Uma operação da Interpol, revelada esta sexta-feira, identificou a presença em Portugal de uma organização criminosa internacional chamada "Black Axe" (“Machado negro”, em português).
A operação, designada ‘JACKAL’, desenvolveu-se em 21 países durante a segunda quinzena de maio, num esforço global de combate aos crimes de fraude informática e branqueamento de capitais alegadamente cometidos por esta organização originária de África.
Para o especialista do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), André Inácio, não é surpreendente a presença em Portugal deste grupo, pois o país funciona como "um paraíso para este tipo de redes". "Somos periféricos na Europa, mas centrais no que são as principais redes de comunicação e de tráfico no mundo", refere.
Em Portugal, a investigação teve a participação da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T), da Polícia Judiciária, e uma parte significativa dos resultados da operação coordenada a nível internacional pela Interpol acabou mesmo por ser obtida no nosso país.
Dos 103 criminosos detidos a nível global, 31 encontravam-se em território nacional (14 deles com nacionalidade estrangeira).
Algo semelhante se passa com o dinheiro apreendido: dos 2,15 milhões de euros considerados "sujos", 1,4 milhões foram "caçados" pela polícia portuguesa. O mesmo se pode dizer das contas congeladas: meia centena são portuguesas, de um total de 208 contas bancárias.
Isto traduz uma atividade relevante do grupo em território nacional que o coordenador da unidade da PJ, Carlos Cabreiro, interpreta como resultado da “proximidade” de Portugal com África.
André Inácio, contudo, vai mais longe, considerando que é impossível que as redes que se instalam na Europa não constituam uma base sólida em termos logísticos e operativos em Portugal.
"O país serve para questões logísticas, para se fazer a gestão de numerário, para a obtenção de documentos falsos, serve para garantir toda uma logística em termos de transportes, de alojamento", afirma.
O modus operandi da "Black Axe", relata a PJ, baseia-se na prática de esquemas de burla que são relativamente conhecidos pelas autoridades.
Entre estes incluem-se as "Cartas da Nigéria" (mensagem enviada por email com proposta de negócio falso), os dólares negros (um esquema de falsificação de notas) e o "CEO Fraud", também conhecido como "mandate fraud" ou "business email compromise" (uma fraude cometida intrometendo-se os criminosos nos emails das empresas).
A Black Axe é “conhecida em África e na Nigéria, pela prática sistemática deste tipo de ilícitos: fraudes financeiras praticadas com meios informáticos e o branqueamento de capitais”, resume Carlos Cabreiro.
"Funcionam como uma autêntica máfia", acrescenta André Inácio. "Trabalham sobretudo ao nível do tráfico de pessoas, das fraudes na internet e dos assassinatos", garante o membro do Observatório de Segurança, que teme que "alguma da violência" exercida pela rede "se venha a manifestar" no país, mais tarde ou mais cedo.
"Black Axe". A seita que se transformou num grupo de crime organizado
Uma investigação da BBC realizada durante dois anos, e revelada em 2021, permitiu perceber um pouco melhor a forma como este grupo do submundo do crime se organiza.
A BBC teve acesso a documentação descritiva das atividades ilícitas da rede através de um denunciante. Este protege-se por detrás do pseudónimo Tobias, com medo de sofrer represálias.
O grupo formou-se nos bairros problemáticos de cidades como Benin, na Nigéria e em pouco mais de uma década, diz o denunciante à BBC, conseguiu espalhar-se “por todo o mundo”, atingindo os 30 mil membros e gerando milhares de milhões de dólares de receitas para os seus cerca de 30 mil membros.
"Eles difundiram-se por toda a Europa, Ásia e América do Norte e do Sul", diz Tobias à BBC. "Não é um clube pequeno, mas sim uma organização criminosa incrivelmente grande."
Não se trata de forma alguma, sublinha a investigação jornalística, de crimes cometidos por hackers isolados sentados ao computador, mas de “operações colaborativas, organizadas e extremamente lucrativas, que às vezes envolvem dezenas de indivíduos trabalhando juntos em mais de um continente”.
Carlos Cabreiro, da PJ, reconhece que o grupo tem “uma estrutura bem definida, com líderes”, uma equipa de “criminosos profissionais e técnicos que estão na base dos crimes cometidos”.
"Têm uma estratégia muito bem definida" e são um "grupo extremamente bem organizado, que tem a sua fonte de recrutamento junto de estudantes universitários, gente que ainda tem um espírito moldável. Alguns são voluntários outros são voluntários à força, porque são coagidos", acrescenta André Inácio.
Outro traço característico é que se trata de um grupo extremamente violento. “São conhecidos por serem um grupo que utiliza a violência, de estilo mafioso”, declara o diretor da UNC3T.
A BBC divulga relatos de trocas de mensagens entre os membros do grupos, que são conhecidos como “Axemen” com fotos de pessoas assassinadas e até de uma contagem de mortos feita em disputa com os grupos rivais, como se de um jogo se tratasse em que cada morte corresponde a um ponto.
Uma prática que funciona como uma "forma de dissuasão para opositores e de afirmação de poder", explica o membro do Observatório de Segurança, André Inácio.
Isto faz com que a “Black Axe” seja também conhecido como uma “seita”, em referência aos “rituais secretos de iniciação e à forte lealdade dos seus membros” acrescenta a BBC.
"Começaram como sendo uma seita, aproveitando todo o descontentamento que existe [na Nigéria]. Têm um ritual de iniciação", que depois evoluiu para a dimensão de "um crime organizado", conclui André Inácio.
Entre as diversas mensagens a que BBC teve acesso, algumas “contém planos de expansão global”, um objetivo que a Interpol tenta contrariar através de operações de grande escala, como aquela que esta sexta-feira se tornou do conhecimento público.