As épocas de crise têm o mérito de abrir o debate sobre muitos temas importantes. Psicologicamente, crise significa a escolha entre tendências divergentes e supõe mudança e evolução que, em si mesmas, são uma oportunidade de desenvolvimento e de prosperidade individual e coletiva. Mas aconselharia o bom senso, esse bem escasso, que tivéssemos aproveitado a travessia de águas calmas para refletir, planear e mudar através de decisões inteligentes e ponderadas.
No entanto, quando tudo parece fluir com harmonia, sentimo-nos irremediavelmente atraídos para a complacência e a acomodação. Por isso mesmo a realidade se torna ciclicamente implacável com os desatentos e, assim, os efeitos organizacionais e individuais desencadeados pela pandemia, atabalhoadamente, promoveram dramáticas alterações na relação das pessoas com as instituições, tais como a política, as Igrejas e o trabalho, apanhando as lideranças distraídas. O debate vai longo e não muito produtivo.
Uma parte interessante do comportamento humano é a relação entre o desenvolvimento da pessoa e a relativa estabilidade que esta alcança ao tornar-se adulta. Daí resulta que, se a história, a literatura e a arte, sabedoria peneirada pelo tempo, encontram meios de nos ensinar muito sobre a nossa condição atual e futura, a psicologia pode encontrar padrões. Mas como as ciências humanas lidam com problemas muito complexos, uma relação causal nem sempre é possível de estabelecer.
No entanto, podemos viver melhor com uma relação probabilística do que entregues à emoção e ao acaso. Da adoção desse acaso parece emergir um outro padrão, o de uma agitação descoordenada e infrutífera erigida em defesa de estilos de liderança que, ou se apoiam na competição desenfreada, ou vingam como crença mágica no papel da tecnologia, ou se aproveitam de uma ideia vaga e impossível de bondade universal. Cada um destes “estilos” segue ao arrepio da natureza humana e, podendo dar alguns resultados iniciais pelo efeito “mudança”, obstaculizam uma evolução saudável das organizações e das pessoas que as fazem.
Partilho a convicção de que uma liderança eficaz é uma liderança transformativa, isto é, aquela que promove o desenvolvimento constante e sustentado de todas as partes a partir de um bom conhecimento psicológico e de uma ação alicerçada numa ética de bem comum, isto é, uma liderança moral baseada na integridade. A integridade oferece ao líder as caraterísticas necessárias para a segurança, a flexibilidade e a generosidade que os liderados precisam de nele/nela encontrar: honestidade, honra, justiça, imparcialidade e incorruptibilidade.
A perceção continuada da integridade – de um líder responsável – é a única condição capaz de transformar os liderados numa equipa verdadeiramente motivada, pois só a integridade oferece oportunidade e sedimento para a esquiva e frágil confiança. Por sua vez, o retorno em confiança é também a base na qual o líder encontra os requisitos para alimentar e manter constante, na relação com os outros, uma atitude de escuta e de serviço. A partir daqui há condições efetivas para a cooperação e para o diálogo que esta sugere, mantendo a janela aberta para alguma competição inteligente, que também faz falta, num sistema de apoio mútuo, inovador e seguro. O demais é pura conversa.
Todas estas características de liderança transformativa devem ser ensinadas durante a adolescência, quando os jovens estão a lutar pela sua autonomia moral e adquirem um entendimento da vida capaz de abstração e de uma empatia universal. Neste âmbito, devemos saudar, e apoiar, o programa RedEscolas da All4Integrity que, na sua segunda edição, juntou 50 escolas em Portugal, Moçambique, Macau e Irlanda no Norte.
Liderados por professores que entendem as necessidades dos seus alunos como enquadradas na promoção de uma sociedade melhor e que, mostrando mestria pedagógica e compromisso social e ético, trabalham em equipas multidisciplinares para promover debates, palestras e exposições, assim como favorecer o diálogo através das redes sociais e dos jornais escolares em torno da integridade. Com jovens a crescer num ambiente que a favorece, teremos certamente adultos com melhores capacidades de liderança, motivados pelas possibilidades de transformação de uma sociedade mais humana e mais justa, empreendedores no sentido pleno do termo. Só poderemos ganhar com isso.
O tempo urge, não apenas pelos enormes estragos da pandemia, das guerras e das crises económicas, mas pela intensa deterioração a que o nosso sistema social, económico, espiritual e político está a ser submetido. Às lideranças que nos podem levar ao futuro devemos ensinar, aprendendo na escola dos poetas:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Fernando Pessoa, em "Ricardo Reis" (1933)