“O CDS tem de procurar votos para as suas ideias e não ideias para os votos”
16-01-2020 - 00:00
 • Eunice Lourenço (Renascença) e Sofia Rodrigues (Público)

Francisco Rodrigues dos Santos apresenta-se como o candidato à liderança do CDS capaz de “surpreender” e de fazer uma “renovação” nos seus quadros e “reposicionar” o partido como a “âncora da direita”. O líder da Juventude Popular assume-se como um conservador, mas assegura que deixa de fora da agenda do partido posições sobre a adoção gay ou a recriminalização do aborto.

Advogado, 31 anos, Francisco Rodrigues dos Santos, conhecido no partido como “Chicão”, defende que o próximo líder do CDS-PP tem de "ir ao terreno”, mobilizar o partido e a sociedade civil, e, por isso, a sua prioridade, se for eleito, não será a de assumir o lugar de deputado. A entrevista, ao “Público” e à Renascença, pode ser ouvida esta quinta-feira a partir das 13h00.

Por que é que decidiu candidatar-se à liderança do CDS?
Uma candidatura à liderança de um partido parte de uma declaração de vontade inequívoca e de uma certeza que o projecto que nos propomos liderar é a melhor resposta ao quadro político que o CDS atravessa. Eu aprendi, ao longo da minha vida, que não somos nós que escolhemos as nossas circunstâncias são elas que nos escolhem. O partido precisa agora de uma nova energia, de produzir um efeito novidade para devolver a esperança aos portugueses para fazer os eleitores voltar a acreditar no CDS e, por outro lado, para que os seus militantes possam acreditar na proposta política do partido.

Essa nova energia, este “aggiornamento” que o partido precisa, não se faz só com o um novo calibrar do discurso, precisa de dar espaço a uma nova vaga de protagonistas políticos, que lhes permita construir uma nova direita de um partido futuro, que não é passado nem do passivo. Isso obriga, naturalmente, também a uma renovação, a uma reestruturação interna, capacitando o partido de todos os instrumentos necessários para fazer política no século XXI. O último ponto é o reposicionamento. Temos de voltar a ocupar o espaço da direita para sermos competitivos para depois irmos para o centro para nos encontrarmos com os nossos adversários e vencermos essas batalhas.

Que instrumentos são esses?
No campo da reestruturação, o CDS tem de fazer uma transição digital e permitir que cada um, independentemente da sua circunstância, possa ter uma voz audível no partido e participar nos processos de decisão e virar o partido para fora. Precisamos de fazer um “rebranding” da nossa imagem para nos tornarmos um produto politicamente atrativo aos nossos eleitores.

Precisamos de liderar a agenda nas redes sociais e ter um discurso interativo para ter um diálogo com os nossos eleitores e compreender quais são os temas que os portugueses estão à espera que os partidos discutam.

Depois, de acordo com a nossa doutrina, com a nossa chave de pensamento, apresentarmos soluções concretas para o seu dia-a-dia. Por outras palavras, é nós termos a capacidade de procurar votos para as nossas ideias e não ideias para os votos. Se o CDS tiver essa capacidade, se reforçar a sua malha territorial a nível autárquico, vai fazer cumprir o sonho de Adelino Amaro da Costa que dizia que os sindicatos estão para os partidos de esquerda como as autarquias estão para os partidos democratas-cristãos.

Este é o edifício de futuro que o CDS tem de representar com uma linguagem gráfica e cromática acutilante e apelativa porque o nosso “core business” são votos e os nossos consumidores chama-se eleitores. O CDS tem de ser um partido disruptivo, a tal pedrada no charco, que tenha esta necessidade de se apresentar reinventado e ser a Primavera que a direita tem de atravessar para renascer. O partido tem que ganhar uma nova vida e é isso que propomos com esta candidatura: tornar o CDS um partido útil a Portugal.

