têm por base o salário mínimo".

"O desemprego tem vindo a cair de forma notável, e uma grande proporção dos postos de trabalho são permanentes. Mas demasiados destes novos empregos têm salário mínimo", lamentou Lipton, numa conferência do Banco de Portugal a decorrer esta segunda-feira. O vice de Christine Lagarde pede, por isso, uma “nova injeção de vitalidade no mercado de trabalho” para que o país possa competir a nível global.

Para o vice-diretor do FMI, a existência de um número excessivo de novos empregos com o salário mínimo significa que a economia portuguesa precisa de mudar para ser mais produtiva.

"O nível de vida do país não está a convergir para a média europeia, e não deverá acontecer nos próximos cinco anos, segundo as nossas projeções. O real desafio é melhorar as perspectivas de crescimento de longo prazo, ao mesmo tempo que se equilibram as contas. O que significa aumentar a produtividade e fazer com que Portugal possa participar na competição global pela prosperidade futura", defendeu Lipton.

Apesar das críticas ao emprego gerado nos últimos anos, Lipton não deixa de elogiar o trajeto da economia nacional, nomeadamente por ter mostrado que “existe um caminho a seguir superando as diferenças para fazer face a desafios comuns”. “Também é uma lição para o resto da Europa – na verdade, do mundo”, frisou o responsável do FMI.

“Portugal fez progressos notáveis desde o tempo do programa de ajustamento”, afirmou o número dois do FMI, indicando a redução da taxa de desemprego, que atingiu o pico de 16% em 2016, estando agora nos 7%, “o nível mais baixo desde 2004”.

O responsável do FMI frisou também a redução dos juros das obrigações portuguesas, que atingiam os dois dígitos em 2011-2012, estando atualmente o juro das Obrigações do Tesouro a 10 anos em cerca de 1,3%, “o que mostra um progresso notável”, frisou.

“Mas existe espaço para melhorar. A dívida pública continua muito elevada – cerca de 120% do PIB [Produto Interno Bruto] no ano passado, o terceiro mais elevado da zona euro e pouco provavelmente abaixo dos 100% até 2025”, antecipou.

David Lipton salientou também que, “no domínio da política económica, o conflito e a ação unilateral apenas aumentam as vulnerabilidades” e alertou que “países que seguem este caminho, em última análise, terão dificuldade em conseguir níveis mais elevados de crescimento de elevada qualidade”.

O céu está a cair? Não, mas vem aí o Brexit

Na sua intervenção, o primeiro vice-diretor do FMI enumerou um conjunto de riscos que se colocam à escala global, frisando que o crescimento global abrandou, incluindo na Europa, que as tensões comerciais continuam a penalizar a confiança, salientou as divisões políticas, as divergências económicas dentro da União Europeia, as vagas de migrantes e refugiados e o ‘Brexit’.

"Uma séria recessão pode ainda ser muito prejudicial, sobretudo para os países que ainda estão expostos ou não estão preparados. Esta fraqueza pode representar um significativo recuo na meta europeia para a conversão do nível de vida, produtividade e bem estar. Por outro lado, há paises que estão numa posição de força para enfrentar uma depressão, como a Alemanha, que continua a ter margem para aumentar a despesa. Onde surge então Portugal nesta imagem? Portugal fez uma recuperação notável desde o Programa de Ajustamento", defendeu o vice do FMI.

“Não estou a dizer que o céu está a cair. Não é isso. De facto, a maioria das previsões, incluindo a nossa, antecipa alguma recuperação na Europa ao longo dos próximos trimestres. Mas enfrentamos riscos e incertezas. E isso significa que todos os países precisam de renovar o seu compromisso com as reformas que vão suportar o crescimento agora e reforçar o crescimento potencial no longo prazo”, sustentou.

Contudo, o responsável alertou que “as ferramentas usadas para combater a crise financeira global podem não estar disponíveis ou não ser tão potentes da próxima vez”.

David Lipton alertou também que o espaço para medidas acomodatícias adicionais de política monetária “certamente será mais restrito”, que os recursos orçamentais podem não estar disponíveis em muitos países e que pode haver maior resistência política aos resgates “porque muitas pessoas sentem que aqueles que provocaram a última crise não assumiram a sua quota parte de culpa no processo de ajustamento”.