A residência de José Saramago na ilha espanhola de Lanzarote inaugurou “uma nova ‘fase literária’” do Nobel da Literatura português, defende o ensaísta Fernando Gomez Aguilera no prefácio da obra “A Intuição da Ilha”, de Pilar del Río.
O livro “A Intuição da Ilha. Os Dias de José Saramago em Lanzarote” é um registo da vivência de José Saramago (1922-2010) na ilha mais oriental do arquipélago canário, para onde se mudou em 1992, "deslocado pela ofensa e a censura e pela casualidade do azar", escreve o ensaísta e filólogo Gomez Aguilera, diretor da Fundação César Manrique, em Lanzarote, e curador da Fundação José Saramago.
“Lanzarote foi uma epifania para Saramago, o umbral que atravessou, cruzando o Atlântico, para inaugurar a sua segunda existência, em simbiose com Pilar del Río, que conhecera seis anos antes”, escreve o ensaísta e filólogo Aguilera.
"A renovada paisagem física que se acomodou na sua perceção diária encontraria correlato analógico numa recém-estreada paisagem interior, cujo eixo de rotação repousava sobre a sua mulher, Pilar del Río", realça Aguiler.
Em Lanzarote, o escritor português "restaurou o laço sensível da infância com o património natural". Saramago deu aliás esta indicação, tendo-se questionado: "será Lanzarote nesta altura da vida, a Azinhaga recuperada?", escreveu o Prémio Nobel da Literatura de 1998, referindo-se à sua aldeia natal.
“A Casa de Lanzarote estabeleceu-se como lugar de encontro e conversa, de abrigo e alegria, de esclarecimento e amizade, de consciência, participação e solidariedade”, acrescentou o ensaísta e poeta.
É destes encontros, valores, da literatura e dos afetos, da vida quotidiana, que dá conta a narrativa deste livro, escrito por quem partilhou a vida de Saramago e hoje preside à fundação com o seu nome.
Aguilera aponta a casa de Saramago na ilha espanhola como “uma autêntica embaixada cultural, repleta tanto de interações sociais como de imaginação criadora, pensamento político-social e cidadania preocupada com o bem comum”.
Para o poeta Fernando Gomez Aguilera, Pilar del Río tem “sem dúvida o ponto de vista mais legítimo e competente para alinhavar este relato”, detalhando “um mosaico de fragmentos complementares que remetem para um todo partilhado, um imaginário completo cuja gramática e conteúdos revelam a importância de uma fascinante arquitetura do dia a dia doméstico”.
José Saramago e Pilar del Río viveram desde 1992 até 2010 em Tías, no sul da ilha de Lanzarote.
Pilar del Río, nesta obra, “presta tributo ao fluxo da vida através de evidências expressas, do concurso entre os âmbitos domésticos e a revelação ponderada da privacidade”.
A obra é amplamente ilustrada com gravuras de Juan José Cuadrado, efetuadas propositadamente para esta edição, e inclui ainda 24 páginas, extratexto, com fotografias do arquivo da Fundação José Saramago, reproduzindo a “Carta Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos”, elaborada por mais de dois mil especialistas, após um repto lançado por José Saramago no discurso que proferiu na entrega do Prémio Nobel de Literatura, em Estocolmo, em 1998.
A iniciativa partiu da Universidade Autónoma do México em conjunto com a Fundação José Saramago, às quais se juntaram, entretanto, outras organizações, tendo o documento sido entregue ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em 2018.
“A Intuição da Ilha. Os Dias de José Saramago em Lanzarote” é apresentado no próximo dia 10 de setembro, às 16:00, no Auditório Sul da APEL, na 92.ª Feira do Livro de Lisboa, numa conversa da autora com a escritora e filósofa espanhola Irene Vallejo e o economista e ex-líder do Bloco de Esquerda Francisco Louçã.