O CDS tem de ser mais conservador e um partido da nova direita?
A nova direita não significa necessariamente que o CDS tenha de ser conservador. Há uma expetativa que os eleitores têm sobre o CDS: é que o CDS seja o CDS. Tem um rótulo, tem uma marca, tem 45 anos de História, tem militância, que é um grande fator competitivo que o distingue dos partidos emergentes. Não contorcer-se para se transformar em algo que nunca foi, mas ser coerente com os valores de sempre e causas consequentes.

Acha que, nos últimos anos, a liderança de Assunção Cristas não foi nada disso? O CDS andou à procura de ideias para os votos em vez de votos para as ideias?
O CDS entrou num processo de falência de identidade. Quando um partido perde a sua identidade, ninguém o identifica e torna-se indiferente e transforma-se em inútil. O CDS teve o prior resultado de sempre em legislativas e alguns erros têm que, naturalmente, ser assumidos. Não podemos projetar o futuro com base numa soma dos equívocos do passado. Hoje são descarregados nos cadernos mais dois milhões de eleitores do que em 1991 quando tivemos os mesmos 4% e cinco mandatos. E hoje temos dois partidos à nossa direita e nós gostávamos de dizer no CDS, à direita, era uma parede, não havia representação parlamentar. Em 1991 tínhamos um partido hegemónico, que era o PSD, que sempre que está com vitamina e dimensão eleitoral muito expressiva, o CDS ressente-se.

Acho é que o CDS tem de assumir uma coisa: não vale a pena tentar agradar a todos porque não existe nenhuma fórmula perfeita para o sucesso na política, mas há uma infalível para o fracasso. É queremos ser tudo e o seu contrário e querermos ser tudo ao mesmo tempo e no final de contas não sermos coisa rigorosamente nenhuma. Um partido das meias tintas, que reduz a substância à estética, que tem uma versão “hollywoodesca” da política, que em vez de vender uma ideia, quer vender um sorriso é um partido que se vai.

Acha que o CDS deve ter abertura para discutir e dialogar com o Governo?

O CDS tem de dialogar porque a política é a arte do possível e é feita da capacidade de nós gerarmos consensos. Mas consensos em torno daquelas que são as nossas ideias, não é as ideias dos outros.

Eu não quero uma direita que mimetize as soluções da esquerda e cujo discurso para cada área que é discutida seja reproduzido integralmente naquilo que a esquerda entende ou autoriza que a direita possa dizer. Eu não quero uma direita amestrada, mas que esteja disponível para sair da toca e batalhar com a esquerda esta guerra cultural que actualmente existe em Portugal em diversos assuntos.

O Governo, se tiver essa disponibilidade, pode prová-lo de uma forma muito simples: é aprovar as propostas do CDS que vamos submetendo na Assembleia da República e que visam melhorar a vida dos portugueses. Sobre essa matéria não haja dúvidas. Para nós só há um caminho seguro: fazermos e dizermos rigorosamente aquilo que acreditamos.

Como é que o CDS se deve posicionar ao Chega e Iniciativa Liberal? Já não pode dizer, como gostaria de dizer, que à direita do CDS não há nada.
Sim, exatamente. Neste momento houve essa alteração da superveniente da conjuntura parlamentar. Em primeiro lugar, o CDS tem de olhar para si próprio. E eu sou daqueles que acham que o nosso partido que sempre conquistou o seu espaço através da resistência, do inconformismo, da capacidade reformista, nunca foi um partido aburguesado ou instalado tem que valer por si próprio.

Não acho que a solução de futuro para o CDS seja a diluição nem uma política assente exclusivamente em alianças. O CDS consegue crescer a montante e a contento daquelas que sempre foram as suas ideias principais para o país e para a pessoa humana. Depois de ter a noção que deve apresentar aos portugueses uma alternativa que não se afirme por aquilo que aceita do socialismo, mas por aquilo que planeia fazer diferente dele: ser uma antítese, uma forma simétrica, mas uma proposta que é adversária do PS e das forças à esquerda.

