É preciso exigir “responsabilidade civil” à diretora-geral da Saúde, afirma Álvaro Covões. O promotor de eventos culturais lamenta a falta de capacidade de resposta na testagem que está a afastar o público dos espetáculos. Em entrevista à Renascença, o diretor da Everything is New interroga-se: “quem é que vai para uma fila quatro horas para fazer um teste para ir ao cinema?”
Depois de logo de manhã ter escrito na sua página de Instagram que a obrigatoriedade de um teste negativo está a deixar, desde dia 25, as salas de espetáculo “vazias” e que assim continuarão até janeiro, Álvaro Covões participou esta terça-feira numa reunião da Associação dos Promotores dos Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE).
No encontro foram debatidas, entre outras temáticas, as novas medidas do Governo de combate à Covid-19, que exigem a apresentação de testes negativos para a entrada num evento cultural. Sobre a questão, Álvaro Covões aponta o dedo à Direção-Geral da Saúde (DGS).
“De facto as autoridades de saúde não têm experiência para gerir uma logística de multidões”, refere Álvaro Covões que organiza eventos culturais, como o Festival Nos Alive. Na sua opinião, “não é a mesma coisa que tomar decisões à secretária. É preciso ter a noção da escala”.
Covões lembra que “a APEFE alertou o Governo atempadamente”. “Nós temos a capacidade de cumprir as regras, o que importa saber é se vocês têm capacidade de aumentar a logística de testagem para satisfazer a procura”, diz o promotor que desde 1995 está neste ramo. Covões lamenta: “apesar dos nossos alertas, aconteceu”.
Sem capacidade de testagem, o setor cultural tem dificuldade em trabalhar e o público desiste. Álvaro Covões faz um paralelismo: “vai-se fazer um teste para ver os Rolling Stones, mas não se vai fazer um teste para ver um espetáculo que se pode ver daqui a três meses. Fazem-se testes para ir ver um Benfica-Porto, fazem-se menos testes para ir ver o Oriental com o Montijo, da terceira divisão”.
Álvaro Covões fala em “regras disfuncionais”, questiona o papel das autoridades de saúde e aponta o dedo a Graça Freitas. “Aconteceram coisas gravíssimas como nós assistimos a senhora diretora-geral de saúde a recomendar que as pessoas evitassem ajuntamentos nas festas de Natal. Então, o Governo, as autoridades de saúde e o parlamento criam regras de segurança para que a economia possa funcionar, como é que alguém, responsável máximo pela saúde, pode vir dizer, apesar das regras, não façam!?”, interroga-se.
O produtor de espetáculos é afirmativo ao dizer que a DGS “tem de ser responsabilizada”. Nesta entrevista à Renascença, Álvaro Covões diz que “este país tem de se organizar de uma vez por todas. Se as autoridades de saúde e o Governo, com o apoio de muitos especialistas chegam a um acordo com um conjunto de regras, não podem vir dizer, afinal não cumpram estas regras”.
Mas Álvaro Covões vai mais longe nas críticas, questiona “como é que é possível não haver um único partido que, por interesse próprio, não critique o facto de os eventos políticos não terem as mesmas regras dos eventos culturais”. Covões conclui: “esta coisa de se decidir em causa própria, é uma coisa muito pouco democrática”.
Pandemia provoca quebra de mais de 85% de espetadores
O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou, recentemente, os dados sobre a área cultural relativos a 2020. Álvaro Covões diz que são “uma tragédia”. O promotor de eventos lamenta os números e diz: “batemos no fundo”.
Os números mostram que em 2020 os eventos culturais perderam quase 86% dos espetadores. “Vem confirmar que fomos o setor económico mais prejudicado pela pandemia”, aponta Álvaro Covões.
No entanto, o promotor faz uma ressalva: “não podemos esquecer, quando olhamos para números de 2020, que houve dois meses e meio ainda a funcionar dentro da normalidade e que por sinal foram dois meses e meio fortíssimos.”
Ainda assim, Covões diz que os números só vêm “demonstrar que foi uma tragédia” e vêm confirmar que a cultura “deve ser o único setor em que 2021 vai ser pior do que 2020”.
O diretor da Everything is New aplaude a medida do Governo que encerrou as discotecas e “estabeleceu um plano de pagar os prejuízos que vão ter”. Mas questiona o que aconteceu na cultura. “Não nos fechou, mas pergunto se vai para uma fila de quatro horas para fazer um teste?”. A pergunta fica no ar.
[notícia atualizada às 23h38]