Operação "Jackal". Portugal é "um paraíso" para máfias estrangeiras
11-08-2023 - 20:30
 • Miguel Marques Ribeiro

Uma operação da Interpol conduziu à detenção de 31 pessoas em Portugal e levantou o véu sobre a "Black Axe", uma organização criminosa com origem em África. Para André Inácio, do Observatório de Segurança, "somos periféricos na Europa, mas centrais nas redes" de tráfico.

Uma operação da Interpol, revelada esta sexta-feira, identificou a presença em Portugal de uma organização criminosa internacional chamada "Black Axe" (“Machado negro”, em português).

A operação, designada ‘JACKAL’, desenvolveu-se em 21 países durante a segunda quinzena de maio, num esforço global de combate aos crimes de fraude informática e branqueamento de capitais alegadamente cometidos por esta organização originária de África.

Para o especialista do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), André Inácio, não é surpreendente a presença em Portugal deste grupo, pois o país funciona como "um paraíso para este tipo de redes". "Somos periféricos na Europa, mas centrais no que são as principais redes de comunicação e de tráfico no mundo", refere.

Em Portugal, a investigação teve a participação da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T), da Polícia Judiciária, e uma parte significativa dos resultados da operação coordenada a nível internacional pela Interpol acabou mesmo por ser obtida no nosso país.

Dos 103 criminosos detidos a nível global, 31 encontravam-se em território nacional (14 deles com nacionalidade estrangeira).

Algo semelhante se passa com o dinheiro apreendido: dos 2,15 milhões de euros considerados "sujos", 1,4 milhões foram "caçados" pela polícia portuguesa. O mesmo se pode dizer das contas congeladas: meia centena são portuguesas, de um total de 208 contas bancárias.

Isto traduz uma atividade relevante do grupo em território nacional que o coordenador da unidade da PJ, Carlos Cabreiro, interpreta como resultado da “proximidade” de Portugal com África.

André Inácio, contudo, vai mais longe, considerando que é impossível que as redes que se instalam na Europa não constituam uma base sólida em termos logísticos e operativos em Portugal.

"O país serve para questões logísticas, para se fazer a gestão de numerário, para a obtenção de documentos falsos, serve para garantir toda uma logística em termos de transportes, de alojamento", afirma.

O modus operandi da "Black Axe", relata a PJ, baseia-se na prática de esquemas de burla que são relativamente conhecidos pelas autoridades.

Entre estes incluem-se as "Cartas da Nigéria" (mensagem enviada por email com proposta de negócio falso), os dólares negros (um esquema de falsificação de notas) e o "CEO Fraud", também conhecido como "mandate fraud" ou "business email compromise" (uma fraude cometida intrometendo-se os criminosos nos emails das empresas).

A Black Axe é “conhecida em África e na Nigéria, pela prática sistemática deste tipo de ilícitos: fraudes financeiras praticadas com meios informáticos e o branqueamento de capitais”, resume Carlos Cabreiro.

"Funcionam como uma autêntica máfia", acrescenta André Inácio. "Trabalham sobretudo ao nível do tráfico de pessoas, das fraudes na internet e dos assassinatos", garante o membro do Observatório de Segurança, que teme que "alguma da violência" exercida pela rede "se venha a manifestar" no país, mais tarde ou mais cedo.

"Black Axe". A seita que se transformou num grupo de crime organizado

Uma investigação da BBC realizada durante dois anos, e revelada em 2021, permitiu perceber um pouco melhor a forma como este grupo do submundo do crime se organiza.

A BBC teve acesso a documentação descritiva das atividades ilícitas da rede através de um denunciante. Este protege-se por detrás do pseudónimo Tobias, com medo de sofrer represálias.

O grupo formou-se nos bairros problemáticos de cidades como Benin, na Nigéria e em pouco mais de uma década, diz o denunciante à BBC, conseguiu espalhar-se “por todo o mundo”, atingindo os 30 mil membros e gerando milhares de milhões de dólares de receitas para os seus cerca de 30 mil membros.

"Eles difundiram-se por toda a Europa, Ásia e América do Norte e do Sul", diz Tobias à BBC. "Não é um clube pequeno, mas sim uma organização criminosa incrivelmente grande."

Não se trata de forma alguma, sublinha a investigação jornalística, de crimes cometidos por hackers isolados sentados ao computador, mas de “operações colaborativas, organizadas e extremamente lucrativas, que às vezes envolvem dezenas de indivíduos trabalhando juntos em mais de um continente”.

Carlos Cabreiro, da PJ, reconhece que o grupo tem “uma estrutura bem definida, com líderes”, uma equipa de “criminosos profissionais e técnicos que estão na base dos crimes cometidos”.

"Têm uma estratégia muito bem definida" e são um "grupo extremamente bem organizado, que tem a sua fonte de recrutamento junto de estudantes universitários, gente que ainda tem um espírito moldável. Alguns são voluntários outros são voluntários à força, porque são coagidos", acrescenta André Inácio.

Outro traço característico é que se trata de um grupo extremamente violento. “São conhecidos por serem um grupo que utiliza a violência, de estilo mafioso”, declara o diretor da UNC3T.

A BBC divulga relatos de trocas de mensagens entre os membros do grupos, que são conhecidos como “Axemen” com fotos de pessoas assassinadas e até de uma contagem de mortos feita em disputa com os grupos rivais, como se de um jogo se tratasse em que cada morte corresponde a um ponto.

Uma prática que funciona como uma "forma de dissuasão para opositores e de afirmação de poder", explica o membro do Observatório de Segurança, André Inácio.

Isto faz com que a “Black Axe” seja também conhecido como uma “seita”, em referência aos “rituais secretos de iniciação e à forte lealdade dos seus membros” acrescenta a BBC.

"Começaram como sendo uma seita, aproveitando todo o descontentamento que existe [na Nigéria]. Têm um ritual de iniciação", que depois evoluiu para a dimensão de "um crime organizado", conclui André Inácio.

Entre as diversas mensagens a que BBC teve acesso, algumas “contém planos de expansão global”, um objetivo que a Interpol tenta contrariar através de operações de grande escala, como aquela que esta sexta-feira se tornou do conhecimento público.