Quanto aos partidos que estão à nossa direita, à semelhança do que é autorizado pelo “mainstream” à esquerda, que é dialogar, eu acho que o CDS também pode dialogar e estabelecer pontes à direita do PS. E acho que este é um desafio que nós não devemos hipotecar. Da forma como a tradição parlamentar evoluiu, em que não basta apenas vencer eleições, mas é necessário ter maiorias, eu não defendo uma federação das direitas.

Mas há muito quem defenda que, só através de uma federação das direitas, a direita voltará ao poder.
Eu não defendo, porque existem várias direitas. E acho que a riqueza do conceito de direita é precisamente poder fazer uma congregação de todas essas correntes. Elas não se devem fundir nem amassar para formar um bolo homogéneo. Defendo esta soberania partidária, mas que não impede que havendo um objetivo comum, que é derrubar a hegemonia da esquerda “gourmet”, bem-pensante e elitista em Portugal, e que possamos fazer um caderno de encargos onde haja uma assunção de compromissos globais, com todos os partidos que se sentam à direita do PS.

Todos?
Com todos, sim.

O que é que distingue hoje o CDS do PSD?
Há muitas coisas que distinguem o PSD do CDS. Desde logo porque o CDS não é um “catch-all party”. O CDS é um partido que gosta de arvorar, ter ideias claras, valores constantes, causas consequentes. Gosta de ser um partido que não tem uma visão utilitarista do poder, que não acha que o objetivo é a conquista do poder por si mesmo. O CDS afirma categoricamente e de forma muito cristalina ao que vem e aquilo que pensa. Enquanto o PSD usa muitas vezes aquilo que eu gosto de designar como “a estratégia da Ruth Marlene”. Ainda agora tivemos o vencedor das diretas à primeira volta dizer que uns dias se sente de esquerda e outros se sente de direita: nuns dias pisca os olhos à esquerda e noutros pisca os olhos à direita e vai assim nesse fandango.

Já se mostrou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção de crianças por homossexuais, defendeu a criminalização do aborto. Acha que o CDS deve ter essa agenda?
A maior parte desses temas perderam a atualidade. Eu não disse que sou contra o casamento homossexual. Acho que o Estado pode colocar a chancela entre união de pessoas do mesmo sexo. Eu não lhe chamaria casamento pela circunstância de que é um instituto que antecede o Estado, tem uma origem canónica e que devia ser criado uma figura e uma designação que não fosse essa. É só isto. É um tema que perdeu atualidade e não é um tema que eu queira repristinar na minha ação política.

Quanto à adoção por casais homossexuais, o que eu defendo é que a questão deve estar centrada no superior interesse da criança. E eu acredito na biparentalidade e acho que o masculino e o feminino são vetores importantes para o desenvolvimento harmonioso da criança. Não é uma questão que se prende com a orientação sexual. Também acho que é um tema que neste momento não se coloca na agenda política.

O terceiro ponto é o aborto. Eu não proponho criminalizar o aborto. Se me pergunta se concordo com esta solução legal, eu não concordo com ela na medida em que na minha opinião o aborto não deve constituir uma opção. E de que forma é que conseguimos mitigar o problema do aborto, sobretudo num país que tem um saldo natural negativo há mais de dez anos consecutivos: é permitir ao Estado oferecer soluções do ponto de vista social a essas mães em que estão numa situação em que ponderam o aborto.

Os nossos temas são outros. O CDS deve ter um pacote político de apoio à família, de apoio à natalidade, com incentivos fiscais, com uma flexibilização das licenças parentais, com uma rede de creches e pré-escolares aberta a toda a sociedade portuguesa.

Numa entrevista, em 2016, dizia que achava que se devia voltar à lei do aborto anterior. Houve uma evolução do seu pensamento ou é tendo em conta as circunstâncias?
Uma coisa é o sentimento individual que cada um carrega. Eu considero que o aborto é um comportamento reprovável, do ponto de vista ético e moral. Outra coisa é achar que as mulheres devem ser encarceradas porque praticam o aborto, que de resto não era isso que estava a acontecer em Portugal e a nossa tradição da jurisprudência não era para aí que indicava. Isto é uma questão concreta.

