Paulo Morais apresenta "O pequeno livro negro da corrupção". "A política transformou-se num meganegócio"
18-09-2020 - 06:35
 • Celso Paiva Sol

“O pequeno livro negro da corrupção” é a mais recente obra de Paulo Morais, o professor universitário que tem feito desta temática uma causa de vida.

"O pequeno livro negro da corrupção" é o mais recente trabalho do autor Paulo Morais. A obra é apresentada esta sexta-feira, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Organizado como um dicionário, apresenta de A a Z casos e protagonistas desde o 25 de Abril, embora o autor reconheça, em declarações à Renascença, que, “se quiséssemos falar da corrupção em Portugal nos últimos 30 anos, não podia ser um pequeno livro negro, teria que ser uma grande enciclopédia com 40 e tal volumes”. Confessa que é uma espécie de registo para memória futura, apenas “uma amostra de quem têm sido os malandros que andam a destruir a nossa vida”.

Paulo Morais considera que a corrupção em Portugal é sistémica e deixa críticas a todos os setores que têm contribuído para o seu enraizamento, desde a supervisão bancária, à investigação criminal, passando pelas classes política e empresarial.

E tudo começa nos partidos que “em Portugal mandam em quase tudo. Colocam os seus agentes na política, na administração central e nos cargos autárquicos, com dois grandes objetivos: primeiro, fazer negócios para privilegiar os financiadores dos partidos, e, para além disso, arranjar lugares para que os seus apaziguados mantenham esta máquina a funcionar. A política transformou-se num meganegócio”.

Paulo Morais dá como exemplo o funcionamento das comissões setoriais da Assembleia da República. “A comissão de obras públicas, por exemplo, tem deputados que deveriam tratar das questões de obras publicas na perspetiva do interesse publico, mas não é isso que acontece. O presidente é um deputado do PSD que se chama António Topa que tem empresas de obras públicas, o vice-presidente é o Pedro Coimbra do PS que também está ligado às obras públicas, o deputado Emídio Guerreiro do PSD está ele próprio ligado a uma empresa de obras públicas. Temos deputados que deveriam estar a pensar no interesse do povo, e estão, em vez disso, a utilizar o lugar para ter informação privilegiada, para influenciar a legislação e ter acesso aos decisores do estado que lhes permite ter mais encomendas que os seus concorrentes”.

O papel das grandes sociedades de advogados

Há décadas a analisar a evolução do crime económico, este professor universitário, que já foi autarca, candidato à presidência da república e fundador da Associação Integridade e Transparência, destaca a cada vez maior influência dos grandes escritórios de advogados.

São eles que “vão urdindo a teia que permite que esses negócios se façam de forma legal, ou aparentemente legal, ou mesmo quando ilegal de forma camuflada. Porquê ? Porque a grande legislação na área da contratação pública, das obras públicas, do ambiente, do ordenamento do território, do urbanismo, aquelas que envolvem muito dinheiro, já nem sequer tem sido elaborada no Parlamento ou no Governo. Esta legislação é subcontratada às grandes sociedades de advogados, que ganham em dois carrinhos. Ganham porque fazem a legislação e depois porque vão vender aos privados os alçapões que eles próprios introduziram na lei e ensinar-lhes como é que se engana o estado nesta matéria”.

A saída de Joana Marques Vidal soou a saneamento

“O pequeno livro negro da corrupção” também não poupa quem devia investigar estes casos e, aqui, Paulo Morais isola a ex-Procuradora Joana Marques Vidal como a única líder do Ministério Publico que teve coragem para atacar o problema.

Por isso mesmo, diz que, “fazendo uma análise política ao afastamento de Joana Marques Vidal, devemos ficar muito preocupados. É no momento em que Marcelo Rebelo de Sousa é presidente e António Costa primeiro-ministro, que a Procuradora que decidiu algo muito difícil como foi investigar e prender Jose Sócrates e investigar a sério Ricardo Salgado, figuras próximas de um e de outro, que mudam o Procurador geral que tinha incomodado os amigos de ambos. Soou a saneamento”.

Paulo Morais garante que não teme as consequências de citar dezenas de nomes, tanto de pessoas como de instituições, uma vez que diz estar seguro e documentado sobre tudo o que escreveu.

De resto, diz também estar habituado a estar “metido em trabalhos, porque é isso que acontece a todos os que denunciam a corrupção".