O bastonário da Ordem dos Médicos rejeita a ideia de que haja portugueses de primeira, com direito a um médico de família, e portugueses de segunda, sem acesso a esta especialidade.
“Não podemos dizer que temos portugueses de primeira e portugueses de segunda, porque têm ou não direito a um médico de família”, referiu Miguel Guimarães, numa conferência de imprensa via Zoom, no final da reunião do Fórum Médico.
A entidade, constituída pela Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar, Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e Ordem dos Médicos (OM), não aceita que sejam clínicos de outra especialidade ou mesmo sem especialidade, a exercer as funções de médico de família.
Cerca de 1,4 milhões de portugueses não tem atualmente médico de família, mas, para estas organizações, esta não é a solução. Consideram até que pode não ser legal e por isso Miguel Guimarães anunciou o pedido de intervenção do gabinete jurídico.
SNS só retém metade dos médicos de família
“A situação é muito grave”, frisou Miguel Guimarães, que convocou a reunião, apontando três motivos.
Por um lado, a excelência da formação nesta especialidade. Cerca de um quarto das vagas de especialidade são para esta área e este ano o número de novos especialistas até é superior aos habituais 500; são 550. Para o Bastonário, é bem claro que o país tem mais médicos de Medicina Geral do que aqueles que precisa. O problema é que só metade está no SNS. Neste momento, há 1.400 que não trabalham para o Serviço Nacional de Saúde.
Em segundo lugar, Miguel Guimarães aponta o dedo ao Executivo que não está a seguir nenhuma das opções apresentadas pelas entidades do Fórum, sociedade civil e mesmo pelos partidos.
Finalmente, o Bastonário deixa claro que “um médico sem especialidade não é um médico de Medicina Geral e Familiar. Uma especialidade que evoluiu muito nos últimos anos, sendo que os médicos de família têm um papel insubstituível no encaminhamento dos utentes”.
“Para que fiquem no SNS é preciso que tenham ordenados dignos e condições de trabalho”, frisou Teresa Palminha, da Federação Nacional dos Médicos, lembrando que há 15 anos que não há aumentos salariais nem progressão nas carreiras.
Governo será responsável por mais saídas de médicos
Perante a gravidade, o bastonário da OM diz temer a saída de mais clínicos do SNS nos próximos meses.
“Se neste momento já temos uma taxa de abandono nos hospitais e centros de saúde que é muito elevada; se já temos preenchimento de vagas para assistente, seja de Medicina Geral e Familiar seja para outras especialidades que ronda os 40%; se temos muitos médicos no SNS indignados porque continuam a não ser respeitados e porque as suas condições de trabalho e salariais continuam a ser inacreditáveis, eu temo que muitos mais médicos abandonem o SNS, o que não é bom para o país, para os portugueses e é total responsabilidade do Governo”.
Jorge Roque da Cunha, presidente do SIM- Sindicato Independente dos Médicos – considera que “o Governo está a nivelar por baixo, o que não faz qualquer sentido”. E avisa que “com um Governo de maioria absoluta, todas estas questões têm que ser resolvidas à mesa das negociações”, que a ministra Marta Temido já anunciou.
Aliás, o Governo e a ministra Marta Temido foram criticados por todas as entidades do Fórum por não terem sido consultadas sobre esta decisão de pôr médicos sem especialidade ou de outra especialidade a exercer a função de médico de família.
Ficou ainda o alerta do Bastonário relativamente à hipótese de recurso a médicos estrangeiros nas mesmas condições de qualidade. A primeira condição é que têm de ser, tal como os portugueses, especialistas em Medicina Geral e Familiar.