Outra coisa, que nunca me perguntaram, era, quais seriam as minhas prioridades. Perguntaram-me sim a minha opinião sobre estes temas. E eu quero-vos dizer isto: nunca tive uma posição sobre estes assuntos nem além nem aquém das posições do partido. Eu nunca me mexi nem me desloquei. Defendi sempre ipsis verbis as posições oficiais do partido que subscrevo. Não sei porque é que é tema no CDS.

Uma coisa é defender as posições oficiais do partido, outra é defender que se volte atrás.
Não foi isso que defendi. Defendi é que os nossos temas devem ser esses. Políticas de família, combater a escravatura fiscal, reformar a nossa Administração Pública e reformar o sistema político através de uma revisão constitucional que possa aproximar os decisores políticos dos eleitores fugindo assim que cada direção esteja condicionada aos diretórios partidários e possa exercer as suas escolhas com mais liberdade.

Se for eleito líder do CDS vai querer assumir o seu lugar de deputado?
Essa não é uma prioridade. Acho que a Cecília Meireles é uma ótima deputada e essa pergunta procurarei responder de forma muito direta. Eu não acho que os problemas do CDS ao longo dos últimos quatro anos tenham tido como epicentro a atividade parlamentar do partido.

O que é que o CDS precisa hoje em dia? De um líder que vá a terreno, que consiga mobilizar os militantes que estão desencantados, que fale olhos nos olhos com as pessoas e possa abrir as portas do partido à sociedade civil para construir um programa que esteja entrelaçado com as pessoas.

Este é o Partido Popular que eu defendo. É um partido interclassista, multidisciplinar, que representa todos os portugueses e que não é uma direita do Príncipe Real, mas é uma direita do país real, altamente descentralizado. Isto requer disponibilidade. Um líder que está fechado no Parlamento que pertence a um grupo que só tem cinco deputados, está muito limitado nas suas funções. O líder do CDS tem de estar diariamente no campo. E vamos lá ver uma coisa, se o problema do CDS nos últimos quatro anos fosse a sua prestação em sede parlamentar, o CDS não teria tido 4%. Façamos justiça a Assunção Cristas, foi a única líder partidária que conseguiu incomodar e importunar verdadeiramente António Costa. Quero um partido virado para fora com um líder que seja esse farol.

Como candidato, Manuel Monteiro disse que lhe daria apoio se lhe pedisse. Já o fez?
Eu tenho um princípio na minha vida para tudo sem exceção e a política é apenas mais uma variável. Eu não gosto de pedir nada a ninguém. Eu gosto de merecer. Acredito numa cultura de mérito em que a nossa vida é quase composta por espelhos, em que nós devemos receber na medida daquilo que damos e ser-nos permitido alcançar um retorno do nosso investimento, do nosso esforço e das nossas capacidades. Eu não vou mendigar apoios a ninguém mas vou também dizer uma coisa, não vou rejeitar apoios independentemente da sua natureza. Gostaria de ter apoio expressivo dos nossos delegados ao congresso para que na votação da moção de estratégia possamos atingir um objetivo que é pelo menos 50% dos votos dos congressistas.

Admite alianças com outros candidatos de forma a ser a sua a moção mais votada e ser o líder eleito?
Vou levar esta moção a votos. Há uma norma não escrita, que corresponde a uma tradição do partido, em que o primeiro subscritor da moção mais votada tem o direito de apresentar candidatura aos órgãos nacionais do partido, sendo que os que foram derrotados ficam inibidos de o fazer. Eu, para atingir esta maioria, estou disponível para integrar todos os que se reveem no caderno de encargos nesta visão de futuro para o CDS. Aqueles que têm discordâncias e por não se identificarem neste caminho não poderão entrar nesta locomotiva em andamento, que acho que vai vencer o congresso.

Mas os outros candidatos não ficam inibidos de apresentar uma lista à comissão política.
É uma decisão que lhes caberá a eles.